Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 26 de outubro de 2014

Eduardo Galeano – O Sistema


Neste domingo, dia de eleições para presidente do Brasil em seu segundo turno, muito a propósito, postamos um poema de comprometimento social, de autoria de outro poeta e escritor uruguaio, Eduardo Galeano, o mais que conhecido autor de “As Veias Abertas da América Latina”, lá dos começos dos anos 70 do século passado.

Diz-nos ele: “Os meios de informação desinformam”. E todos vemos o quanto esses meios se prestam a defender os seus próprios interesses – jamais os do povo em geral –, quando bombardeiam nossos televisores e a internet com denúncias não devidamente assentadas sobre provas, no sentido cabal de influenciar de modo decisivo sobre o resultado das urnas, levando o candidato Aécio Neves à presidência.

Faço mensal especial à revista “Veja”, que se tornou o exemplo mais cabal de jornalismo sem qualquer ética. Basta ver que já desde fins dos anos 80, mesmo quando o PT sequer tinha alcançado o poder, suas matérias, de modo sistemático, somente apresentam conteúdo adverso a tal partido, pouco importando o que haja feito de positivo nos últimos doze anos pelo Brasil – e não foi pouca coisa no plano social! Ali, não há meio termo ou conteúdo ponderado: são apenas destratos contra quem a sua linha editorial não apoia.

Trata-se de um antijornalismo nas raias do estouvamento, com figuras como Reinaldo Azevedo, que, a julgar pelo conteúdo de seus artigos, colunas e inserções na internet, parece estar a merecer, com sinceridade, urgente tratamento psiquiátrico. Julgo que se a atual presidenta Dilma se reeleger, decerto esta noite terá que dormir com altas doses de Prozac.

Com efeito, o que a aludida revista fez na sexta-feira passada (24/10/14) é de uma sordidez sem par – e se expôs a ataques à sua sede, dos quais poderia, muito bem, passar à margem. Mas o fez jogando com o alto risco de sua própria continuidade, tanto mais que revistas impressas tendem mesmo a ter sua importância esvaziada, ante os meios eletrônicos de difusão em franca expansão.

O certo é que o Brasil está dividido, e isso me faz recordar uma frase, de cujo autor agora não tenho pleno conhecimento, segundo a qual a política é o meio mais sórdido para se decidir como amigos podem entrar em discórdia.

Embora meu voto seja para a continuidade da presidência exercida pela Dilma, não tenho objeções contra quaisquer candidatos – e passo muito bem com quaisquer deles lá no Palácio do Planalto.

E se houver necessidade de justificar ao leitor o meu voto, diria que, andando pelo Brasil, de norte a sul – e não apenas de modo concentrado na Região Sudeste –, nos últimos anos tenho visto uma quantidade numerosa de obras de grande porte – v.g., imensas hidrelétricas e outros empreendimentos – como jamais houve anteriormente, em especial no Norte e Nordeste do País, ou seja, exatamente as regiões menos aquinhoadas deste torrão, e não coincidentemente as regiões onde a atual presidenta encontra os maiores índices de aprovação ao seu governo.

Sob meu ponto de vista, a perspectiva de que a aprovação de Dilma, com fundamento tão somente na expansão do Programa Bolsa-Família em tais áreas, mostra-se acentuadamente reducionista. É a influência imediata da ação governamental na vida das pessoas que lhes modifica a avaliação, ou por outra, é a dimensão empírica da realidade que resulta vencedora contra eventuais assimetrias na obtenção de informações.

Bem! Eleja-se quem se eleger, a vitória será meio pirrônica: os custos imediatos para a maior parte dos que não apoiaram o vencedor não serão desprezíveis. Seja como for, confio bastante no comportamento amigável do povo brasileiro. Afinal, somos ou não a nação do lema “Ordem e Progresso”?!

Um grande abraço para todos os brasileiros!

J.A.R. – H.C. 
Eduardo Galeano
(n. 1940)

El Sistema / 1
(Eduardo Galeano)

Los funcionarios no funcionan.
Los políticos hablan, pero no dicen.
Los votantes votan, pero no eligen.
Los medios de información desinforman.
Los centros de enseñanza enseñan a ignorar.
Los jueces, condenan a las víctimas.
Los militares están en guerra contra sus compatriotas.
Los policías no combaten los crímenes,
porque están ocupados en cometerlos.
Las bancarrotas se socializan,
las ganancias se privatizan.
Es más libre el dinero que la gente.
La gente, está al servicio de las cosas.

(En: “El libro de los abrazos”) 


O Sistema / 1
(Eduardo Galeano)

Os funcionários não funcionam.
Os políticos falam, mas não dizem.
Os votantes votam, mas não elegem.
Os meios de informação desinformam.
Os centros de aprendizagem ensinam a ignorar.
Os juízes condenam as vítimas.
Os militares estão em guerra contra seus compatriotas.
Os policiais não combatem os crimes,
porque estão ocupados em cometê-los.
As bancarrotas são socializadas,
privatizam-se os lucros.
O dinheiro é mais livre que as pessoas.
As pessoas estão a serviço das coisas.

(Em: O Livro dos Abraços)

Referência:

GALEANO, Eduardo. Sistema / 1. In: __________. Entre los poetas míos... Espanha: Biblioteca Virtual Omegalfa, Marzo 2013. p. 17 (Colección Antológica de Poesía Social, n. 18). Disponível neste endereço. Acesso em: 26 out 2014.

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