Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 12 de outubro de 2014

Pensamentos de Freud: Seleta

Aqui vai uma prenda aos amantes da obra de Freud: uma amostra de seus pensamentos, sempre muito bem construídos linguisticamente, agrupados por mim, segundo alguns temas congêneres.

Em toda a grande lista de reflexões, originalmente recolhidas pelo psicanalista francês Alain de Mijolla, sobressaem algumas com um humor insólito, bem judaico, inúmeras vezes a replicar aos seus interlocutores o fato de não confiar em qualquer credo religioso, tomados todos como mera “ilusão”...

J.A.R. – H.C.

Alain de Mijolla
(n. 1933)

Nobreza e Maldade

Todos aqueles que querem ser mais nobres do que a sua constituição lhes permite, sucumbem à neurose; se tivessem conservado a possibilidade de serem mais maus, ter-se-iam beneficiado disso (1908). (FREUD, 1985, p. 77-78)

Poetas, Artistas e Arte

Poetas e romancistas são aliados preciosos e seu testemunho deve ser altamente valorizado, pois eles conhecem, entre o céu e a terra, muitas coisas com as quais nossa sabedoria escolar ainda não poderia sonhar. No conhecimento da alma, eles são nossos mestres, ensinam a nós, homens vulgares, pois bebem em fontes que ainda não tornamos acessíveis à ciência (1907). (FREUD, 1985, p. 77)

O artista é, originalmente, um homem que, não podendo aceitar a renúncia à satisfação pulsional que exige, antes de mais nada, a realidade, desvia-se desta e dá livre cursos, em sua vida de fantasia, a seus desejos eróticos ambiciosos. Mas ele encontra o caminho que reconduz, desse mundo de fantasia, à realidade: graças a seus dons particulares, dá forma às suas fantasias para fazer delas realidades de outro tipo, que são reconhecidas pelos homens como imagens muito preciosas da realidade. É assim que, de certa maneira, ele se torna realmente o herói, o rei, o criador, o bem-amado que desejava tornar-se, sem ter que passar pelo enorme desvio que consiste em transformar realmente o mundo exterior (1911). (FREUD, 1985, p. 81)

A arte é o único domínio em que a onipotência das ideias se tem mantido até nossos dias. Somente na arte ocorre ainda que um homem, atormentado por seus desejos, faça algo que se assemelhe a uma satisfação; e, graças à ilusão artística, esse jogo produz os mesmos efeitos positivos que haveria caso se tratasse de algo real (1912-1913). (FREUD, 1985, p. 82-83)

As obras de arte exercem sobre mim forte impressão, em particular as obras literárias e as obras plásticas – mais raramente os quadros. Fui assim levado, em ocasiões favoráveis, a contemplá-las longamente, para compreendê-las, isto é, captar por onde elas produzem efeito. Quando não posso agir desse modo, como no que se refere à música, por exemplo, sou quase incapaz de apreciá-las. Uma disposição racionalista, ou talvez analítica, luta em mim contra a emoção, quando não posso saber por que estou emocionado, nem o que é que me envolve (1914). (FREUD, 1985, p. 83)

São exatamente algumas das mais grandiosas e mais imponentes obras de arte que permanecem obscuras ao nossos entendimento. Admiramo-las, sentimo-nos dominados por elas, mas não poderíamos dizer o que representam para nós (1914). (FREUD, 1985, p. 83)

Ciência e Provas Científicas

Carta a Marie Bonaparte
Os espíritos medíocres exigem da ciência que esta lhes traga uma espécie de certeza que ela não poderia dar, uma espécie de satisfação religiosa. Somente os raros espíritos realmente científicos se mostram capazes de suportar a dúvida que se liga a todos os nossos conhecimentos. Não cesso de invejar os físicos e os matemáticos que estão certos do que afirmam. Quanto a mim, plano, por assim dizer, nos ares. Os fatos psicológicos não parecem ser mensuráveis e provavelmente permanecerão sempre assim. (FREUD, 1985, p. 95)

Uma probabilidade, por mais sedutora que seja, não poderia preservar-nos do erro, ainda que todos os dados do problema pareçam tão bem ajustados como as peças de um puzzle. É preciso lembrar que o verossímil nem sempre é verdadeiro e que o verdadeiro nem sempre é verossímil. Enfim, não é tentador ver-se classificado entre os escolásticos e os talmudistas, que se contentam em exercer sua engenhosidade sem se preocupar com o grau de verdade de suas asserções (1937). (FREUD, 1985, p. 105)

Seria um erro acreditar que uma ciência se compõe somente de teses rigorosamente demonstradas, e estaríamos enganados ao exigir isso. Tal exigência é típica de temperamentos que têm necessidade de autoridade, que procuram substituir o catecismo religioso por algum outro, ainda que seja este científico. O catecismo da ciência encerra poucas proposições apodíticas; a maioria de suas afirmações apresenta apenas alguns graus de probabilidade. É precisamente a característica do espírito científico saber contentar-se com essas aproximações da certeza e poder continuar o trabalho construtivo, apesar da falta de provas finais (1916-1917) (FREUD, 1985, p. 181)

Carta ao Pastor Pfister, 24 de fevereiro de 1928.
Exigir da ciência que ela estabeleça uma ética é insensato – a ética é uma espécie de ordre de marche destinada a ser utilizada na relação dos homens entre si −, o fato de a física admitir hoje que seja redondos os átomos, que ontem eram quadrados, é explorado de maneira abusivamente tendenciosa por todos aqueles que estão sedentos de crença. (FREUD, 1985, p. 185)

Verdade, Ética e Constância

Carta a Carl G. Jung, 29 de novembro de 1908.
Vejo que aqueles que proclamam erros adquirem grande mérito para com a humanidade; eles a conduzem à descoberta da Verdade, enquanto os que dizem a verdade se mostram muito nocivos, pois levam os outros à oposição em relação à verdade. De fato, ser original também é um objetivo na vida. (FREUD, 1985, p. 78)

Diz-se que quem modifica, vez por outra, suas ideias não merece confiança alguma, pois deixa supor que suas últimas proposições são tão errôneas quanto as precedentes. E, por outro lado, quem mantém suas ideias primeiras e não se deixa desviar facilmente delas passa por teimoso e equivocado. Ante esses dois julgamentos opostos da crítica, só há uma opção: permanecer sendo o que somos e só seguir nosso próprio julgamento (1916-1917). (FREUD, 1985, p. 86)

Uma concepção ética desejaria ver na disposição ao amor universal pela humanidade e pelo mundo a atitude mais elevada que o ser humano poderia adotar. Desde já, gostaríamos de fazer duas ressalvas capitais: em primeiro lugar, um amor que não escolhe parece-me perder parte de seu próprio valor, na medida em que se mostra injusto em relação a seu objeto; em segundo lugar, nem todos os seres humanos são dignos de serem amados (1930). (FREUD, 1985, p. 98)

Carta a Arnold Zweig, 31 de maio de 1936.
Quem se torna biógrafo obriga-se à mentira, aos segredos, à hipocrisia, ao idealismo e até à dissimulação de sua incompreensão, pois é impossível ter a verdade biográfica e, mesmo que fosse possível tê-la, ela não seria utilizável.
A verdade não é praticável, os homens não a merecem e, aliás, não tem razão nosso príncipe Hamlet quando pergunta se alguém poderia escapar à flagelação se fosse tratado segundo seus méritos? (FREUD, 1985, p. 104)

A Figura Prototípica da Mãe em “Rei Lear”

Poder-se-ia dizer que as três inevitáveis relações do homem com a mulher estão representadas em O Rei Lear: a geradora, a companheira e a destruidora. Ou então as três formas sob as quais se apresenta, no curso da vida, a imagem da mãe: a própria mãe, a amante que o homem escolhe à imagem desta e, por fim, a Terra-Mãe, que o retoma novamente. Mas o ancião procura inutilmente recapturar o amor da mulher tal como o recebeu de início de sua mãe; apenas a terceira das filhas do Destino, a silenciosa deusa da Morte, o acolherá em seus braços (1913) (FREUD, 1985, p. 196)

Sigmund Freud
(1856-1939)

Referência:

FREUD, Sigmund. Pensamentos de Freud. Coligidos e apresentados por Alain de Mijolla. Tradução de Rita Braga. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

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