Voltamos a navegar
nas páginas da obra-prima de Baudelaire, “As Flores do Mal”, para de lá extrair
três – ou seriam, com mais propriedade, quatro?! – poemas a tratarem do felídeo
que já nos acompanha há centúrias, nos mais prosaicos contratempos humanos. E
Iniciemos com o soneto numerado como o poema XXXVI (36) da precitada criação
artística.
Nele, o bichano é
adjetivado como elétrico, elástico, trigueiro e de belos olhos. É o que se
depreende das duas traduções apresentadas: uma clássica e, por isso, mais
afeita aos ambientes acadêmicos – de autoria do poeta paulista Jamil Almansur
Haddad –, e outra com linguagem acessível e mais contemporânea – do carioca
Ivan Junqueira.
J.A.R. – H.C.
Le Chat
Viens, mon beau chat, sur mon coeur amoureux;
Retiens les griffes
de ta patte,
Et laisse-moi plonger
dans tes beaux yeux,
Mêlés de métal et
d’agate.
Lorsque mes doigts
caressent à loisir
Ta tête et ton dos
élastique,
Et que ma main s’enivre du plaisir
De palper ton corps électrique,
Je vois ma femme en esprit. Son regard,
Comme le tien, aimable bête
Profond et froid, coupe et fend comme un dard,
Et, des pieds jusques
à la tête,
Un air subtil, un dangereux parfum
Nagent autour de son corps brun.
O Gato (Tradução de Jamil
Almansur Haddad)
Meu gato, vem, ao meu
peito amoroso;
Contém as garras
afinal,
E que eu mergulhe em
teu olhar, formoso,
Que é feito de ágata
e metal.
Se os meus dedos
afagam no lazer
Tua testa e teu dorso
elástico,
Se a minha mão se
embriaga de prazer
De palpar o teu corpo
elétrico,
Em espírito a vejo. Seu
olhar
Tão amável como tu és
É como frios dardos a
cortar.
E da cabeça até os
pés
Um ar sutil, um perfume
traiçoeiro
Nadando-lhe em torno
do corpo trigueiro.
BAUDELAIRE, Charles. O gato. In: __________. As flores do mal. Tradução de Jamil
Almansur Haddad. São Paulo: Abril Cultural, 1984. p. 145.
O Gato (Tradução de Ivan
Junqueira)
Vem cá, meu gato,
aqui no meu regaço;
Guarda essas garras
devagar,
E nos teus belos
olhos de ágata e aço
Deixa-me aos poucos
mergulhar.
Quando meus dedos
cobrem de carícias
Tua cabeça e o dócil
torso,
E minha mão se
embriaga nas delícias
De afagar-te o
elétrico dorso,
Em sonho a vejo. Seu
olhar, profundo
Como o teu, amável
felino,
Qual dardo dilacera e
fere fundo,
E, dos pés à cabeça,
um fino
Ar sutil, um perfume
que envenena
Envolvem-lhe a carne
morena.
BAUDELAIRE, Charles. O gato. In: __________. As flores do mal. Tradução de Ivan Junqueira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. p. 185.
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