Enquanto o clima eleitoral do momento segue pegando fogo, com denúncias
e contradenúncias de ambos os lados – corrupção, incompetências, vãs promessas
que não serão cumpridas –, este internauta a tudo assiste com a tranquilidade e
o relaxamento de um felino: afinal, sou ou não do signo de Leão?! (rs).
E então, a aproveitar o mote, navegaremos nas páginas da poetisa russa –
ou seria melhor dizer ucraniana, em vista das recentes cizânias entre russos e
ucranianos? – Anna Akhmátova, para de lá extrairmos o intimista poema que ora postamos.
Anna faz menção à forma como a natureza pode nos ser reconfortante,
em retorno a um modo de vida mais simples, talvez de desaceleração das
ventoinhas que nos arrastam para além do ponto onde, originalmente, não
havíamos planejado migrar.
Um doce fluir de existência, no qual cabem, com similar valoração, o
afago das lambidelas de um gato fofo e o pousar ruidoso de uma cegonha no teto.
Plantas, animais e outras menções a elementos da natureza se integram na mente
da poetisa, de tal sorte que um singelo chamado à porta, diz-nos ela, com muita
probabilidade, não será capaz de removê-la do estado de consciência em que se
encontra.
Um equilíbrio natural, portanto!
J.A.R. – H.C.
Anna Akhmátova
(1889-1966)
Я научилась просто, мудро жить
А́нна Ахма́това
Я научилась просто,
мудро жить,
Смотреть на небо и
молиться Богу,
И долго перед вечером
бродить,
Чтоб утомить ненужную
тревогу.
Когда шуршат в овраге
лопухи
И никнет гроздь
рябины желто-красной,
Слагаю я веселые
стихи
О жизни тленной,
тленной и прекрасной.
Я возвращаюсь. Лижет
мне ладонь
Пушистый кот,
мурлыкает умильней,
И яркий загорается
огонь
На башенке озерной
лесопильни.
Лишь изредка
прорезывает тишь
Крик аиста,
слетевшего на крышу.
И если в дверь мою ты
постучишь,
Мне кажется, я даже
не услышу.
(1912)
Aprendi a Viver com Simplicidade, com
Juízo
(Anna Akhmátova)
Aprendi a viver com
simplicidade, com juízo,
a olhar o céu, a
fazer minhas orações,
a passear sozinha até
a noite,
até ter esgotado esta
angústia inútil.
Enquanto no penhasco
murmuram as bardanas
e declina o
alaranjado cacho da sorveira,
componho versos bem
alegres
sobre a vida caduca,
caduca e belíssima.
Volto para casa. Vem
lamber a minha mão
o gato peludo, que
ronrona docemente,
e um fogo
resplandecente brilha
no topo da serraria,
à beira do lago.
Só de vez em quando o
silêncio é interrompido
pelo grito da cegonha
pousando no telhado.
Se vieres bater à
minha porta,
é bem possível que eu
sequer te ouça.
(1912)
Referência:
AKHMÁTOVA, Anna. Aprendi a viver com
simplicidade, com juízo. In: __________. Antologia
Poética. Seleção, tradução, apresentação e notas de Lauro Machado Coelho.
Porto Alegre: L&PM Pocket, 2009. p. 60.
ö
Nenhum comentário:
Postar um comentário