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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Carlos Drummond de Andrade - Ausência

Achei perdido entre os meus alfarrábios o poeminha que ora ofereço à leitura dos internautas. Drummond aponta para a inverdade da relação direta entre ausência e falta, porque, distintamente desta última – que pressupõe algum corte na relação com elementos tangíveis existentes no ambiente em que o poeta mantém presença –, a ausência fixa-se em seu interno, como um discurso autógeno do qual nada é capaz de rompê-lo.

Imagino que uma interpretação válida para o poema possa estar em associação com uma das seções do livro do Tao Te Ching, especificamente a de número IV (ou 4), cujo subtítulo associado pelo tradutor brasileiro, “Transcendência Incognoscível", parece moldar-se com perfeição às entrelinhas dos versos de Drummond.

Nesse contexto, Lao-Tsé formula, em suas proposições antitéticas, que é a vacuidade que dá origem a todas as plenitudes do mundo. E então poderíamos sugerir uma de nossas ilações à luz do texto do poeta mineiro: a ausência tem o poder de assoberbar a alma com os pensamentos, elucubrações, devaneios, indagações. E o vagar pelo espaço interno faz reverberar todas as fibras do ser. É o “estar em mim” enquanto ausência, em silêncio, cuja fonte é a própria essência do Tao.

J.A.R. – H.C.

Carlos Drummond de Andrade
(1902-1987)

Ausência

Por muito tempo achei que a ausência é falta
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
Ausência é um estar em mim.
E sinto-a tão pegada, aconchegada nos meus braços
Que rio e danço e invento exclamações alegres.
Porque a ausência, esta ausência assimilada,
Ninguém a rouba mais de mim.


Poema 4: Transcendência Incognoscível

Tao é a Fonte do profundo silêncio,
Que o uso jamais desgasta.
É como uma vacuidade,
Origem de todas as plenitudes do mundo.
Desafia as inteligências mais aguçadas.
Desfaz as coisas emaranhadas,
Funde, em uma só, todas as cores,
Unifica todas as diversidades.
Tao é a Fonte do profundo silêncio.
Atua pelo não-agir.
Ninguém lhe conhece a origem,
Mas é o gerador de todos os deuses.

Referências:

ANDRADE, Carlos Drummond. Ausência. In: Jornal do Brasil. Caderno B, 3.1.1982, p. 7.

LAO-TSÉ. Poema 4: Transcendência incognoscível. In: Tao te ching: o livro que revela deus. 4. ed. 1. reimp. Tradução e notas de Huberto Rohden. São Paulo: Martin Claret, 2009. p. 35. (Obra-Prima de Cada Autor, n. 136)

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