Vamos a mais uma “overdose” de Baudelaire! Ou seria mais oportuno
dizermos “overdose” de loas para gatos? Aqui, o bichano que for letrado ficará
contentíssimo em ver como os hominídeos se deliciam em cantar-lhes os seus
atributos. Aos felinos, então, bom proveito (rs)!
J.A.R. – H.C.
LIV – Le Chat
(Charles Baudelaire)
(I)
Dans ma cervelle se
promène,
Ainsi qu’en son appartement,
Un beau chat, fort, doux et charmant.
Quand il miaule, on l’entend à peine,
Tant son timbre est tendre et discret;
Mais que sa voix
s’apaise ou gronde,
Elle est toujours riche et profonde.
C’est là son charme et son secret.
Cette voix, qui perle
et qui filtre
Dans mon fonds le plus ténébreux,
Me remplit comme un vers nombreux
Et me réjouit comme un philtre.
Elle endort les plus cruels maux
Et contient toutes les extases;
Pour dire les plus longues phrases,
Elle n’a pas besoin de mots.
Non, il n’est pas d'archet qui morde
Sur mon coeur, parfait instrument,
Et fasse plus royalement
Chanter sa plus vibrante corde,
Que ta voix, chat
mystérieux,
Chat séraphique, chat étrange,
En qui tout est, comme en un ange,
Aussi subtil
qu’harmonieux!
(II)
De sa fourrure blonde
et brune
Sort un parfum si
doux, qu’un soir
J’en fus embaumé,
pour l’avoir
Caressée une fois, rien qu’une.
C’est l’esprit familier du lieu;
Il juge, il préside, il inspire
Toutes choses dans son empire;
peut-être est-il fée, est-il dieu?
Quand mes yeux, vers ce chat que j’aime
Tirés comme par un aimant,
Se retournent docilement
Et que je regarde en moi-même,
Je vois avec
étonnement
Le feu de ses
prunelles pâles,
Clairs fanaux,
vivantes opales
Qui me contemplent
fixement.
LIV – O Gato (Charles Baudelaire)
(I)
Por meu cérebro vai
passeando,
Tal como em seu
apartamento,
Um gato de todo
encantamento,
e de inaudito miado
brando,
Tanto o seu timbre é
o mais discreto;
Mas, se é a voz calma
ou iracunda,
Ela sempre é rica e
profunda:
Este é o seu encanto
secreto.
E a sua voz em mim
infiltro,
No meu fundo mais
tenebroso,
Doce qual verso
numeroso
Consoladora como um
filtro,
Abranda o mal que na
alma lavra,
Contendo os êxtases e
as pazes;
Para dizer as longas
frases
Nunca precisou da
palavra.
Certo não há arco que
fira
Meu coração, este
excelente
Órgão e o faça
nobremente
Cantar só como canta
a lira,
Como esta voz, ó
misterioso,
Gato seráfico e
esquisito
Em que tudo é, como
num rito,
Tanto sutil quanto
harmonioso!
(II)
Destas lãs louras e
morenas
Sai um olor doce de
pelos,
Que me perfumei só
por tê-los
Afagados uma vez
apenas.
É como os manes da
morada;
Preside no seu
magistério
Todas as coisas deste
império:
Seria talvez Deus ou
fada?
Quando o olhar para
este gato a esmo,
Como por um ímã
atraído,
Se dirige, e tão
sucumbido,
E que eu olho para
mim mesmo,
Eu vejo com olhar
demente
A luz destas pupilas
ralas,
Claros fanais, vivas
opalas,
Que me contemplam
fixamente.
BAUDELAIRE, Charles. O gato (II). In: As flores do mal. Tradução de Jamil
Almansur Haddad. São Paulo: Abril Cultural, 1984. p. 172-173.
LXIX – Os Gatos (Charles Baudelaire)
Les Chats
Les amoureux fervents et les savants austères
Aiment également, dans leur mûre saison,
Les chats puissants
et doux, orgueil de la maison,
Qui comme eux sont frileux et comme eux
sédentaires.
Amis de la science et
de la volupté
Ils cherchent le silence et l’horreur des ténèbres;
L’Erèbe les eût pris pour ses coursiers funèbres,
S'ils pouvaient au servage incliner leur fierté.
Ils prennent en songeant les nobles attitudes
Des grands sphinx allongés au fond des solitudes,
Qui semblent s’endormir dans un rêve sans fin;
Leurs reins féconds sont pleins d’étincelles
magiques,
Et des parcelles d’or, ainsi qu’un sable fin,
Etoilent vaguement leurs prunelles mystiques.
Os Gatos
Os amantes a arder,
os sábios solitários
Amam de modo igual e nas
idades graves,
Este orgulho da casa,
os fortes gatos suaves,
Pois, bem como eles,
são frios e sedentários.
Amigos da volúpia e
amigos da ciência,
Buscam a calma e o
horror das trevas mais cruéis;
O Érebo os suporia
seus fatais corcéis,
Se pudessem mudar
orgulho em obediência.
E tomam a sonhar as
nobres atitudes
De enorme esfinge a
olhar além das solitudes,
A adormecer num sonho
e que jamais termina;
Os seus fecundos rins
têm mágicas cintilas,
E partículas de ouro,
como areia fina,
Estrelam vagamente as
místicas pupilas.
BAUDELAIRE, Charles. Os gatos. In: As flores do mal. Tradução de Jamil
Almansur Haddad. São Paulo: Abril Cultural, 1984. p. 200.
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