Poeta, novelista, cineasta, dramaturgo e ensaísta, o italiano Pier Paolo
Pasolini era uma figura controvertida, mas de destaque na cultura italiana, até
ser barbaramente assassinado em meados de nov/75, em Roma.
Lembro-me bem dos filmes de sua autoria a que assisti em salas de
cineclubes ou comerciais em Belém (PA): O Evangelho Segundo São Mateus (1965), Teorema
(1968), Decameron (1971), Contos de Canterbury (1972), 1001 Noites (1974) e por
aí vai.
Àquela época, julgava as suas obras acentuadamente iconoclastas, como se
quisesse, propositadamente, retirar a audiência da sua zona de conforto. E, em boa
parte, ainda mantenho essa impressão. Mas as nossas impressões também mudam, e
com o tempo reavaliamos os nossos pontos de vista.
Sem pretender fazer quaisquer conjecturas relacionadas às suas
tendências sexuais invertidas, diria que, ainda assim, é quase impossível
aferir o que ele representou para a cultura italiana contemporânea, e por
extensão, mundial, sem alusões ao fato.
A sua obra poética, bem mais até que a cinematográfica, deixou-se
permear pelas mediações que Pasolini lograva encetar com o seu próprio íntimo.
Nela se percebe o recurso às odes, enquanto veículo catártico para os conflitos
que o assolavam.
E para ilustrar o que dizemos, postamos a seguir um excerto de uma de
suas poesias, “Frammento alla morte” (“Fragmento à morte”), por meio do qual se
percebe o quanto Pasolini era um homem em luta consigo mesmo, carregado de ira,
em equilíbrio instável ou em desequilíbrio, a ver em cada momento a
possibilidade de transmutar-se em um novo ser por intermédio da morte, essa
viagem que, como sabemos, não permite tutoria prévia.
Para os que desejam saber mais sobre o cineasta italiano, sugiro que assistam a este documentário, devidamente legendado em português, com o sugestivo nome “Pasolini e a Morte”.
J.A.R. – H.C.
Pier Paolo Pasolini
(1922-1975)
Frammento alla morte
(Estratto)
Torno a te, come
torna
un emigrato al suo
paese e lo riscopre:
ho fatto fortuna
(nell’intelletto)
e sono felice,
proprio
com’ero un tempo,
destituito di norma.
Una nera rabbia di
poesia nel petto.
Una pazza vecchiaia
di giovinetto.
Una volta la tua
gioia era confusa
con il terrore, è
vero, e ora
quasi con altra
gioia,
livida, arida: la mia
passione delusa.
Mi fai ora davvero
paura,
perché mi sei davvero
vicina, inclusa
nel mio stato di
rabbia, di oscura
fame, di ansia quasi
di nuova creatura.
De “La religione de mio tempo” (1961)
Prometeu Acorrentado
(Peter Paul Rubens:
1611-1612)
Fragmento à morte
(Excerto)
Regresso a ti, como
regressa
um emigrado ao seu
país e o redescobre:
fiz uma fortuna (no
intelecto)
e sou feliz, tanto
quanto uma vez o fui,
infenso a regras.
A negra fúria da
poesia no peito.
Uma insana velhice de
rapazinho.
Outrora tua alegria
confundia-se
com o terror, é
verdade, e agora
quase com outra
alegria,
lívida, árida: a
minha paixão desenganada.
Tornas-me agora
deveras assustado,
porque realmente
estás perto de mim, incorporada
ao meu estado de ira,
de obscura
fome, de ânsia quase
de nova criatura.
De “A religião de meu tempo” (1961)
Referência:
PASOLINI, Pier Paolo. Frammento alla morte (Estratto). In: La Botteghina del Libro, il segnalibro,
n. 1, febbraio 2011, Forlì (IT). p. 2. Disponível neste endereço.
Acesso em: 30 out 2014.
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