Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Shelley – Hino à Beleza Intelectual

Shelley, a quem neste espaço já fizemos referência, é também autor do poema que ora postamos: um “hino” escrito em 1816, em reverência à “beleza intelectual”, entendida esta menos como o brilho da mente ou do intelecto, do que como uma ideia intelectual de beleza, a pulsar no espírito humano.

Alguns críticos afirmam tratar-se de uma tentativa de Shelley em incorporar o ideal romântico de comunhão com a natureza – diríamos congênere à matriz filosófica rousseauniana – em sua própria filosofia estética. Daí porque a poesia mescla, ‘pari passu’, em seu fluxo encadeado de estrofes, forma rítmica e esquema de rimas bem demarcado, os elementos qualificadores da beleza – em frequente associação aos seus componentes naturais –, com os predicados humanos que a eles se associam – “Love, Hope, and Self-esteem”.

J.A.R. – H.C. 
Percy Bysshe Shelley
(1792-1822)

Hymn to Intellectual Beauty

               I

The awful shadow of some unseen Power
        Floats though unseen among us, – visiting
        This various world with as inconstant wing
As summer winds that creep from flower to flower, –
Like moonbeams that behind some piny mountain shower,
               It visits with inconstant glance
               Each human heart and countenance;
Like hues and harmonies of evening, –
               Like clouds in starlight widely spread, –
               Like memory of music fled, –
               Like aught that for its grace may be
Dear, and yet dearer for its mystery.

               II

Spirit of Beauty, that dost consecrate
        With thine own hues all thou dost shine upon
        Of human thought or form, – where art thou gone?
Why dost thou pass away and leave our state,
This dim vast vale of tears, vacant and desolate?
               Ask why the sunlight not for ever
               Weaves rainbows o’er yon mountain-river,
Why aught should fail and fade that once is shown,
               Why fear and dream and death and birth
               Cast on the daylight of this earth
               Such gloom, – why man has such a scope
For love and hate, despondency and hope?

               III

No voice from some sublimer world hath ever
        To sage or poet these responses given –
        Therefore the names of Demon, Ghost, and Heaven,
Remain the records of their vain endeavour,
frail spells – whose uttered charm might not avail to sever,
               From all we hear and all we see,
               Doubt, chance, and mutability.
Thy light alone – like mist o’er the mountains driven,
               Or music by the night-wind sent
               Through strings of some still instrument,
               Or moonlight on a midnight stream,
Gives grace and truth to life’s unquiet dream.

               IV

Love, Hope, and Self-esteem, like clouds depart
        And come, for some uncertain moments lent.
        Man were immortal, and omnipotent,
Didst thou, unknown and awful as thou art,
Keep with thy glorious train firm state within his heart.
               Thou messenger of sympathies,
               That wax and wane in lovers’ eyes –
Thou – that to human thought art nourishment,
               Like darkness to a dying flame!
               Depart not as thy shadow came,
               Depart not – lest the grave should be,
Like life and fear, a dark reality.

               V

While yet a boy I sought for ghosts, and sped
        Through many a listening chamber, cave and ruin,
        And starlight wood, with fearful steps pursuing
Hopes of high talk with the departed dead.
I called on poisonous names with which our youth is fed;
               I was not heard – I saw them not –
               When musing deeply on the lot
Of life, at that sweet time when winds are wooing
               All vital things that wake to bring
               News of birds and blossoming, –
               Sudden, thy shadow fell on me;
I shrieked, and clasped my hands in ecstasy!

               VI

I vowed that I would dedicate my powers
        To thee and thine – have I not kept the vow?
        With beating heart and streaming eyes, even now
I call the phantoms of a thousand hours
Each from his voiceless grave: they have in visioned bowers
               Of studious zeal or love’s delight
               Outwatch’d with me the envious night –
They know that never joy illumed my brow
               Unlinked with hope that thou wouldst free
               This world from its dark slavery,
               That thou – O awful Loveliness,
Wouldst give whate’er these words cannot express.

               VII

The day becomes more solemn and serene
        When noon is past – there is a harmony
        In autumn, and a lustre in its sky,
Which through the summer is not heard or seen,
As if it could not be, as if it had not been!
               Thus let thy power, which like the truth
               Of nature on my passive youth
Descended, to my onward life supply
               Its calm – to one who worships thee,
               And every form containing thee,
               Whom, Spirit fair, thy spells did bind
To fear himself, and love all human kind. 

A Escola de Atenas
Detalhe: Aristóteles e Platão
(Rafael Sanzio: 1483-1520)

Hino à Beleza Intelectual

               I

A tremenda sombra de uma força não visível
        Mesmo invisível entre nós flutua – a visitar
        O mundo com asa tão volúvel e sensível
Qual vento de verão de flor em flor a rastejar –;
Qual luar que chove atrás da serra de pinheiros
               Visita a sombra, com inconstante relancear,
               O coração dos homens, seus semblantes passageiros;
Qual cores e harmonias de uma noite a principiar,
               Tal como à luz de estrelas muita nuvem espalhada,
               Como a lembrança de uma música evolada,
               Tal como o que por sua graça possa ser amado
E pelo seu mistério ainda mais prezado.

               II

Espírito do Belo, que consagras e que ungiste
        Tudo sobre o que brilhas, quer do pensamento
        Humano quer da forma – para onde tu partiste?
Por que perpassas por, e deixas nosso aforamento,
Este vale de lágrimas, vazio e desolado?
               A luz do sol, por que não para eternamente
               Tece arco-íris no rio da montanha despenhado?
Por que murchar, passar o que já foi florente?
               Por que o temor e o sonho e a morte e o nascimento
               Lançam na luz do dia desta terra, num momento,
               Tais tristezas? por que o homem tanto se abalança
Por ódio e amor, por desespero ou esperança?

               III

Nenhuma voz de mundo mais sublime deu
        Jamais essas respostas nem a sábio nem a poeta
        – Portanto os nomes de demônio, alma, céu,
Permanecem registros de um esforço, não de meta.
Débeis palavras mágicas – o encanto seu não há de,
               De quanto vemos ou ouvimos, separar
               O acaso, a dúvida e a instabilidade.
Somente a luz – qual bruma nas montanhas a pairar
               E a música efundida por noturno vento
               A usar as cordas de algum tácito instrumento,
               Ou luar à meia-noite em águas de fugida
Dão graça e dão verdade ao sonho inquieto desta vida.

               IV

Cedidos por alguns momentos, vão e vêm
        Como nuvens o anseio, a egolatria, o amor.
        Onipotente fora o homem, e imortal também,
Se ignota como és, e de inspirar temor,
Tu te firmasses dentro de seu coração.
               Mensageira que és de simpatia,
               Que aos olhos dos amantes cresces, diminuis,
Que para o pensamento humano és nutrição,
               Tal como as trevas para a chama que a morrer reluz.
               Não partas, que a tua sombra chegou fria,
               Não partas não, a menos que devesse a sepultura
Ser como a vida e o medo, realidade escura.

               V

Quando menino procurei espíritos: corri
        Por muito quarto, e gruta, e ruína – só para escutar –
        E bosque à luz de estrelas; temeroso persegui
A esperança de com os partidos mortos conversar.
Invoquei nomes de veneno, que a aprender nos dão;
               Não fui ouvido, nem ouvi também,
               Quando – pensando fundamente no quinhão
Da vida, a época em que os ventos a afagar estão
               Tudo o que de vital acorda para nos trazer
               Novidade das aves e do florescer –
               Tua sombra de súbito caiu em mim;
Gritei – e as mãos em êxtase apertei assim!

               VI

Jurei que meus poderes eu iria dedicar
        A ti e aos teus – e a jura não guardei?
        Com o coração batendo e olhos a transbordar
Mesmo agora os fantasmas de mil horas invoquei
De sua muda tumba: em sítio imaginado
               De ardoroso entusiasmo ou de prazer de amor
               A noite ciosa eles contemplam a meu lado:
Nunca alegria tive nesta fronte de amargor
               Não unida à esperança de que livrarias
               Este mundo de sua negra escravidão,
               Que, ó terrível Beleza, tu então
O que as palavras não exprimem nos concederias.

               VII

Torna-se mais solene e mais sereno o dia
        Passado o meio-dia – no céu há um resplendor
        E se nota no outono uma harmonia
Que não é ouvida, nem o brilho visto, no calor,
Como se não houvera sido ou não pudera ser!
               Assim o teu poder – que tal como a verdade
               Da natureza em minha indiferente mocidade
Desceu – à minha vida em diante possa fornecer
               A sua calma – a uma pessoa que te adora
               Tal como o faz a tudo que te arvora,
               A qual, Espírito formoso, obriga teu encanto
A temer a si mesma, e a amar a humanidade – e quanto!

Referências:

Para a poesia em inglês

SHELLEY, P. B. Hymn to intellectual beauty. In: __________. Ode ao vento oeste e outros poemas. 2. ed. Edição bilíngue. Organização e tradução de Espólio de Péricles Eugênio da Silva Ramos. São Paulo: Hedra, 2009. p. 76; 78; 80; 82.

Para a poesia em português

SHELLEY, P. B. Hino à beleza intelectual. In: __________. Ode ao vento oeste e outros poemas. 2. ed. Edição bilíngue. Organização e tradução de Espólio de Péricles Eugênio da Silva Ramos. São Paulo: Hedra, 2009. p. 77; 79; 81; 83.

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