Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 6 de julho de 2014

H. L. Mencken - A Nova Poesia

Assim como o fizemos para os temas da “beleza” e da “verdade”, postaremos aqui vários excertos, de autores os mais diversos, a comentarem sobre o que seria, sob os seus respectivos pontos de vista, a experiência poética, ou mais sucintamente, a “poesia”.

Começaremos com o parecer de um dos pensadores norte-americanos mais iconoclastas, a saber, Henry Louis Mencken, o renomado autor de “O Livro dos Insultos”, de onde o extraímos.

O que Mencken parece sugerir em seu discurso é que a poesia não se confunde com a arte de fazer versos, e um bom poeta não pode ser avaliado, tão apenas, pela sua habilidade ou talento de versificador. Ou por outra: a poesia supera quaisquer padrões ou leis rígidas quanto à manutenção de métricas, rimas ou sonoridades. Pode ela, inclusive, emanar exatamente das transgressões que suscita em relação a tais regras.

Além do mais, não teria sido por tal motivo, pelas prescrições rígidas que definiam o programa dos parnasianos, que o poeta Manuel Bandeira lhes teria endereçado o chistoso poema “Os Sapos”?

J.A.R. – H.C. 
H. L. Mencken
(1880-1956)

A Nova Poesia

O problema da maioria dos novos poetas é o de que eles são muito cerebrais – ou seja, atacam os problemas de uma arte com os métodos da ciência. Esse erro perpassa por todos os debates sobre o assunto em que se metem. Tais debates estão cheios de teorias e frases feitas que não funcionam e nem são verdadeiras. O poeta dos velhos tempos não ligava para teorias. Quando lhe vinha aquela vontade de escrever, simplesmente entrava numa banheira com espuma, amarrava uma toalha na cabeça e tentava reduzir seus sentimentos ao papel. Se tivesse algum jeito para a coisa, o resultado era poesia; se não, era nonsense. Mas mesmo o seu pior fracasso ainda tinha algo natural e desculpável – era o fracasso de um homem com febre de expressar-se. O fracasso do novo poeta é até mais grotesco que o do cientista que se revela um charlatão – de um matemático que divide 20 por 4 e consegue 6, ou de um cozinheiro que tenta fazer uma omelete com maçanetas de porcelana.

A poesia não pode ser maquinada por processos puramente intelectuais. Ela não tem nada a ver com o intelecto; na verdade, chega a ser uma inimiga feroz e irreconciliável do intelecto. Seu propósito não é o de estabelecer fatos, mas o de evitá-los ou negá-los. O que ela tenta fazer é tornar a vida mais suportável num mundo intolerável, escondendo e obliterando todas as realidades desagradáveis. Sua mensagem é a de que tudo estará bem amanhã ou, na pior das hipóteses, na terça-feira que vem; de que um túmulo não é frio e úmido, mas aquecido a vapor e coberto de rosas; que uma garota não é um mamífero vivíparo, composto de organismos patogênicos e de um egoísmo esclarecido, mas um anjo com asas aparadas e um coração de ouro. Tire da poesia essa negação dos fatos crus e pavorosos – e ela deixará de ser o que pretendia. Pode até ser boa prosa; até mesmo belíssima prosa. Mas não conseguirá fazer ferver o sangue, como faz o verdadeiro poeta; não oferecerá aquele consolo acariciador, aquela fuga da realidade e nem aquele bálsamo para cada coceira ou ferroada espirituais que sofremos.
[1927]

Lucrezia as the Personification of Poetry
(Salvator Rosa: 1615-1673)

Referência:

MENCKEN, Henry Louis. A literatura dolorosa: a nova poesia. In: __________. O livro dos insultos. Seleção, tradução e prefácio de Ruy Castro. São Paulo Companhia das Letras, 1988; 5. Reimpressão, 1996. p. 167-168.

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