A ideia de um sonho dentro de um sonho, no âmbito da literatura
brasileira, raramente deixa de estar associada ao poema “Sonho de um Sonho”, do
mineiro Carlos Drummond de Andrade, a que já fizemos menção neste blog.
Relembremos que é de Martinho da Vila, o sambista da Escola de Samba “Vila
Isabel”, em conjunto com outros dois compositores, a adaptação do poema de
Drummond a um samba-enredo,
escolhido entre os mais belos de 1980, na voz de Marcos Moran.
Mas há antecedentes em outra grande literatura sobre o mesmo tema: o
poema “A Dream Within a Dream”, do norte-americano Edgar Allan Poe. Por meio
dele, Poe tenta evidenciar que a mente é incapaz de acantonar-se fora de seus
próprios limites, para de lá poder observar, num mirante de segundo grau,
aquilo que ela própria entende ser a realidade.
Quando reflete, a mente projeta um sonho pretensamente “imparcial”, mas
não mais que um simulacro do sonho que é a própria realidade. É como se o poeta
nos desafiasse a conhecer o mundo à nossa volta, sem o recurso às nossas
fantasias, ilusões, prejulgamentos. Isso seria possível?
J.A.R. – H.C.
A Dream within a Dream
(Alan Parsons Project)
A Dream Within a Dream
(Edgar Allan Poe)
Take this kiss upon
the brow!
And, in parting from
you now,
Thus much let me avow
−
You are not wrong,
who deem
That my days have
been a dream;
Yet if hope has flown
away
In a night, or in a
day,
In a vision, or in
none,
Is it therefore the
less gone?
All that we see or
seem
Is but a dream within
a dream.
I stand amid the roar
Of a surf-tormented
shore,
And I hold within my
hand
Grains of the golden
sand −
How few! yet how they
creep
Through my fingers to
the deep,
While I weep − while
I weep!
O God! can I not
grasp
Them with a tighter
clasp?
O God! can I not save
One from the pitiless
wave?
Is all that we see or
seem
But a dream within a
dream?
Um Sonho num Sonho
(Edgar Allan Poe)
Este beijo em tua
fronte deponho!
Vou partir. E bem
pode, quem parte,
francamente aqui vir
confessar-te
que bastante razão
tinhas, quando
comparaste meus dias
a um sonho.
Se a esperança se
vai, esvoaçando,
que me importa se é
noite ou se é dia...
ente real ou visão
fugidia?
De maneira qualquer
fugiria.
O que vejo, o que sou
e suponho
não é mais do que um
sonho num sonho.
Fico em meio ao
clamor, que se alteia
de uma praia, que a
vaga tortura.
Minha mão grãos de
areia segura
com bem força, que é
de ouro essa areia.
São tão poucos! Mas
fogem-me, pelos
dedos, para a
profunda água escura.
Os meus olhos se inundam
de pranto.
Oh! meu Deus! E não
posso retê-los,
se os aperto na mão,
tanto e tanto?
Ah! meu Deus! E não
posso salvar
um ao menos da fúria
do mar?
O que vejo, o que sou
e suponho
será apenas um sonho
num sonho?
Referência:
POE, Edgar Allan. Silêncio. In: __________. Poemas e
Ensaios. Tradução de Osmar Mendes e Milton Amado. 3. ed. São Paulo: Globo,
1999. p. 47.
♨
Nenhum comentário:
Postar um comentário