Assim como o fizemos para os temas da “beleza”
e da “verdade”, postaremos aqui vários excertos, de autores os mais diversos, a comentarem sobre o
que seria, sob os seus respectivos pontos de vista, a experiência poética, ou
mais sucintamente, a “poesia”.
Começaremos com o parecer de um dos
pensadores norte-americanos mais iconoclastas, a saber, Henry Louis Mencken, o renomado
autor de “O Livro dos Insultos”, de onde o extraímos.
O que Mencken parece sugerir em seu
discurso é que a poesia não se confunde com a arte de fazer versos, e um bom
poeta não pode ser avaliado, tão apenas, pela sua habilidade ou talento de
versificador. Ou por outra: a poesia supera quaisquer padrões ou leis rígidas
quanto à manutenção de métricas, rimas ou sonoridades. Pode ela, inclusive,
emanar exatamente das transgressões que suscita em relação a tais regras.
Além do mais, não teria sido por tal
motivo, pelas prescrições rígidas que definiam o programa dos parnasianos, que
o poeta Manuel Bandeira lhes teria endereçado o chistoso poema “Os Sapos”?
J.A.R. – H.C.
H. L. Mencken
(1880-1956)
A Nova Poesia
O problema da maioria dos novos poetas
é o de que eles são muito cerebrais – ou seja, atacam os problemas de uma arte
com os métodos da ciência. Esse erro perpassa por todos os debates sobre o
assunto em que se metem. Tais debates estão cheios de teorias e frases feitas
que não funcionam e nem são verdadeiras. O poeta dos velhos tempos não ligava
para teorias. Quando lhe vinha aquela vontade de escrever, simplesmente entrava
numa banheira com espuma, amarrava uma toalha na cabeça e tentava reduzir seus
sentimentos ao papel. Se tivesse algum jeito para a coisa, o resultado era
poesia; se não, era nonsense. Mas
mesmo o seu pior fracasso ainda tinha algo natural e desculpável – era o
fracasso de um homem com febre de expressar-se. O fracasso do novo poeta é até
mais grotesco que o do cientista que se revela um charlatão – de um matemático
que divide 20 por 4 e consegue 6, ou de um cozinheiro que tenta fazer uma
omelete com maçanetas de porcelana.
A poesia não pode ser maquinada por
processos puramente intelectuais. Ela não tem nada a ver com o intelecto; na
verdade, chega a ser uma inimiga feroz e irreconciliável do intelecto. Seu
propósito não é o de estabelecer fatos, mas o de evitá-los ou negá-los. O que ela
tenta fazer é tornar a vida mais suportável num mundo intolerável, escondendo e
obliterando todas as realidades desagradáveis. Sua mensagem é a de que tudo
estará bem amanhã ou, na pior das hipóteses, na terça-feira que vem; de que um
túmulo não é frio e úmido, mas aquecido a vapor e coberto de rosas; que uma
garota não é um mamífero vivíparo, composto de organismos patogênicos e de um
egoísmo esclarecido, mas um anjo com asas aparadas e um coração de ouro. Tire
da poesia essa negação dos fatos crus e pavorosos – e ela deixará de ser o que
pretendia. Pode até ser boa prosa; até mesmo belíssima prosa. Mas não
conseguirá fazer ferver o sangue, como faz o verdadeiro poeta; não oferecerá
aquele consolo acariciador, aquela fuga da realidade e nem aquele bálsamo para
cada coceira ou ferroada espirituais que sofremos.
[1927]
Lucrezia as the Personification of Poetry
(Salvator Rosa: 1615-1673)
Referência:
MENCKEN, Henry Louis. A literatura
dolorosa: a nova poesia. In: __________. O
livro dos insultos. Seleção, tradução e prefácio de Ruy Castro. São Paulo
Companhia das Letras, 1988; 5. Reimpressão, 1996. p. 167-168.
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