Um expressivo poema do
escritor, poeta e ensaísta uruguaio Mario Benedetti é o que ora trazemos aos
leitores deste bloguinho. Comporta ele uma paródia à passagem introdutória do
Evangelho de João, mas com nítidas conotações políticas, haja vista que a poesia
faz alusões aos regimes de exceção, comandados por militares, nos idos dos 60 e
70 do século passado, neste lado da América.
Na antologia de onde o
extraímos, o poema se encontra agrupado na seção “Letras de Emergência
(1969-1973)”, a compor a quota denominada “Versos para Ruminar”.
Note-se, finalmente,
que Benedetti pertence à linha de poetas que não são afeitos a muita pontuação
em seus textos, deixando-os mais desembaraçados, com o que se força o leitor a
fazer um exercício mental de interpretação bem mais percuciente.
J.A.R. – H.C.
Mario
Benedetti
(1920-2009)
El Verbo
En el principio era el
verbo
y el verbo no era dios
eran las palabras
frágiles transparentes
y putas
cada una venía con su
estuche
con su legado de
desídia
era posible mirarlas al
trasluz
o volverlas cabeza
abajo
interrogarlas en calma
o en francés
ellas respondían con
guiños cómplices y corruptos
qué suerte unos pocos
estábamos en la pomada
éramos el resumen la
quintaesencia el zumo
ellas las contraseñas
nos valseaban el orgasmo
abanicaban nuestra
modesta vanidad
mientras el pueblo esse
desconocido
con calvaria tristeza
decía no entendemos
no saber de qué
hablábamos ni de qué callábamos
hasta nuestros
silencios le resultaban complicados
porque también
integraban la partitura excelsa
ellas las palabras se
ubicaban y reubicaban
eran nuestra vanguardia
y cuando alguna caía
acribillada por la moda
o el sentido común
las otras se juntaban
solidarias y espléndidas
cada derrota las ponía
radiantes
porque como sostienen
los latinoamericanos del boul mich
la gran literatura sólo
se produce en la infelicidad
y solidarias y
espléndidas parían
adjetivos y gerúndios
preposiciones y
delírios
con los cuales decorar
el retortijón existencial
y convertirlo en oda o
nouvelle o manifiesto
las revoluciones
frustradas tienen eso de bueno
provocan angustias de
un gran nivel artístico
en tanto las
triunfantes apenas sí alcanzan
logros tan prosaicos
como la justicia social
en el después será el
verbo
y el verbo tampoco será
dios
tan solo el grito de
vários millones de gargantas
capaces de reír y
llorar como hombres nuevos y mujeres nuevas
y las palabras putas y
frágiles
se volverán sólidas y
artesanas
y acaso ganen su
derecho a ser sembradas
a ser regadas por los
hechos y las lluvias
a abrirse em árboles y
frutos
a ser por fin alimento
y trofeo
de un pueblo ya maduro
por la revolución y la inocência.
In the Beginning was the Word
(Ivo Medek: artista tcheco)
O Verbo
No princípio era o
verbo
e o verbo não era deus
eram as palavras
frágeis transparentes e
mundanas
cada uma vinha com seu
estojo
com seu legado de
desídia
era possível
examiná-las à contraluz
ou virá-las de cabeça
para baixo
interrogá-las com calma
ou em francês
elas respondiam com
piscadelas cúmplices e corruptas
que sorte uns poucos
estávamos na pomada(1)
éramos o resumo a
quintessência o sumo
elas as contrassenhas
nos valsavam o orgasmo
refrescavam nossa
modesta vaidade
enquanto o povo esse
desconhecido
com angustiosa tristeza
dizia não entender-nos
não saber de que
falávamos nem de que calávamos
até nossos silêncios
lhe resultavam complicados
porque também
integravam a partitura excelsa
elas as palavras se
assentavam e reassentavam
eram nossa vanguarda e
quando alguma caía
espicaçada pela moda ou
pelo sentido comum
as outras se juntavam
solidárias e esplêndidas
cada derrota as punha
radiantes
porque como sustentam
os latino-americanos do boul mich(2)
a grande literatura
somente é produzida na infelicidade
e solidárias e
esplêndidas concebiam
adjetivos e gerúndios
preposições e delírios
com os quais logravam
decorar o espasmo existencial
e convertê-lo em ode
ou nouvelle(3) ou manifesto
as revoluções têm isso
de bom
provocam angústia de um
grande nível artístico
enquanto as triunfantes
apenas sim alcançam
realizações tão
prosaicas como a justiça social
por fim será o verbo
e o verbo tampouco será
deus
tão somente o grito de
vários milhões de gargantas
capazes de rir e chorar
como homens novos e mulheres novas
e as palavras mundanas
e frágeis
tornar-se-ão sólidas e
artesãs
e talvez ganhem seu
direito a ser semeadas
a ser regadas pelos
fatos e pelas chuvas
a abrir-se em árvores e
frutos
a ser por fim alimento
e troféu
de um povo já maduro
para a revolução e a inocência.
Notas:
(1) Aparentemente, trata-se
de uma gíria, dando a entender que algumas pessoas estavam na condição de
promover certas coisas ou ideias.
(2) Certamente uma
referência ao Boulevard Saint-Michel, em Paris, localizado no Quartier Latin,
uma área da cidade bastante frequentada por latino-americanos.
(3) Outra palavra de origem
francesa: notícia, novidade; na literatura, novela ou romance – possivelmente o
sentido que o poeta buscou atribuir à palavra no contexto de seu poema.
Referência:
BENEDETTI, Mario. El
verbo. In: __________. Antología poética. Introducción de Pedro
Orgambide. Buenos Aires (AR): Editorial Sudamericana, 1994. p. 102-104.
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