Castro Alves, o grande poeta baiano, um
dos vates que alto guindou o lume das evocações condoreiras na “Terra Brasilis”,
também foi autor de poemas em que os contornos românticos se mostram – como
diríamos? – despudoradamente pronunciados (rs).
A recolha dos quatro poemas, que a
seguir transcrevemos, serve de lastro ao nosso comentário: neles se nota o
costumeiro recurso à natureza como motivo-chave – as aves, as flores –; o apelo
a figuras de linguagem como a prosopopeia e a metáfora – que por vezes levam-nos
a confundi-los com o padrão dos poemas de outros autores, como Fagundes Varela
–; e o inequívoco poder de sugestão das imagens, a arregimentar consectários: note-se,
por exemplo, a influência dos versos de Alves no poema “A Flor e a Fonte”, do paulista Vicente de Carvalho.
Mas que mal há em ver o mundo com as
lentes do romantismo? O compositor Cartola, lá das outras paragens, nos lembraria que se “as
rosas não falam”, pelo menos elas estão ali para, com a sua beleza, trazer
alento aos nossos “olhos tristonhos”...
J.A.R. – H.C.
O Baile na Flor
Que belas as margens
do rio possante,
Que ao largo
espumante campeia sem par!...
Ali das bromélias nas
flores douradas
Há silfos e fadas,
que fazem seu lar…
E em lindos cardumes
Sutis vagalumes
Acendem os lumes
P’ra o baile na flor.
E então, nas arcadas
Das pet’las douradas,
Os grilos em festa
Começam na orquestra
Febris a tocar...
E as breves
Falenas
Vão leves,
Serenas,
Em bando
Valsando,
Voando
No ar!…
ALVES, Castro. O baile na flor. In:
__________. Poesias completas: a
cachoeira de Paulo Afonso. v. I. Prefácio de Agripino Grieco. Rio de
Janeiro: Spiker, 1967. p. 13-14.
Fados Contrários
Diz à flor a
borboleta:
“Vamos, irmã, tudo é
luz!
Há muito prisma
doirado
Que pelos ares
transluz…
Tuas pétalas são asas,
Das nuvens nas tênues
gazas,
D’aurora nos seios nus
Tens um ninho entre
perfumes…
Vamos boiar, entre os
lumes
Desses páramos azuis”.
À linda fada dos ares
Responde a silvestre
flor:
“Eu amo o gemer das
auras
E o beijo do
beija-flor…
Se és do céu a
violeta,
Sou da terra a
borboleta...
Sigo um destino
menor.
Buscas o céu – eu a
alfombra,
Queres a luz – eu quero
a sombra,
Pedes glória – eu
peço amor...”
ALVES, Castro. Fados contrários. In:
__________. Poesias completas: juvenília.
v. II. Prefácio de Agripino Grieco. Rio de Janeiro: Spiker, 1967. p. 247-248.
As Duas Flores
São duas flores
unidas,
São duas rosas
nascidas
Talvez do mesmo
arrebol,
Vivendo no mesmo galho,
Da mesma gota de
orvalho,
Do mesmo raio de sol.
Unidas, bem como as
penas
das duas asas
pequenas
De um passarinho do
céu...
Como um casal de
rolinhas,
Como a tribo de
andorinhas
Da tarde no frouxo
véu.
Unidas, bem como os
prantos,
Que em parelha descem
tantos
Das profundezas do
olhar...
Como o suspiro e o
desgosto,
Como as covinhas do
rosto,
Como as estrelas do
mar.
Unidas... Ai! quem
pudera
Numa eterna primavera
Viver, qual vive esta
flor.
Juntar as rosas da
vida
Na rama verde e
florida,
Na verde rama do
amor!
ALVES, Castro. As duas flores. In:
__________. Poesias completas: espumas
flutuantes. v. II. Prefácio de Agripino Grieco. Rio de Janeiro: Spiker,
1967. p. 91-92.
Fábula
O Pássaro e a Flor
Era num dia sombrio
Quando um pássaro
erradio
Veio parar num
jardim.
Aí fitando uma rosa,
Sua voz triste e
saudosa,
Pôs-se a improvisar
assim.
Ó Rosa, ó Rosa
bonita!
Ó Sultana favorita.
Deste serralho de
azul:
Flor que vives num
palácio,
Como as princesas do
Lácio,
Como as filhas de Istambul.
Como és feliz! Quanto
eu dera
Pela eterna primavera
Que o teu castelo
contém...
Sob o cristal
abrigada,
Tu nem sentes a geada
Que passa raivosa
além.
Junto às estátuas de
pedra
Tua vida cresce,
medra,
Ao fumo dos narguillés,
No largo vaso da
China
Da porcelana mais fina
Que vem do Império
Chinês.
O Inverno ladra na
rua,
Enquanto adormeces
nua
Na estufa até de manhã.
Por escrava – tens a
aragem,
O sol – é teu louro
pajem.
Tu és dele – a
castelã.
Enquanto que eu
desgraçado,
Pelas chuvas
ensopado,
Levo o tempo a
viajar,
- Boêmio da média-idade,
Vou do castelo à
cidade,
Vou do mosteiro ao
solar!
Meu capote roto e pobre
Mal os meus ombros
encobre
Quanto à gorra... tu
bem vês!...
Ai! meu Deus! se Rosa
fora
Como eu zombaria
agora
Dos louros dos
menestréis!...
Então por entre a
folhagem
Ao passarinho
selvagem
A rosa assim
respondeu:
“Cala-te, bardo dos
bosques!
Ai! não troques os
quiosques
Pela cúpula do céu.
Tu não sabes que
delírios
Sofrem as rosas e os
lírios...
Nesta dourada prisão.
Sem falar com as
violetas.
Sem beijar as
borboletas,
Sem as auras do
sertão.
Molha-te a fria
geada...
Que importa? A loura
alvorada
Virá beijar-te
amanhã.
Poeta, romperás logo,
A cada beijo de fogo,
Na cantilena louçã.
Mas eu?!... Nas salas
brilhantes
Entre as tranças
deslumbrantes
A virgem me enlaçará...
Depois... cadáver de
rosa...
A valsa vertiginosa
Por sobre mim rolará.
Vai, Poeta... Rompe
os ares
Cruza a serra, o
vale, os mares
Deus ao chão não te
amarrou!
Eu calo-me – tu
descansas,
Eu rojo – tu te
levantas,
Tu és livre – escrava
eu sou!...
ALVES, Castro. Fábula: o pássaro e a
flor. In: __________. Poesias completas:
os escravos. v. I. Prefácio de Agripino Grieco. Rio de Janeiro: Spiker, 1967.
p. 110-112.
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