Robert
Fisk, o combativo repórter do noticiário do Reino Unido “The Independent”,
sintetiza, nesta matéria,
como percebe a mais recente incursão dos israelenses em Gaza. Afirma ele que o
caso nada tem a ver com os assassinatos de israelenses na Cisjordânia ocupada
ou coisas da espécie, senão que se apresenta como disputa por mais terras que
hoje ainda estão em poder dos árabes.
Robert
Fisk não é um neófito sobre o tema: ele é autor do ciclópico “A Grande Guerra
Pela Civilização: a Conquista do Oriente Médio”, onde declina todo seu
conhecimento acerca dos conflitos que assolam aquela região do planeta.
E se
afirma que o problema é em decorrência da política expansionista de Israel
sobre territórios que, eufemisticamente, se denominam “ocupados” – mas, no
fundo, são “invadidos” – há de se compreender porque inúmeros analistas
internacionais entendem que um hipotético Estado Palestino já se mostra, hoje,
quase que totalmente inviável.
E me
digam os defensores convictos do Direito Internacional: ele serve exatamente
para quê?!
J.A.R.
– H.C.
Robert Fisk
(n. 1946)
A VERDADEIRA HISTÓRIA DE GAZA QUE OS ISRAELENSES NÃO ESTÃO
CONTANDO ESTA SEMANA
Um futuro Estado da Palestina não terá fronteiras e será um
enclave dentro de Israel, cercado por todos os lados por territórios ocupados
por israelenses
(Robert Fisk: The Independet)
Ok,
até esta tarde, o escore de dois dias de mortes alcançou 40 x 0 em favor de
Israel. Passemos agora à história de Gaza a que ninguém fará referência nas
próximas horas.
É
sobre terra. Os israelenses de Sederot passaram a ser atingidos por fogo de
rojões lançados pelos palestinos de Gaza e agora os palestinos estão recebendo
o seu merecido castigo. Claro. Mas espere, para começar do início, como é que
todos aqueles palestinos – num total de 1,5 milhão – foram parar amontoados em
Gaza? Bem, suas famílias outrora não viviam no que hoje se chama Israel? E
foram expulsas de lá – ou fugiram para salvar suas vidas – quando o Estado de
Israel foi criado.
E –
aqui, talvez, se devesse prender a respiração – o povo que vivia em Sederot no
início de 1948 não eram israelenses, mas árabes palestinos. Sua vila chamava-se
Huj. Nem eram inimigos de Israel. Dois anos antes, esses mesmos árabes haviam,
na verdade, ocultado combatentes judeus do Haganah perseguidos pelo exército
britânico. Mas quando o exército israelense voltou a Huj, em 31 de maio de
1948, expulsou todos os aldeões árabes – para a Faixa de Gaza! Tornaram-se
refugiados. David Ben Gurion (primeiro-ministro de Israel) chamou a expulsão de
“ação injusta e injustificada”. Muito pior. Os palestinos de Huj nunca foram
autorizados a regressar.
E
hoje, mais de 6 mil descendentes dos palestinos de Huj – atual Sederot – vivem
na miséria de Gaza, entre os “terroristas” que Israel está reivindicando
aniquilar, os quais estão a disparar em direção ao que antes era Huj. Uma
interessante história.
E
mais uma vez, ainda, pela via do direito de autodefesa de Israel. Ouvimo-la
hoje mais uma vez. E se a população de Londres estivesse sendo atacada como o
povo de Israel? Será que ela não revidaria? Bem, sim, mas nós britânicos não
temos mais de um milhão de ex-habitantes do Reino Unido expulsos e alocados em
campos de refugiados, em torno de algumas milhas quadradas às proximidades de
Hastings!
A
última vez em que esse argumento especioso foi empregado ocorreu em 2008,
quando Israel invadiu Gaza e matou pelo menos 1.100 palestinos (escore: 1.100 x
13). Àquela altura, o embaixador israelense perguntou “como seria se Dublin
fosse atacada por foguetes”? Contudo, a cidade britânica de Crossmaglen, na
Irlanda do Norte, foi atacada, nos anos 70, por foguetes oriundos da República
da Irlanda – e nem por isso a Real Força Aérea britânica pôs-se a bombardear
Dublin, em retaliação, matando mulheres e crianças irlandesas.
No
Canadá, em 2008, os que apoiam Israel repetiram esse mesmo argumento
fraudulento. E se as populações de Vancouver, Toronto ou Montreal fossem
atacadas com foguetes lançados dos subúrbios de suas próprias cidades? Como se
sentiriam? Mas os canadenses não têm expulsado os habitantes originais do
território canadense para campos de refugiados.
E
agora passemos para a Cisjordânia. Primeiramente, Benjamin Netanyahu afirmou
que não negociaria com o “presidente” palestino Mahmoud Abbas, porque Abbas não
representava também o Hamas. Depois, quando Abbas formou um governo de unidade,
Netanyahu passou a dizer que não negociaria com Abbas, porque unificara o seu
governo com o “terrorista” Hamas. Agora, está dizendo que só falará com Abbas
se romper com o Hamas – quando, então, rompido, Abbas não mais representará o
Hamas.
Enquanto
isso, o grande filósofo da esquerda israelense, Uri Avnery – 90 anos e,
felizmente, ainda cheio de energia – ataca a mais recente obsessão de seu país:
a ameaça de que o ISIS se mova para oeste de seu “califado” iraquiano-sírio e
venha a aportar à margem oriental do rio Jordão.
“E
Netanyahu disse”, segundo Avnery, que “se não forem detidos por uma guarnição
permanente de Israel no local (no rio Jordão), logo chegarão aos portões de Tel
Aviv”. A verdade, obviamente, é que a força aérea de Israel esmagaria o ISIS,
no momento em que se atrevesse a cruzar a fronteira da Jordânia, vindo do
Iraque ou da Síria.
A
importância dessa “guarnição permanente”, contudo, é que se Israel mantém seu exército
na Jordânia (para se proteger do ISIS), um futuro estado “palestino” não terá
fronteiras e será um enclave dentro de Israel, cercado por território
israelense por todos os lados.
“Em
tudo semelhante aos bantustões sul-africanos” – diz Avnery. Em outras palavras:
nenhum estado “viável” da Palestina jamais existirá. Afinal, o ISIS não é tal
qual o Hamas? Claro que não.
Mas
não é isso que ouvimos de Mark Regev, porta-voz de Netanyahu. Não, o que Regev
disse à Al Jazeera foi que o Hamas seria uma “organização terrorista extremista
não muito diferente do ISIS no Iraque, do Hezbollah no Líbano, do Boko Haram…”
Disparates. O Hezbollah é uma milícia xiita agora lutando até a morte dentro da
Síria contra os muçulmanos sunitas do ISIS. E Boko Haram – a milhares de
quilômetros de Israel – não é uma ameaça para Tel Aviv.
Mas
você, leitor, retome o argumento. Os palestinos de Gaza – e por favor esqueça,
para sempre, aqueles 6.000 palestinos cujas famílias são originárias de Sederot
– são aliados das dezenas de milhares de islamistas que ameaçam Maliki de
Bagdá, Assad de Damasco ou o presidente Goodluck Jonathan em Abuja.
Ainda
sob o mesmo argumento, se o ISIS está a caminho para tomar a Cisjordânia, por
que o governo de Israel continua a construir colônias ali – de forma ilegal, e
em terra árabe – para civis israelenses?
A
questão não tem a ver apenas com o assassinato de três israelenses na
Cisjordânia ocupada ou com o assassinato de um palestino na Jerusalém Oriental
ocupada. Nem sobre a prisão de militantes e políticos do Hamas na Cisjordânia.
Tampouco sobre foguetes. Como de costume, a disputa é sobre terra.
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