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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Marcos Siscar - O que é a poesia?

Para nova conceituação do que seja a poesia, transcrevemos abaixo o longo parecer do poeta, tradutor e professor paulista Marcos Siscar (Borborema, São Paulo, 1964).

J.A.R. – H.C. 
Marcos Siscar

O que é a poesia?

Há um certo desconforto dos poetas em responder à questão “o que é poesia?”. A pergunta não é mais complicada do que outras. O problema é que a poesia não gosta muito de definições, e isso tem a ver com a história de sua constituição como discurso e como saber sobre o mundo, de modo distinto da filosofia, da religião ou, mais recentemente, da ciência.

Por isso, respostas especulativas, místicas ou sistêmicas, por mais interessantes que possam parecer, soam sempre como meia-verdade. Comento os paralelos, arriscando algumas hipóteses sobre o modo como a poesia reivindica sua diferença:

Gosto de imaginar, dentro da formulação filosófica do problema, que a poesia é a tentativa de manter o paradoxo, ou seja, aquilo que a filosofia tenta resolver a todo custo. O papel básico do filósofo é evitar o paradoxo, é dar um sentido coerente para aquilo que se apresenta contraditoriamente. Saber que não se sabe (Platão) é apenas uma estratégia do saber e, no fundo, um problema que a filosofia tem o cuidado de justificar, de manter sob controle. Para o poeta, o paradoxo não traz inconveniente (Octavio Paz). É possível dizer que a ambição da poesia é manter o paradoxo como tal, dando-lhe forma e formulação.

Já o discurso religioso valoriza o mistério, verticaliza a vertigem do conhecimento permanecendo, via de regra, dogmático. Se a poesia se aproxima da reivindicação do mistério, rejeita claramente o dogmatismo. O poeta é mais comumente agnóstico (Drummond), ou inicialmente profanador (Baudelaire). Mantendo o “mistério” (hoje diríamos a alteridade), mas recusando a necessidade de dar-lhe um fundamento, subvertendo o que foi separado e trazendo-o para o uso do profano (Agamben), a poesia seria um tipo de “profanação”.

Com a poesia sobre a mesa de dissecação, pode-se chegar a algumas conclusões em relação aos seus “dispositivos”. A herança científica nos legou uma visão do poético que passa sobretudo pela via da linguística (Jakobson, formalistas russos) e é capaz de nos oferecer definições de procedimentos e mecânicas poéticas. Como toda fonte de definições, ela vale tanto pelo que descreve quanto pelo que acaba por normatizar. Daí a ideia pedagógica que lhe é associada (por exemplo, nos discursos do make it new). Entretanto, a poesia resiste à ideia de reiteração de formas e valores, valoriza a experiência única.

É difícil responder “o que é poesia?” sem constatar essa disputa entre discursos. Acho que dá para dizer que discurso poético aspira ao paradoxo do conhecimento da ignorância, que não deixa de estar ligado com a pulsão da alteridade (acaso, mistério, etc.). Essa experiência de constituição de identidade não deixa de ter sintonia com o modo pelo qual a poesia aborda questões psicológicas (“afeto”), cosmológicas (ou “ecológicas”) e sociológicas (“comunidade”).

The Lady of Shalott
(John W. Waterhouse: 1849-1917)

Referência:

SISCAR, Marcos. O que é a poesia para você?. In: CRUZ, Edson (org.). O que é poesia? Rio de Janeiro: Confraria do Vento; Calibán, 2009. p. 96-98.

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