Shelley, a quem neste espaço já
fizemos referência, é também autor do poema que ora postamos: um “hino” escrito em
1816, em reverência à “beleza intelectual”, entendida esta menos como o brilho
da mente ou do intelecto, do que como uma ideia intelectual de beleza, a pulsar
no espírito humano.
Alguns críticos afirmam
tratar-se de uma tentativa de Shelley em incorporar o ideal romântico de
comunhão com a natureza – diríamos congênere à matriz filosófica rousseauniana –
em sua própria filosofia estética. Daí porque a poesia mescla, ‘pari
passu’, em
seu fluxo encadeado de estrofes, forma rítmica e esquema de rimas bem demarcado,
os elementos qualificadores da beleza – em frequente associação aos seus
componentes naturais –, com os predicados humanos que a eles se associam – “Love,
Hope, and Self-esteem”.
J.A.R. – H.C.
Percy Bysshe Shelley
(1792-1822)
Hymn to
Intellectual Beauty
I
The awful shadow of some unseen Power
Floats
though unseen among us, – visiting
This
various world with as inconstant wing
As summer winds that creep from flower to flower, –
Like moonbeams that behind some piny mountain
shower,
It
visits with inconstant glance
Each
human heart and countenance;
Like hues and harmonies of evening, –
Like
clouds in starlight widely spread, –
Like
memory of music fled, –
Like
aught that for its grace may be
Dear, and yet dearer for its mystery.
II
Spirit of Beauty, that dost consecrate
With
thine own hues all thou dost shine upon
Of
human thought or form, – where art thou gone?
Why dost thou pass away and leave our state,
This dim vast vale of tears, vacant and desolate?
Ask
why the sunlight not for ever
Weaves
rainbows o’er yon mountain-river,
Why aught should fail and fade that once is shown,
Why
fear and dream and death and birth
Cast
on the daylight of this earth
Such
gloom, – why man has such a scope
For love and hate, despondency and hope?
III
No voice from some sublimer world hath ever
To
sage or poet these responses given –
Therefore
the names of Demon, Ghost, and Heaven,
Remain the records of their vain endeavour,
frail spells – whose uttered charm might not avail
to sever,
From
all we hear and all we see,
Doubt,
chance, and mutability.
Thy light alone – like mist o’er the mountains
driven,
Or
music by the night-wind sent
Through
strings of some still instrument,
Or
moonlight on a midnight stream,
Gives grace and truth to life’s unquiet dream.
IV
Love, Hope, and Self-esteem, like clouds depart
And
come, for some uncertain moments lent.
Man
were immortal, and omnipotent,
Didst thou, unknown and awful as thou art,
Keep with thy glorious train firm state within his
heart.
Thou
messenger of sympathies,
That
wax and wane in lovers’ eyes –
Thou – that to human thought art nourishment,
Like
darkness to a dying flame!
Depart
not as thy shadow came,
Depart
not – lest the grave should be,
Like life and fear, a dark reality.
V
While yet a boy I sought for ghosts, and sped
Through
many a listening chamber, cave and ruin,
And
starlight wood, with fearful steps pursuing
Hopes of high talk with the departed dead.
I called on poisonous names with which our youth is
fed;
I
was not heard – I saw them not –
When
musing deeply on the lot
Of life, at that sweet time when winds are wooing
All
vital things that wake to bring
News
of birds and blossoming, –
Sudden,
thy shadow fell on me;
I shrieked, and clasped my hands in ecstasy!
VI
I vowed that I would dedicate my powers
To
thee and thine – have I not kept the vow?
With
beating heart and streaming eyes, even now
I call the phantoms of a thousand hours
Each from his voiceless grave: they have in
visioned bowers
Of
studious zeal or love’s delight
Outwatch’d
with me the envious night –
They know that never joy illumed my brow
Unlinked
with hope that thou wouldst free
This
world from its dark slavery,
That
thou – O awful Loveliness,
Wouldst give whate’er these words cannot express.
VII
The day becomes more solemn and serene
When
noon is past – there is a harmony
In
autumn, and a lustre in its sky,
Which through the summer is not heard or seen,
As if it could not be, as if it had not been!
Thus
let thy power, which like the truth
Of
nature on my passive youth
Descended, to my onward life supply
Its
calm – to one who worships thee,
And
every form containing thee,
Whom,
Spirit fair, thy spells did bind
To fear himself, and love all human kind.
A Escola de Atenas
Detalhe: Aristóteles
e Platão
(Rafael Sanzio:
1483-1520)
Hino à Beleza Intelectual
I
A tremenda sombra de
uma força não visível
Mesmo invisível entre nós flutua – a
visitar
O mundo com asa tão volúvel e sensível
Qual vento de verão
de flor em flor a rastejar –;
Qual luar que chove
atrás da serra de pinheiros
Visita a sombra, com inconstante
relancear,
O coração dos homens, seus
semblantes passageiros;
Qual cores e
harmonias de uma noite a principiar,
Tal como à luz de estrelas muita
nuvem espalhada,
Como a lembrança de uma música
evolada,
Tal como o que por sua graça
possa ser amado
E pelo seu mistério
ainda mais prezado.
II
Espírito do Belo, que
consagras e que ungiste
Tudo sobre o que brilhas, quer do
pensamento
Humano quer da forma – para onde tu
partiste?
Por que perpassas
por, e deixas nosso aforamento,
Este vale de
lágrimas, vazio e desolado?
A luz do sol, por que não para
eternamente
Tece arco-íris no rio da montanha
despenhado?
Por que murchar,
passar o que já foi florente?
Por que o temor e o sonho e a
morte e o nascimento
Lançam na luz do dia desta terra,
num momento,
Tais tristezas? por que o homem
tanto se abalança
Por ódio e amor, por
desespero ou esperança?
III
Nenhuma voz de mundo
mais sublime deu
Jamais essas respostas nem a sábio nem a
poeta
– Portanto os nomes de demônio, alma,
céu,
Permanecem registros
de um esforço, não de meta.
Débeis palavras
mágicas – o encanto seu não há de,
De quanto vemos ou ouvimos,
separar
O acaso, a dúvida e a
instabilidade.
Somente a luz – qual
bruma nas montanhas a pairar
E a música efundida por noturno
vento
A usar as cordas de algum tácito
instrumento,
Ou luar à meia-noite em águas de
fugida
Dão graça e dão
verdade ao sonho inquieto desta vida.
IV
Cedidos por alguns
momentos, vão e vêm
Como nuvens o anseio, a egolatria, o
amor.
Onipotente fora o homem, e imortal
também,
Se ignota como és, e
de inspirar temor,
Tu te firmasses
dentro de seu coração.
Mensageira que és de simpatia,
Que aos olhos dos amantes
cresces, diminuis,
Que para o pensamento
humano és nutrição,
Tal como as trevas para a chama
que a morrer reluz.
Não partas, que a tua sombra
chegou fria,
Não partas não, a menos que
devesse a sepultura
Ser como a vida e o
medo, realidade escura.
V
Quando menino
procurei espíritos: corri
Por muito quarto, e gruta, e ruína – só
para escutar –
E bosque à luz de estrelas; temeroso
persegui
A esperança de com os
partidos mortos conversar.
Invoquei nomes de
veneno, que a aprender nos dão;
Não fui ouvido, nem ouvi também,
Quando – pensando fundamente no
quinhão
Da vida, a época em
que os ventos a afagar estão
Tudo o que de vital acorda para
nos trazer
Novidade das aves e do florescer
–
Tua sombra de súbito caiu em mim;
Gritei – e as mãos em
êxtase apertei assim!
VI
Jurei que meus
poderes eu iria dedicar
A ti e aos teus – e a jura não guardei?
Com o coração batendo e olhos a
transbordar
Mesmo agora os
fantasmas de mil horas invoquei
De sua muda tumba: em
sítio imaginado
De ardoroso entusiasmo ou de
prazer de amor
A noite ciosa eles contemplam a
meu lado:
Nunca alegria tive
nesta fronte de amargor
Não unida à esperança de que
livrarias
Este mundo de sua negra
escravidão,
Que, ó terrível Beleza, tu então
O que as palavras não
exprimem nos concederias.
VII
Torna-se mais solene
e mais sereno o dia
Passado o meio-dia – no céu há um
resplendor
E se nota no outono uma harmonia
Que não é ouvida, nem
o brilho visto, no calor,
Como se não houvera
sido ou não pudera ser!
Assim o teu poder – que tal como
a verdade
Da natureza em minha indiferente
mocidade
Desceu – à minha vida
em diante possa fornecer
A sua calma – a uma pessoa que te
adora
Tal como o faz a tudo que te
arvora,
A qual, Espírito formoso, obriga
teu encanto
A temer a si mesma, e
a amar a humanidade – e quanto!
Referências:
Para a poesia em inglês
SHELLEY, P. B. Hymn to intellectual beauty. In: __________. Ode ao vento oeste e outros poemas. 2.
ed. Edição bilíngue. Organização e tradução de Espólio de Péricles Eugênio da
Silva Ramos. São Paulo: Hedra, 2009. p. 76; 78; 80; 82.
Para a poesia em português
SHELLEY, P. B. Hino à
beleza intelectual. In: __________. Ode ao
vento oeste e outros poemas. 2. ed. Edição bilíngue. Organização e tradução
de Espólio de Péricles Eugênio da Silva Ramos. São Paulo: Hedra, 2009. p. 77;
79; 81; 83.
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