Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Henry Michaux: O Fluxo do Tempo

Temos aqui uma bela reflexão poética do escritor belga, de expressão francesa, Henry Michaux, extraída de sua obra “Passages” (“Passagens”), de 1950.

Michaux, que também foi pintor, se expressa idiossincraticamente e, talvez por isso mesmo, sua prosa tenda a revelar originalidade e espírito criativo, num universo poético povoado por imagens impulsivas, carregadas de móbiles mentais. São como que circunvoluções num território que tangencia os predicativos surrealistas...

J.A.R. – H.C. 
Henry Michaux
(1899-1984)

Desenhar a Passagem do Tempo

...Em lugar de uma visão que excluísse outras, foi minha intenção desenhar os momentos que constituem a vida de ponta a ponta, mostrar a frase interior, a frase sem palavras, corda que indefinidamente se desenrola, sinuosa, e, no íntimo, acompanha tudo o que se apresenta de fora e de dentro.

Queria desenhar a consciência de existir e a passagem do tempo. Como se toma o pulso. Ou ainda, mais especificamente, aquilo que aparece quando, à noite, se repete (mais abreviado e em surdina) o filme das impressões deixadas pelo dia.

Desenho cinemático.

Restringia-me ao meu, evidentemente. Mas muito me teria agradado um traçado feito por outros que não eu, percorrê-lo como um fio maravilhoso com nós e segredos, onde me seria dado ler a sua vida e ter na mão o seu percurso.

O meu filme pessoal não era mais do que uma linha ou duas ou três, cruzando-se aqui e ali com outras linhas, amontoando-se aqui, enlaçando-se ali, guerreando mais longe, enrolando-se num novelo – sentimentos e monumentos misturados naturalmente – erguendo-se, altivez, orgulho, ou castelo ou torre... que se podia ver, que me parecia que tinha de se ver... mas que, para dizer a verdade, quase ninguém via.

A Persistência da Memória
(Salvador Dalí: 1904-1989)

Referência:

MICHAUX, Henry. Desenhar a passagem do tempo. In: __________. Antologia: poesia. Tradução e Introdução de Margarida Vale de Gato. Lisboa (PT): Relógio D’Água, 1999. p. 211.

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