Temos aqui um poema que além do seu inequívoco valor literário e do certo desencanto
que o atravessa, faz-nos ver o quanto a arte de fazer poemas também não pode
prescindir de um bom dicionário, que torne possível ao poeta fazer parelha
entre o que lhe vai no espírito e as palavras que melhor se adéquam a expressar
o sentimento.
Por hoje, colhi um vocábulo para guardar entre aqueles que vi ou ouvi
pela primeira vez, ao participar de saraus literários ou mesmo ao compulsar
antologias de poemas, como no presente caso: “undívago”, algo como ondulante.
Vida undívaga, que flui em vagas, ondas, espirais. Vida que nem sempre
progride, mas que por vezes retroage para que possamos reavaliá-la, alterando-lhe o rumo se
necessário for. “Vida” como na composição de Chico Buarque, pulsante, na voz da
cantora Simone, em 1981. Muita vida vertida nos “cantos da pia”, desde então!
J.A.R. – H.C.
“Vida”
(Simone, 1981)
Canción de la Vida Profunda
El hombre es una cosa vana, variable y
ondeante...
(Montaigne)
Hay días en que somos
tan móviles, tan móviles,
como las leves
briznas al viento y al azar.
Tal vez bajo otro
cielo la Gloria nos sonríe.
La vida es clara,
undívaga, y abierta como un mar.
Y hay días en que
somos tan fértiles, tan fértiles,
como en abril el
campo, que tiembla de pasión:
bajo el influjo
próvido de espirituales lluvias,
el alma está brotando
florestas de ilusión.
Y hay días en que somos
tan sórdidos, tan sórdidos,
como la entraña
obscura de oscuro pedernal:
la noche nos
sorprende, con sus profusas lámparas,
en rútiles monedas
tasando el Bien y el Mal.
Y hay días en que
somos tan plácidos, tan plácidos...
(¡niñez en el
crepúsculo! ¡Lagunas de zafir!)
que un verso, un
trino, un monte, un pájaro que cruza,
y hasta las propias
penas nos hacen sonreír.
Y hay días en que
somos tan lúbricos, tan lúbricos,
que nos depara en
vano su carne la mujer:
tras de ceñir un
talle y acariciar un seno,
la redondez de un
fruto nos vuelve a estremecer.
Y hay días en que
somos tan lúgubres, tan lúgubres,
como en las noches
lúgubres el llanto del pinar.
El alma gime entonces
bajo el dolor del mundo,
y acaso ni Dios mismo
nos puede consolar.
Mas hay también ¡oh Tierra! un día...
un día... un día
en que levamos anclas
para jamás volver...
Un día en que
discurren vientos ineluctables.
¡Un día en que ya
nadie nos puede retener!
Porfírio
Barba Jacob
(Poeta colombiano:
1883-1942)
O homem é uma coisa vã, mutável e ondulante...
(Montaigne)
Canção da Vida Produnda
Há dias em que somos
tão móveis, tão móveis,
como os leves
chuviscos ao vento e ao azar.
Talvez sob outro céu
a Glória nos sorrisse.
A vida é clara,
undívaga e aberta como um mar.
E há dias em que
somos férteis, tão férteis,
como em abril o
campo, que treme de paixão:
sob o influxo próvido
de espirituais chuvas,
a alma faz brotar
florestas de ilusão.
E há dias em que
somos tão sórdidos, tão sórdidos,
como a entranha
obscura de escuro pedernal:
a noite nos
surpreende, com suas profusas lâmpadas,
em rútilas moedas taxando
o Bem e o Mal.
E há dias em que
somos tão plácidos, tão plácidos...
(meninice no crepúsculo!
Lagoas de safira!)
que um verso, um trinado,
um monte, um pássaro que cruza,
e até as próprias
penas nos fazem sorrir.
E há dias em que
somos lúbricos, tão lúbricos,
que nos depara em vão
sua carne a mulher;
depois de cingir uma
cintura e acariciar um seio,
o rotundo de um fruto
nos torna a estremecer.
E há dias em que
somos tão lúgubres, tão lúgubres,
como nas noites
lúgubres o pranto do pinhal.
A alma geme então sob
a dor do mundo,
e acaso nem mesmo Deus
nos pode consolar.
Mas há também ó
Terra! um dia… um dia… um dia
em que levantamos
âncoras para jamais voltar...
Um dia em que propagam-se
ventos inelutáveis.
Um dia em que já nada
nos pode reter!
Referência:
JACOB, Porfirio Barba. Canción de la vida
profunda. In: VALVERDE, José María; SANTOS, Dámaso (eds). Antologia de la poesía española e hispanoamericana. Primera parte:
desde los orígenes hasta la guerra civil. Prólogo e selección de textos de José
María Valverde. v. 2. Ámbitos Literarios/Poesía. Barcelona (ES): Editorial
Anthropos, abril 1988. p. 158.
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