Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 8 de abril de 2014

Motivos Florais em Castro Alves

Castro Alves, o grande poeta baiano, um dos vates que alto guindou o lume das evocações condoreiras na “Terra Brasilis”, também foi autor de poemas em que os contornos românticos se mostram – como diríamos? – despudoradamente pronunciados (rs). 

A recolha dos quatro poemas, que a seguir transcrevemos, serve de lastro ao nosso comentário: neles se nota o costumeiro recurso à natureza como motivo-chave – as aves, as flores –; o apelo a figuras de linguagem como a prosopopeia e a metáfora – que por vezes levam-nos a confundi-los com o padrão dos poemas de outros autores, como Fagundes Varela –; e o inequívoco poder de sugestão das imagens, a arregimentar consectários: note-se, por exemplo, a influência dos versos de Alves no poema A Flor e a Fonte, do paulista Vicente de Carvalho.

Mas que mal há em ver o mundo com as lentes do romantismo? O Cartola, lá das outras paragens, nos lembraria que se “as rosas não falam”, pelo menos elas estão ali para, com a sua beleza, trazer alento aos nossos “olhos tristonhos”...

J.A.R. – H.C. 

O Baile na Flor

 

Que belas as margens do rio possante,

Que ao largo espumante campeia sem par!...

Ali das bromélias nas flores douradas

Há silfos e fadas, que fazem seu lar…

 

E em lindos cardumes

Sutis vagalumes

Acendem os lumes

P’ra o baile na flor.

 

E então, nas arcadas

Das pet’las douradas,

Os grilos em festa

Começam na orquestra

Febris a tocar...

 

E as breves

Falenas

Vão leves,

Serenas,

Em bando

Valsando,

Voando

No ar!…

 

ALVES, Castro. O baile na flor. In: __________. Poesias completas: a cachoeira de Paulo Afonso. v. I. Prefácio de Agripino Grieco. Rio de Janeiro: Spiker, 1967. p. 13-14.

 

 

Fados Contrários

 

Diz à flor a borboleta:

“Vamos, irmã, tudo é luz!

Há muito prisma doirado

Que pelos ares transluz…

 

Tuas pétalas são asas,

Das nuvens nas tênues gazas,

D’aurora nos seios nus

Tens um ninho entre perfumes…

 

Vamos boiar, entre os lumes

Desses páramos azuis”.

À linda fada dos ares

Responde a silvestre flor:

 

“Eu amo o gemer das auras

E o beijo do beija-flor…

Se és do céu a violeta,

Sou da terra a borboleta...

 

Sigo um destino menor.

Buscas o céu – eu a alfombra,

Queres a luz – eu quero a sombra,

Pedes glória – eu peço amor...”

 

ALVES, Castro. Fados contrários. In: __________. Poesias completas: juvenília. v. II. Prefácio de Agripino Grieco. Rio de Janeiro: Spiker, 1967. p. 247-248. 

 

 


As Duas Flores

 

São duas flores unidas,

São duas rosas nascidas

Talvez do mesmo arrebol,

Vivendo no mesmo galho,

Da mesma gota de orvalho,

Do mesmo raio de sol.

 

Unidas, bem como as penas

das duas asas pequenas

De um passarinho do céu...

Como um casal de rolinhas,

Como a tribo de andorinhas

Da tarde no frouxo véu.

 

Unidas, bem como os prantos,

Que em parelha descem tantos

Das profundezas do olhar...

Como o suspiro e o desgosto,

Como as covinhas do rosto,

Como as estrelas do mar.

 

Unidas... Ai! quem pudera

Numa eterna primavera

Viver, qual vive esta flor.

Juntar as rosas da vida

Na rama verde e florida,

Na verde rama do amor!

 

ALVES, Castro. As duas flores. In: __________. Poesias completas: espumas flutuantes. v. II. Prefácio de Agripino Grieco. Rio de Janeiro: Spiker, 1967. p. 91-92. 

 

 

Fábula

O Pássaro e a Flor

 

Era num dia sombrio

Quando um pássaro erradio

Veio parar num jardim.

Aí fitando uma rosa,

Sua voz triste e saudosa,

Pôs-se a improvisar assim.

 

Ó Rosa, ó Rosa bonita!

Ó Sultana favorita.

Deste serralho de azul:

Flor que vives num palácio,

Como as princesas do Lácio,

Como as filhas de Istambul.

 

Como és feliz! Quanto eu dera

Pela eterna primavera

Que o teu castelo contém...

Sob o cristal abrigada,

Tu nem sentes a geada

Que passa raivosa além.

 

Junto às estátuas de pedra

Tua vida cresce, medra,

Ao fumo dos narguillés,

No largo vaso da China

Da porcelana mais fina

Que vem do Império Chinês.

 

O Inverno ladra na rua,

Enquanto adormeces nua

Na estufa até de manhã.

Por escrava – tens a aragem,

O sol – é teu louro pajem.

Tu és dele – a castelã.

 

Enquanto que eu desgraçado,

Pelas chuvas ensopado,

Levo o tempo a viajar,

– Boêmio da média-idade,

Vou do castelo à cidade,

Vou do mosteiro ao solar!

 

Meu capote roto e pobre

Mal os meus ombros encobre

Quanto à gorra... tu bem vês!...

Ai! meu Deus! se Rosa fora

Como eu zombaria agora

Dos louros dos menestréis!...

 

Então por entre a folhagem

Ao passarinho selvagem

A rosa assim respondeu:

“Cala-te, bardo dos bosques!

Ai! não troques os quiosques

Pela cúpula do céu.

 

Tu não sabes que delírios

Sofrem as rosas e os lírios...

Nesta dourada prisão.

Sem falar com as violetas.

Sem beijar as borboletas,

Sem as auras do sertão.

 

Molha-te a fria geada...

Que importa? A loura alvorada

Virá beijar-te amanhã.

Poeta, romperás logo,

A cada beijo de fogo,

Na cantilena louçã.

 

Mas eu?!... Nas salas brilhantes

Entre as tranças deslumbrantes

A virgem me enlaçará...

Depois... cadáver de rosa...

A valsa vertiginosa

Por sobre mim rolará.

 

Vai, Poeta... Rompe os ares

Cruza a serra, o vale, os mares

Deus ao chão não te amarrou!

Eu calo-me – tu descantas,

Eu rojo – tu te levantas,

Tu és livre – escrava eu sou!...

 

ALVES, Castro. Fábula: o pássaro e a flor. In: __________. Poesias completas: os escravos. v. I. Prefácio de Agripino Grieco. Rio de Janeiro: Spiker, 1967. p. 110-112.

÷ø

2 comentários:

  1. veio-me uma frase à mente e eu lembrei-me deste poema que aprendi na infância: "O pássaro e a flor," Que bom que pude encontrá-lo aqui. Fico grata, porém gostaria de fazer uma pequena correção:
    o verso original é :Eu calo-me – tu descantas. (não descansas)

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    1. Boa tarde, Joana:
      Muitíssimo grato pela emenda.
      Percebi que o ABBYY, um OCR que emprego para tornar legíveis os livros que escaneio (a exemplo do de referência), alterou por conta e risco a letra no verbo, por ter um corretor interno, obviamente sem atentar para a correlata rima com o verso subsequente: desc[antas] / lev[antas]. Daí o equívoco, ora retificado.
      Um abraço,
      João A. Rodrigues

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