Aqui vai uma prenda aos amantes da obra de Freud: uma amostra de seus
pensamentos, sempre muito bem construídos linguisticamente, agrupados por mim,
segundo alguns temas congêneres.
Em toda a grande lista de reflexões, originalmente recolhidas pelo
psicanalista francês Alain de Mijolla, sobressaem algumas com um humor
insólito, bem judaico, inúmeras vezes a replicar aos seus interlocutores o fato
de não confiar em qualquer credo religioso, tomados todos como mera “ilusão”...
J.A.R. – H.C.
Alain de Mijolla
(n. 1933)
Nobreza e Maldade
Todos aqueles que
querem ser mais nobres do que a sua constituição lhes permite, sucumbem à
neurose; se tivessem conservado a possibilidade de serem mais maus, ter-se-iam
beneficiado disso (1908). (FREUD, 1985, p. 77-78)
Poetas, Artistas e Arte
Poetas e romancistas
são aliados preciosos e seu testemunho deve ser altamente valorizado, pois eles
conhecem, entre o céu e a terra, muitas coisas com as quais nossa sabedoria
escolar ainda não poderia sonhar. No conhecimento da alma, eles são nossos mestres,
ensinam a nós, homens vulgares, pois bebem em fontes que ainda não tornamos
acessíveis à ciência (1907). (FREUD, 1985, p. 77)
O artista é,
originalmente, um homem que, não podendo aceitar a renúncia à satisfação
pulsional que exige, antes de mais nada, a realidade, desvia-se desta e dá
livre cursos, em sua vida de fantasia, a seus desejos eróticos ambiciosos. Mas
ele encontra o caminho que reconduz, desse mundo de fantasia, à realidade:
graças a seus dons particulares, dá forma às suas fantasias para fazer delas
realidades de outro tipo, que são reconhecidas pelos homens como imagens muito
preciosas da realidade. É assim que, de certa maneira, ele se torna realmente o
herói, o rei, o criador, o bem-amado que desejava tornar-se, sem ter que passar
pelo enorme desvio que consiste em transformar realmente o mundo exterior
(1911). (FREUD, 1985, p. 81)
A arte é o único
domínio em que a onipotência das ideias se tem mantido até nossos dias. Somente
na arte ocorre ainda que um homem, atormentado por seus desejos, faça algo que
se assemelhe a uma satisfação; e, graças à ilusão artística, esse jogo produz
os mesmos efeitos positivos que haveria caso se tratasse de algo real
(1912-1913). (FREUD, 1985, p. 82-83)
As obras de arte
exercem sobre mim forte impressão, em particular as obras literárias e as obras
plásticas – mais raramente os quadros. Fui assim levado, em ocasiões
favoráveis, a contemplá-las longamente, para compreendê-las, isto é, captar por
onde elas produzem efeito. Quando não posso agir desse modo, como no que se
refere à música, por exemplo, sou quase incapaz de apreciá-las. Uma disposição
racionalista, ou talvez analítica, luta em mim contra a emoção, quando não
posso saber por que estou emocionado, nem o que é que me envolve (1914). (FREUD,
1985, p. 83)
São exatamente
algumas das mais grandiosas e mais imponentes obras de arte que permanecem
obscuras ao nossos entendimento. Admiramo-las, sentimo-nos dominados por elas,
mas não poderíamos dizer o que representam para nós (1914). (FREUD, 1985, p.
83)
Ciência e Provas Científicas
Carta a Marie
Bonaparte
Os espíritos
medíocres exigem da ciência que esta lhes traga uma espécie de certeza que ela
não poderia dar, uma espécie de satisfação religiosa. Somente os raros
espíritos realmente científicos se mostram capazes de suportar a dúvida que se
liga a todos os nossos conhecimentos. Não cesso de invejar os físicos e os
matemáticos que estão certos do que afirmam. Quanto a mim, plano, por assim
dizer, nos ares. Os fatos psicológicos não parecem ser mensuráveis e
provavelmente permanecerão sempre assim. (FREUD, 1985, p. 95)
Uma probabilidade,
por mais sedutora que seja, não poderia preservar-nos do erro, ainda que todos
os dados do problema pareçam tão bem ajustados como as peças de um puzzle. É
preciso lembrar que o verossímil nem sempre é verdadeiro e que o verdadeiro nem
sempre é verossímil. Enfim, não é tentador ver-se classificado entre os
escolásticos e os talmudistas, que se contentam em exercer sua engenhosidade
sem se preocupar com o grau de verdade de suas asserções (1937). (FREUD, 1985, p.
105)
Seria um erro
acreditar que uma ciência se compõe somente de teses rigorosamente
demonstradas, e estaríamos enganados ao exigir isso. Tal exigência é típica de
temperamentos que têm necessidade de autoridade, que procuram substituir o
catecismo religioso por algum outro, ainda que seja este científico. O
catecismo da ciência encerra poucas proposições apodíticas; a maioria de suas
afirmações apresenta apenas alguns graus de probabilidade. É precisamente a
característica do espírito científico saber contentar-se com essas aproximações
da certeza e poder continuar o trabalho construtivo, apesar da falta de provas
finais (1916-1917) (FREUD, 1985, p. 181)
Carta ao Pastor
Pfister, 24 de fevereiro de 1928.
Exigir da ciência que
ela estabeleça uma ética é insensato – a ética é uma espécie de ordre de marche destinada a ser
utilizada na relação dos homens entre si −, o fato de a física admitir hoje que
seja redondos os átomos, que ontem eram quadrados, é explorado de maneira
abusivamente tendenciosa por todos aqueles que estão sedentos de crença. (FREUD,
1985, p. 185)
Verdade, Ética e Constância
Carta a Carl G. Jung,
29 de novembro de 1908.
Vejo que aqueles que
proclamam erros adquirem grande mérito para com a humanidade; eles a conduzem à
descoberta da Verdade, enquanto os que dizem a verdade se mostram muito
nocivos, pois levam os outros à oposição em relação à verdade. De fato, ser
original também é um objetivo na vida. (FREUD, 1985, p. 78)
Diz-se que quem
modifica, vez por outra, suas ideias não merece confiança alguma, pois deixa
supor que suas últimas proposições são tão errôneas quanto as precedentes. E,
por outro lado, quem mantém suas ideias primeiras e não se deixa desviar
facilmente delas passa por teimoso e equivocado. Ante esses dois julgamentos
opostos da crítica, só há uma opção: permanecer sendo o que somos e só seguir
nosso próprio julgamento (1916-1917). (FREUD, 1985, p. 86)
Uma concepção ética
desejaria ver na disposição ao amor universal pela humanidade e pelo mundo a
atitude mais elevada que o ser humano poderia adotar. Desde já, gostaríamos de
fazer duas ressalvas capitais: em primeiro lugar, um amor que não escolhe
parece-me perder parte de seu próprio valor, na medida em que se mostra injusto
em relação a seu objeto; em segundo lugar, nem todos os seres humanos são
dignos de serem amados (1930). (FREUD, 1985, p. 98)
Carta a Arnold Zweig,
31 de maio de 1936.
Quem se torna
biógrafo obriga-se à mentira, aos segredos, à hipocrisia, ao idealismo e até à
dissimulação de sua incompreensão, pois é impossível ter a verdade biográfica
e, mesmo que fosse possível tê-la, ela não seria utilizável.
A verdade não é
praticável, os homens não a merecem e, aliás, não tem razão nosso príncipe
Hamlet quando pergunta se alguém poderia escapar à flagelação se fosse tratado
segundo seus méritos? (FREUD, 1985, p. 104)
A Figura Prototípica da Mãe em “Rei
Lear”
Poder-se-ia dizer que
as três inevitáveis relações do homem com a mulher estão representadas em O Rei Lear: a geradora, a companheira e
a destruidora. Ou então as três formas sob as quais se apresenta, no curso da
vida, a imagem da mãe: a própria mãe, a amante que o homem escolhe à imagem
desta e, por fim, a Terra-Mãe, que o retoma novamente. Mas o ancião procura
inutilmente recapturar o amor da mulher tal como o recebeu de início de sua mãe;
apenas a terceira das filhas do Destino, a silenciosa deusa da Morte, o
acolherá em seus braços (1913) (FREUD, 1985, p. 196)
Sigmund Freud
(1856-1939)
Referência:
FREUD, Sigmund. Pensamentos de Freud. Coligidos e apresentados por Alain de
Mijolla. Tradução de Rita Braga. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
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