Pejado de um sentimento antinômico, no
qual se mesclam o êxtase estético e o ceticismo ante a redenção do Eterno, o
soneto que abaixo transcrevemos, de autoria do poeta português António Duarte
Gomes Leal, não deixa de ser associável a um manifesto ânimo anticlerical. Mas
os contratempos da vida fizeram o poeta retornar ao seu credo católico já
próximo aos seus últimos anos.
Segundo Massaud Moisés (2004, p. 332), grande
parte da obra de Gomes Leal, presa a um evolucionismo ou misticismo panteísta –
de que o soneto em apreço é um eloquente exemplo! – “mescla ciência, religião e
filosofia, num compósito que traduz a própria diversificação de posições
culturais nos fins do século XIX, e uma sensibilidade ultrarreceptiva e ansiosa
de integrar numa unidade os dados antagônicos captados da realidade circundante”.
De fato, um poema muito dificilmente
redutível a apenas uma das duas principais correntes literárias vigentes à
época, quais sejam, a parnasiana ou a simbolista. Talvez mais próximo das premissas
simbolistas, quem sabe?!
J.A.R. – H.C.
Gomes Leal
(1848-1921)
As Catedrais
Como vos amo ver, ó
catedrais sozinhas,
A recortar o azul das
noites consteladas...
Erguidos coruchéus,
místicas andorinhas
– Ó grandes catedrais
do sol ensanguentadas!
Como vos amo ver,
pombas alvoroçadas,
Ogivas ideais, anjos
de puras linhas,
Catacumbas sem luz, aonde
embalsamadas
Dormem, de mãos em
cruz, as santas e as rainhas!
Em vão olhais o Céu,
sagradas epopeias!
Flores de renda e
luz, de incenso e aromas cheias,
Aves celestiais,
banhadas da manhã!
Em vão santos e reis,
ó monges dos desertos,
Em vão, em vão
rezais, sobre os livros abertos,
– O Céu, por que
chorais, é uma ficção cristã!
Catedral de Chartres
(1193-1220)
Referências:
LEAL, Gomes. As catedrais. In: TORRES, Alexandre
Pinheiro (org.). Antologia da poesia
portuguesa (séc. XII – séc. XX). v. II: sécs. XVII – XX. Porto: Lello & Irmão, 1977. p.
1060.
MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa através dos textos. 29. ed. São Paulo:
Cultrix, 2004.
♨
Nenhum comentário:
Postar um comentário