Para conceituar o que julga ser a poesia, trazemos agora João Rasteiro,
poeta e ensaísta português. Rasteiro faz aproximações ao conceito com preleções
próprias e de terceiros, alguns destes bem famosos, como o escritor inglês
Samuel Johnson e o poeta e cineasta francês Jean Cocteau.
J.A.R. – H.C.
João Rasteiro
(n. Coimbra, 1965)
O que é a poesia?
Na juventude era sobretudo
estranhamento, depois passou a ser brincadeira e prosápia, só que agora é medo
e sofrimento. Poderia talvez dizer que a poesia é. Talvez substanciá-la como
espanto e descoberta, caos e criação, vida e morte, verbo e substantivo. Poderia
até dizer que a poesia é o lugar mais recôndito e primordial da alucinada
linguagem em seus mundos e corpus de perplexidade. Poderia talvez, como refere
Herberto Helder, dizer que ela é “esta mão que escreve a ardente melancolia /
da idade / é a mesma que se move entre as nascenças da cabeça, / que à imagem
do mundo aberta de têmpora / a têmpora / ateia a suntuosidade do coração”.
Eu sei, eu estou também plenamente
convencido de que hoje cada vez mais, quando olho Gaza, Darfur, Bagdá ou
Tibete, a poesia não serve para nada, como diz o poeta e amigo Ricardo Aleixo: “A
poesia não serve para nada, não se compra pão com palavras, mas não se vive sem
ela. O dizer poético é a dimensão amplificada da crise do humano. Não acalma.
Ao contrário, nos mostra o quanto ao vivo é muito pior”. Eu sei, eu também
ambiciono que cada vez mais a poesia seja ato e não produto. Agora, poesia?
Como comparou Samuel Johnson, “Senhor,
o que é a poesia? – Bem, senhor, é muito mais fácil dizer o que não é. Todos
nós sabemos o que é a luz, mas não é fácil dizer o que é”. Por isso, talvez
como afiança Jean Cocteau, “a poesia é uma religião sem esperança”. E no
entanto o mundo (os mundos) e a linguagem precisam agora mais do que nunca
desta religião para ainda ter esperança.
Painting is Poetry
(Nay Sun – Artista de Mianmar)
Referência:
RASTEIRO, João. O que é a poesia para
você?. In: CRUZ, Edson (org.). O que é
poesia? Rio de Janeiro: Confraria do Vento; Calibán, 2009. p. 68-69.
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