De Shakespeare já se disse que sua prosa cativa o leitor pelo pródigo e
imaginativo uso do idioma. Mas há também elementos que recorrem aos cânones comportamentais então vigentes, como o trecho que ora recolhemos da peça “O Mercador de Veneza”,
mescla de tragédia e comédia, a congregar passagens dos mais genuínos amor e ódio.
No aludido trecho, Pórcia dirige-se ao judeu Shylock, rogando-lhe
clemência por meio de um discurso luminoso, digno dos melhores momentos do
bardo. Como a peça é dramaturgia pura, cabe do mesmo modo nas ambições visuais
do cinema: no vídeo abaixo, do filme “The Merchant of Venice” (2004) dirigido
por Michael Radford, a bela Pórcia – representada pela atriz Lynn Collins – aparece
disfarçada, como se um jovem advogado fosse [mais ou menos no decurso do tempo
01:29:59], a rogar a complacência do irredutível Shylock (Al Pacino). A conferir!
J.A.R. – H.C.
“The Merchant of Venice” (2004)
A qualidade da
clemência é que ela não seja forçada;
Cai como a doce chuva
do céu sobre o chão que está debaixo dele;
É duas vezes bendita;
bendiz ao que a concede e ao que a recebe.
É o que há de mais
poderoso naquele que é todo-poderoso;
Assenta-se melhor do
que a coroa no monarca sentado ao trono;
O cetro bem pode
mostrar a força do poder temporal;
O atributo da
majestade e do respeito que faz os reis temerem e tremerem.
Porém, a clemência
está acima da autoridade;
Tem seu trono nos
corações dos reis,
É um atributo do
próprio Deus
E o poder terrestre
se aproxima tanto quanto possível do poder de Deus,
Quando a clemência
tempera a justiça... Rogamos para solicitar clemência
A este mesmo rogo,
mediante o qual a solicitamos,
A todos ensina que
devemos mostrar-nos clementes para com nós mesmos.
(Shakespeare: “O
Mercador de Veneza” – Ato IV − Cena I)
Referência:
SHAKESPEARE, William. O mercador de
Veneza (excerto). In: ROZAKIS, Laurie. Tudo
sobre Shakespeare. Tradução de Tereza Tillett. Barueri (SP): Manole. p. 102.
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