Achei perdido entre os meus alfarrábios o poeminha que ora ofereço à
leitura dos internautas. Drummond aponta para a inverdade da relação direta
entre ausência e falta, porque, distintamente desta última – que pressupõe
algum corte na relação com elementos tangíveis existentes no ambiente em que o
poeta mantém presença –, a ausência fixa-se em seu interno, como um discurso
autógeno do qual nada é capaz de rompê-lo.
Imagino que uma interpretação válida para o poema possa estar em
associação com uma das seções do livro do Tao Te Ching, especificamente a de
número IV (ou 4), cujo subtítulo associado pelo tradutor brasileiro, “Transcendência
Incognoscível", parece moldar-se com perfeição às entrelinhas dos versos
de Drummond.
Nesse contexto, Lao-Tsé formula, em suas proposições antitéticas, que é
a vacuidade que dá origem a todas as plenitudes do mundo. E então poderíamos sugerir
uma de nossas ilações à luz do texto do poeta mineiro: a ausência tem o poder
de assoberbar a alma com os pensamentos, elucubrações, devaneios, indagações. E
o vagar pelo espaço interno faz reverberar todas as fibras do ser. É o “estar
em mim” enquanto ausência, em silêncio, cuja fonte é a própria essência do Tao.
J.A.R. – H.C.
Carlos Drummond de Andrade
(1902-1987)
Ausência
Por muito tempo achei
que a ausência é falta
E lastimava,
ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na
ausência.
Ausência é um estar
em mim.
E sinto-a tão pegada,
aconchegada nos meus braços
Que rio e danço e
invento exclamações alegres.
Porque a ausência,
esta ausência assimilada,
Ninguém a rouba mais
de mim.
Poema 4: Transcendência Incognoscível
Tao é a Fonte do
profundo silêncio,
Que o uso jamais
desgasta.
É como uma vacuidade,
Origem de todas as
plenitudes do mundo.
Desafia as
inteligências mais aguçadas.
Desfaz as coisas
emaranhadas,
Funde, em uma só,
todas as cores,
Unifica todas as
diversidades.
Tao é a Fonte do
profundo silêncio.
Atua pelo não-agir.
Ninguém lhe conhece a
origem,
Mas é o gerador de
todos os deuses.
Referências:
ANDRADE, Carlos Drummond. Ausência. In:
Jornal do Brasil. Caderno B,
3.1.1982, p. 7.
LAO-TSÉ. Poema 4: Transcendência
incognoscível. In: Tao te ching: o livro
que revela deus. 4. ed. 1. reimp. Tradução e notas de Huberto Rohden. São
Paulo: Martin Claret, 2009. p. 35. (Obra-Prima de Cada Autor, n. 136)
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