Para quem aprecia a beleza dos poemas sufistas do poeta e pensador Rumi,
transcrevo nesta postagem uma de suas mais famosas poesias, “A Evolução da
Forma”, a sublinhar a perenidade da alma, enquanto em trânsito pelas mais diversas
modalidades em que poderá se incorporar à natureza, até que tenha cumprido a
sua jornada, quando então retornará como um “anjo”.
No cerne dessas criações extáticas, alheadamente a considerações de
tempo, lugar ou cultura, sobressai uma imaginação fértil, capaz de combinar
riqueza mística e ousadas adaptações de formas poéticas.
Enquanto isso, indago silenciosamente aos meus botões, depois de meditar
sobre o poema que ora seleciono: quando estarei por aqui sob forma “angelical”?
Por quantos mundos ainda terei que trafegar? (rs).
J.A.R. – H.C.
Jalal ud-Din Rumi
(1207-1273)
A Evolução da Forma
Toda forma que vês
tem seu arquétipo no
mundo sem-lugar.
Se a forma esvanece,
não importa,
permanece o original.
As belas figuras que
viste,
as sábias palavras
que escutaste,
não te entristeças se
pereceram.
Enquanto a fonte é
abundante,
o rio dá água sem
cessar.
Por que te lamentas
se nenhum dos
dois se detém?
A alma é a fonte,
e as coisas criadas,
os rios.
Enquanto a fonte
jorra, correm os rios.
Tira da cabeça todo o
pesar
e sorve aos borbotões
a água deste rio.
Que a água não seca,
ela não tem fim.
Desde que chegaste ao
mundo do ser,
uma escada foi posta
diante de ti,
para que escapasses.
Primeiro, foste
mineral;
depois, te tornaste
planta,
e mais tarde, animal.
Como pode ser isto
segredo para ti?
Finalmente foste
feito homem,
com conhecimento,
razão e fé.
Contempla teu corpo –
um punhado de pó –
vê quão perfeito se
tornou!
Quando tiveres
cumprido tua jornada,
decerto hás de
regressar como anjo;
depois disso, terás
terminado de vez com a terra,
e tua estação há de
ser o céu.
Passa de novo pela
vida angelical,
entra naquele oceano,
e que tua gota se
torne mar,
cem vezes maior que o
Mar de Oman.
Abandona este filho
que chamas corpo
e diz sempre “Um” com
toda a alma.
Se teu corpo
envelhece, que importa?
Ainda é fresca tua
alma.
Cobblestone Bridge
(Thomas Kinkade: 1958-2012)
Referência:
RUMI, Jalal ud-Din. A evolução da forma. Tradução de José Jorge de Carvalho. In: __________. Poemas místicos: Divan de Shams de
Tabriz. Seleção, tradução e introdução de José Jorge de Carvalho. 2. ed. São
Paulo: Attar, 2010. p. 66-67.
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