Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 19 de julho de 2014

Robert Fisk – O Problema Maior no Oriente Médio é a Terra

Robert Fisk, o combativo repórter do noticiário do Reino Unido “The Independent”, sintetiza, nesta matéria, como percebe a mais recente incursão dos israelenses em Gaza. Afirma ele que o caso nada tem a ver com os assassinatos de israelenses na Cisjordânia ocupada ou coisas da espécie, senão que se apresenta como disputa por mais terras que hoje ainda estão em poder dos árabes.

 

Robert Fisk não é um neófito sobre o tema: ele é autor do ciclópico “A Grande Guerra Pela Civilização: a Conquista do Oriente Médio”, onde declina todo seu conhecimento acerca dos conflitos que assolam aquela região do planeta.

 

E se afirma que o problema é em decorrência da política expansionista de Israel sobre territórios que, eufemisticamente, se denominam “ocupados” – mas, no fundo, são “invadidos” – há de se compreender porque inúmeros analistas internacionais entendem que um hipotético Estado Palestino já se mostra, hoje, quase que totalmente inviável.

 

E me digam os defensores convictos do Direito Internacional: ele serve exatamente para quê?!

 

J.A.R. – H.C. 

 

Robert Fisk

(n. 1946)

 

A VERDADEIRA HISTÓRIA DE GAZA QUE OS ISRAELENSES NÃO ESTÃO CONTANDO ESTA SEMANA

Um futuro Estado da Palestina não terá fronteiras e será um enclave dentro de Israel, cercado por todos os lados por territórios ocupados por israelenses

(Robert Fisk: The Independet)

 

Ok, até esta tarde, o escore de dois dias de mortes alcançou 40 x 0 em favor de Israel. Passemos agora à história de Gaza a que ninguém fará referência nas próximas horas.

 

É sobre terra. Os israelenses de Sederot passaram a ser atingidos por fogo de rojões lançados pelos palestinos de Gaza e agora os palestinos estão recebendo o seu merecido castigo. Claro. Mas espere, para começar do início, como é que todos aqueles palestinos – num total de 1,5 milhão – foram parar amontoados em Gaza? Bem, suas famílias outrora não viviam no que hoje se chama Israel? E foram expulsas de lá – ou fugiram para salvar suas vidas – quando o Estado de Israel foi criado.

 

E – aqui, talvez, se devesse prender a respiração – o povo que vivia em Sederot no início de 1948 não eram israelenses, mas árabes palestinos. Sua vila chamava-se Huj. Nem eram inimigos de Israel. Dois anos antes, esses mesmos árabes haviam, na verdade, ocultado combatentes judeus do Haganah perseguidos pelo exército britânico. Mas quando o exército israelense voltou a Huj, em 31 de maio de 1948, expulsou todos os aldeões árabes – para a Faixa de Gaza! Tornaram-se refugiados. David Ben Gurion (primeiro-ministro de Israel) chamou a expulsão de “ação injusta e injustificada”. Muito pior. Os palestinos de Huj nunca foram autorizados a regressar.

 

E hoje, mais de 6 mil descendentes dos palestinos de Huj – atual Sederot – vivem na miséria de Gaza, entre os “terroristas” que Israel está reivindicando aniquilar, os quais estão a disparar em direção ao que antes era Huj. Uma interessante história.

 

E mais uma vez, ainda, pela via do direito de autodefesa de Israel. Ouvimo-la hoje mais uma vez. E se a população de Londres estivesse sendo atacada como o povo de Israel? Será que ela não revidaria? Bem, sim, mas nós britânicos não temos mais de um milhão de ex-habitantes do Reino Unido expulsos e alocados em campos de refugiados, em torno de algumas milhas quadradas às proximidades de Hastings!

 

A última vez em que esse argumento especioso foi empregado ocorreu em 2008, quando Israel invadiu Gaza e matou pelo menos 1.100 palestinos (escore: 1.100 x 13). Àquela altura, o embaixador israelense perguntou “como seria se Dublin fosse atacada por foguetes”? Contudo, a cidade britânica de Crossmaglen, na Irlanda do Norte, foi atacada, nos anos 70, por foguetes oriundos da República da Irlanda – e nem por isso a Real Força Aérea britânica pôs-se a bombardear Dublin, em retaliação, matando mulheres e crianças irlandesas.

 

No Canadá, em 2008, os que apoiam Israel repetiram esse mesmo argumento fraudulento. E se as populações de Vancouver, Toronto ou Montreal fossem atacadas com foguetes lançados dos subúrbios de suas próprias cidades? Como se sentiriam? Mas os canadenses não têm expulsado os habitantes originais do território canadense para campos de refugiados.

 

E agora passemos para a Cisjordânia. Primeiramente, Benjamin Netanyahu afirmou que não negociaria com o “presidente” palestino Mahmoud Abbas, porque Abbas não representava também o Hamas. Depois, quando Abbas formou um governo de unidade, Netanyahu passou a dizer que não negociaria com Abbas, porque unificara o seu governo com o “terrorista” Hamas. Agora, está dizendo que só falará com Abbas se romper com o Hamas – quando, então, rompido, Abbas não mais representará o Hamas.

 

Enquanto isso, o grande filósofo da esquerda israelense, Uri Avnery – 90 anos e, felizmente, ainda cheio de energia – ataca a mais recente obsessão de seu país: a ameaça de que o ISIS se mova para oeste de seu “califado” iraquiano-sírio e venha a aportar à margem oriental do rio Jordão.

 

“E Netanyahu disse”, segundo Avnery, que “se não forem detidos por uma guarnição permanente de Israel no local (no rio Jordão), logo chegarão aos portões de Tel Aviv”. A verdade, obviamente, é que a força aérea de Israel esmagaria o ISIS, no momento em que se atrevesse a cruzar a fronteira da Jordânia, vindo do Iraque ou da Síria.

 

A importância dessa “guarnição permanente”, contudo, é que se Israel mantém seu exército na Jordânia (para se proteger do ISIS), um futuro estado “palestino” não terá fronteiras e será um enclave dentro de Israel, cercado por território israelense por todos os lados.

 

“Em tudo semelhante aos bantustões sul-africanos” – diz Avnery. Em outras palavras: nenhum estado “viável” da Palestina jamais existirá. Afinal, o ISIS não é tal qual o Hamas? Claro que não.

 

Mas não é isso que ouvimos de Mark Regev, porta-voz de Netanyahu. Não, o que Regev disse à Al Jazeera foi que o Hamas seria uma “organização terrorista extremista não muito diferente do ISIS no Iraque, do Hezbollah no Líbano, do Boko Haram…” Disparates. O Hezbollah é uma milícia xiita agora lutando até a morte dentro da Síria contra os muçulmanos sunitas do ISIS. E Boko Haram – a milhares de quilômetros de Israel – não é uma ameaça para Tel Aviv.

 

Mas você, leitor, retome o argumento. Os palestinos de Gaza – e por favor esqueça, para sempre, aqueles 6.000 palestinos cujas famílias são originárias de Sederot – são aliados das dezenas de milhares de islamistas que ameaçam Maliki de Bagdá, Assad de Damasco ou o presidente Goodluck Jonathan em Abuja.

 

Ainda sob o mesmo argumento, se o ISIS está a caminho para tomar a Cisjordânia, por que o governo de Israel continua a construir colônias ali – de forma ilegal, e em terra árabe – para civis israelenses?

 

A questão não tem a ver apenas com o assassinato de três israelenses na Cisjordânia ocupada ou com o assassinato de um palestino na Jerusalém Oriental ocupada. Nem sobre a prisão de militantes e políticos do Hamas na Cisjordânia. Tampouco sobre foguetes. Como de costume, a disputa é sobre terra.

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