Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Porfírio Barba Jacob – Canção da Vida Profunda

Temos aqui um poema que além do seu inequívoco valor literário e do certo desencanto que o atravessa, faz-nos ver o quanto a arte de fazer poemas também não pode prescindir de um bom dicionário, que torne possível ao poeta fazer parelha entre o que lhe vai no espírito e as palavras que melhor se adéquam a expressar o sentimento.

Por hoje, colhi um vocábulo para guardar entre aqueles que vi ou ouvi pela primeira vez, ao participar de saraus literários ou mesmo ao compulsar antologias de poemas, como no presente caso: undívago, algo como ondulante.

Vida undívaga, que flui em vagas, ondas, espirais. Vida que nem sempre progride, mas que por vezes retroage para que possamos reavaliá-la, alterando-lhe o rumo se necessário for. “Vida” como na composição de Chico Buarque, pulsante, na voz da cantora Simone, em 1981. Muita vida vertida nos cantos da pia”, desde então! 

J.A.R. – H.C. 

“Vida”
(Simone, 1981)

Canción de la Vida Profunda

El hombre es una cosa vana, variable y ondeante...
                                       (Montaigne)

Hay días en que somos tan móviles, tan móviles,
como las leves briznas al viento y al azar.
Tal vez bajo otro cielo la Gloria nos sonríe.
La vida es clara, undívaga, y abierta como un mar.

Y hay días en que somos tan fértiles, tan fértiles,
como en abril el campo, que tiembla de pasión:
bajo el influjo próvido de espirituales lluvias,
el alma está brotando florestas de ilusión.

Y hay días en que somos tan sórdidos, tan sórdidos,
como la entraña obscura de oscuro pedernal:
la noche nos sorprende, con sus profusas lámparas,
en rútiles monedas tasando el Bien y el Mal.

Y hay días en que somos tan plácidos, tan plácidos...
(¡niñez en el crepúsculo! ¡Lagunas de zafir!)
que un verso, un trino, un monte, un pájaro que cruza,
y hasta las propias penas nos hacen sonreír.

Y hay días en que somos tan lúbricos, tan lúbricos,
que nos depara en vano su carne la mujer:
tras de ceñir un talle y acariciar un seno,
la redondez de un fruto nos vuelve a estremecer.

Y hay días en que somos tan lúgubres, tan lúgubres,
como en las noches lúgubres el llanto del pinar.
El alma gime entonces bajo el dolor del mundo,
y acaso ni Dios mismo nos puede consolar.

Mas hay también ¡oh Tierra! un día... un día... un día
en que levamos anclas para jamás volver...
Un día en que discurren vientos ineluctables.
¡Un día en que ya nadie nos puede retener!

Porfírio Barba Jacob
(Poeta colombiano: 1883-1942)

O homem é uma coisa vã, mutável e ondulante...
                                     (Montaigne)

Canção da Vida Produnda

Há dias em que somos tão móveis, tão móveis,
como os leves chuviscos ao vento e ao azar.
Talvez sob outro céu a Glória nos sorrisse.
A vida é clara, undívaga e aberta como um mar.

E há dias em que somos férteis, tão férteis,
como em abril o campo, que treme de paixão:
sob o influxo próvido de espirituais chuvas,
a alma faz brotar florestas de ilusão.

E há dias em que somos tão sórdidos, tão sórdidos,
como a entranha obscura de escuro pedernal:
a noite nos surpreende, com suas profusas lâmpadas,
em rútilas moedas taxando o Bem e o Mal.

E há dias em que somos tão plácidos, tão plácidos...
(meninice no crepúsculo! Lagoas de safira!)
que um verso, um trinado, um monte, um pássaro que cruza,
e até as próprias penas nos fazem sorrir.

E há dias em que somos lúbricos, tão lúbricos,
que nos depara em vão sua carne a mulher;
depois de cingir uma cintura e acariciar um seio,
o rotundo de um fruto nos torna a estremecer.

E há dias em que somos tão lúgubres, tão lúgubres,
como nas noites lúgubres o pranto do pinhal.
A alma geme então sob a dor do mundo,
e acaso nem mesmo Deus nos pode consolar.

Mas há também ó Terra! um dia… um dia… um dia
em que levantamos âncoras para jamais voltar...
Um dia em que propagam-se ventos inelutáveis.
Um dia em que já nada nos pode reter!

Referência:

JACOB, Porfirio Barba. Canción de la vida profunda. In: VALVERDE, José María; SANTOS, Dámaso (eds). Antologia de la poesía española e hispanoamericana. Primera parte: desde los orígenes hasta la guerra civil. Prólogo e selección de textos de José María Valverde. v. 2. Ámbitos Literarios/Poesía. Barcelona (ES): Editorial Anthropos, abril 1988. p. 158.

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