Passando, agora, de Buenos Aires a Paris, selecionamos uma interessante
poesia do poeta e roteirista francês Jacques Prévert, contando-nos as aventuras
de um gato que resolveu devorar um pássaro de uma garota, mas não o fez por
completo, deixando alguns despojos da ave. E então...
Se não for dispensável a alusão, poderia informar que Jacques Prévert é
autor do roteiro do famoso filme “O Boulevard do Crime”, de 1945, cujo nome
original é “Les Enfants du Paradis”, “As Crianças do Paraíso” em tradução
literal, dirigido pelo não menos renomado cineasta Marcel Carné.
Trata-se de uma obra que os cinéfilos não podem deixar de assistir: a
película retrata o dia a dia da vida boêmia de Paris, seus teatros e cabarés.
Nela sobressaem os diálogos criados por Prévert, numa sintaxe bastante próxima à
das criações poéticas.
Bons tempos aqueles, lá pelos inícios dos anos 80, quando a Associação
de Críticos Cinematográficos do Pará patrocinava sessões de grandes filmes no Cine
Guajará e, posteriormente, no auditório da sede social do Grêmio Literário e
Recreativos Português. Foi nessa época que tive o prazer de assistir à precitada
obra cinematográfica.
J.A.R. – H.C.
Jacques Prévert e o seu Gato
(1900-1977)
Le Chat et L’Oiseau
Un village écoute désolé
Le chant d’un oiseau blessé
C’est le seul oiseau du village
Et c’est le seul chat du village
Qui l’a à moitié
dévoré
Et l’oiseau cesse de
chanter
Le chat cesse de
ronronner
Et de se lécher le
museau
Et le village fait à l’ouseau
De merveilleuses funérailles
Et le chat qui est invité
Marche derrière le petit cercueil de paille
Où l’oiseau mort est allongé
Porté par une petite
fille
Qui n’arrête pas de
pleurer
Si j’avais su que
cela te fasse tant de peine
Lui fit le chat
Je l’aurais mangé
tout entier
Et puis je t’aurais
raconté
Que je l’avais vu s’envoler
S’envoler jusqu’au au
bout du monde
Là-bas où c’est tellement loin
Que jamais on n’en revient
Tu aurais eu moins de
chagrin
Simplement de la
tristesse
Et des regrets.
Il ne faut jamais
faire le choses à moitié.
Chat Saisissant un Oiseau
Pablo Picasso (1881-1973)
O Gato e o Passarinho
Um povoado
entristecido
Escuta um pássaro
ferido
Só havia aquele
passarinho
E no povoado aquele
gato
Que o devorou pela
metade
E o passarinho não
canta mais
O gato deixa de
rosnar
E de lamber o seu
focinho
E tem da aldeia o
passarinho
Maravilhoso funeral
E o gato que foi
convidado
Segue atrás do
caixãozinho de palha
Em que se estende o
morto passarinho
Que uma garota
carrega
Chorando sem parar
Se eu soubesse que
isto te causaria tanta dor
Lhe diz o gato
Tê-lo-ia comido todo
E em seguida contaria
Que o vi fugir voando
Voando para o fim do
mundo
Lá longe e tão
distante
Que de lá ninguém
voltou
Terias bem menor
desgosto
Alguma tristeza
somente
E um pouco de saudade.
Não se deve fazer nada
pela metade.
Referência:
PRÉVERT, Jacques. O gato e o
passarinho. In: VEIGA, Cláudio (Org. e Trad.). Antologia
da poesia francesa: do século IX ao século XX). Edição bilíngue. Rio de
Janeiro: Record, 1991. p. 388-391.
ö
Adoro esse poema! Andei procurando por ele em todo lugar e finalmente o encontrei. Obrigada!
ResponderExcluirPrezada Cláudia,
ExcluirHá uma tradução do Drummond para o mesmo poema, você a conhece? Veja:
O Gato e o Passarinho
A aldeia escuta desolada / o canto da ave maltratada. / É o único pássaro da aldeia / e foi o único gato da aldeia / que o devorou pela metade. / A ave deixa de cantar. / O gato deixa de roncar / e de lamber o próprio focinho. / A aldeia faz ao passarinho / maravilhosos funerais, / e o gato, que foi convidado, / segue o caixãozinho de palha / onde o pássaro se amortalha, / conduzido por uma menina / que não para nunca de chorar. / – Se soubesse que isso te faria sofrer tanto, / diz-lhe o bichano, / eu o teria comido todo / e te contaria, depois, / que ele havia batido asas, batido asas para o fim do mundo, / para um lugar tão longe / que ninguém nunca voltou de lá. / Tu sofrerias muito menos, / só um pouquinho de tristeza / e outro pouquinho de saudade. / Nunca devemos fazer / as coisas pela metade.
Referência:
PRÉVERT, Jacques. Le chat et l’oiseau / O gato e o passarinho. Tradução de Carlos Drummond de Andrade. In: ANDRADE, Carlos Drummond. Poesia Traduzida. Edição bilíngue. Organização e notas de Augusto Massi e Júlio Castañon Guimarães. São Paulo, SP: 7Letras; Cosac Naify, 2011. Em francês: p. 298 e 300; em português: p. 299 e 301. (Coleção ‘Ás de Colete’; n. 20)
Um abraço,
João A. Rodrigues