Muitas já foram as postagens neste blog sobre o problema que é traduzir, de um idioma a outro, poemas ou textos com forte sentido conotativo. Há
mesmo quem teça ironias espirituosas sobre tais dificuldades, como o romeno
Marin Sorescu, no poema em destaque.
Como se poderia conjecturar maldosamente, o tradutor é um parente pobre do escritor.
Ou por outra: quem não tem o dom da escrita, traduz. E o que seria, exatamente,
a tradução: uma reprodução literal do original? Uma aproximação? Uma imitação?
Uma equivalência? Uma substituição? Uma recriação? Ou tudo isso junto?
O homem é um símio, se parece com um símio, tem ancestral comum ao dos símios, é uma versão mais apurada de
um símio, vale tanto quanto um símio ou nada disso?
Ousaríamos afirmar que o labor do tradutor e tão ou mais árduo que o do
escritor, em sua interação com as musas: sabe-se lá o que é tentar manter o
esquema de rimas do original, guardando a mesma métrica e preservando o equilíbrio
rítmico de um poema!
Além disso, a tradução em seu brilho, não raras vezes, supera o texto do
idioma-mãe, de tal sorte que a criação em segundo grau, havendo atingido um
inegável grau de perfeição, assume autonomia em relação à sua matriz.
Assim me expressando, mereço ou não algumas loas pela defesa dos tradutores? (rs). Infelizes deles, que mal fazem jus a menções ao pé da página, como as do final desta estampa.
J.A.R. – H.C.
(1936-1996)
Retroversiune
Sustineam examenul
La limba moarta,
Si trebuia sa ma
traduc
Din om în maimuta.
Am luat-o pe departe,
Traducând mai întâi
un text
Dintr-o padure.
Retroversiunea
devenea însa
Tot mai dificila, cu cât
ma apropiam de mine.
Cu putin efort
Am gasit totusi echivalente multumitoare
Pentru unghii si
parul de pe picioare.
Pe la genunchi am început sa ma bâlbâi.
În dreptul inimii
mi-a tremurat mâna
Si-am facut o pata de
soare.
Am mai încercat eu s-o
dreg
Cu parul de pe piept.
Dar m-am poticnit
definitiv
La suflet.
Translation
I was sitting an exam
In a dead language
And I had to translate myself
From man into ape.
I played it cool,
First translating a text
From a forest.
But the translation got harder
As I drew nearer to myself.
With some effort
I found, however, satisfactory equivalents
For nails and the hair on the feet.
Around the knees
I started to stammer.
Towards the heart my hand began to shake
And blotted the paper with light.
Still, I tried to patch it up
With the hair of the chest,
But utterly failed
At the soul.
Tradução
Estava eu fazendo um
exame
Numa língua morta
E tinha de me passar
em tradução
De homem a macaco.
Joguei com
tranquilidade,
Traduzindo primeiro
um texto
De uma selva.
Mas a tradução se
tornou mais difícil
Quando me aproximei
de mim mesmo.
Com algum esforço
Achei, contudo,
satisfatórias equivalências
Para as unhas e o
pelo dos pés.
Perto dos joelhos
Comecei a gaguejar.
Em direção ao coração
minha mão começou a tremer
E manchou o papel com
luz.
Ainda assim, tentei
remendar
Com o pelo do peito,
Mas falhei
redondamente
Na alma.
Referências:
Do original em romeno
SORESCU, Marin. Retroversiune. Disponível neste
endereço. Acesso em: 16 fev. 2015.
Da versão em inglês
SORESCU, Marin. Translation. Translated from the Romanian by Timothy
J. L. Cribb. In: STEINER, George. After
Babel: aspects of language and translation. 3rd. ed. Shanghai
(CN): Shanghai Foreign Language Education Press, 2001. p. 254.
Da versão em português
SORESCU, Marin. Tradução. In: STEINER, George. Depois de Babel: questões de linguagem e tradução. Tradução para o português de Carlos Alberto Faraco. Curitiba (PR): Editora da UFPR, 2005. p. 265.
Da versão em português
SORESCU, Marin. Tradução. In: STEINER, George. Depois de Babel: questões de linguagem e tradução. Tradução para o português de Carlos Alberto Faraco. Curitiba (PR): Editora da UFPR, 2005. p. 265.
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