Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 15 de abril de 2014

Mais Baudelaire – Mais Gatos

Vamos a mais uma “overdose” de Baudelaire! Ou seria mais oportuno dizermos “overdose” de loas para gatos? Aqui, o bichano que for letrado ficará contentíssimo em ver como os hominídeos se deliciam em cantar-lhes os seus atributos. Aos felinos, então, bom proveito (rs)!

J.A.R. – H.C. 


LIV – Le Chat (Charles Baudelaire)

(I)

Dans ma cervelle se promène,
Ainsi quen son appartement,
Un beau chat, fort, doux et charmant.
Quand il miaule, on lentend à peine,

Tant son timbre est tendre et discret;
Mais que sa voix sapaise ou gronde,
Elle est toujours riche et profonde.
Cest là son charme et son secret.

Cette voix, qui perle et qui filtre
Dans mon fonds le plus ténébreux,
Me remplit comme un vers nombreux
Et me réjouit comme un philtre.

Elle endort les plus cruels maux
Et contient toutes les extases;
Pour dire les plus longues phrases,
Elle na pas besoin de mots.

Non, il nest pas d'archet qui morde
Sur mon coeur, parfait instrument,
Et fasse plus royalement
Chanter sa plus vibrante corde,

Que ta voix, chat mystérieux,
Chat séraphique, chat étrange,
En qui tout est, comme en un ange,
Aussi subtil quharmonieux!

(II)

De sa fourrure blonde et brune
Sort un parfum si doux, quun soir
Jen fus embaumé, pour lavoir
Caressée une fois, rien quune.

Cest lesprit familier du lieu;
Il juge, il préside, il inspire
Toutes choses dans son empire;
peut-être est-il fée, est-il dieu?

Quand mes yeux, vers ce chat que jaime
Tirés comme par un aimant,
Se retournent docilement
Et que je regarde en moi-même,

Je vois avec étonnement
Le feu de ses prunelles pâles,
Clairs fanaux, vivantes opales
Qui me contemplent fixement.

LIV – O Gato (Charles Baudelaire)

(I)

Por meu cérebro vai passeando,
Tal como em seu apartamento,
Um gato de todo encantamento,
e de inaudito miado brando,

Tanto o seu timbre é o mais discreto;
Mas, se é a voz calma ou iracunda,
Ela sempre é rica e profunda:
Este é o seu encanto secreto.

E a sua voz em mim infiltro,
No meu fundo mais tenebroso,
Doce qual verso numeroso
Consoladora como um filtro,

Abranda o mal que na alma lavra,
Contendo os êxtases e as pazes;
Para dizer as longas frases
Nunca precisou da palavra.

Certo não há arco que fira
Meu coração, este excelente
Órgão e o faça nobremente
Cantar só como canta a lira,

Como esta voz, ó misterioso,
Gato seráfico e esquisito
Em que tudo é, como num rito,
Tanto sutil quanto harmonioso!

(II)

Destas lãs louras e morenas
Sai um olor doce de pelos,
Que me perfumei só por tê-los
Afagados uma vez apenas.

É como os manes da morada;
Preside no seu magistério
Todas as coisas deste império:
Seria talvez Deus ou fada?

Quando o olhar para este gato a esmo,
Como por um ímã atraído,
Se dirige, e tão sucumbido,
E que eu olho para mim mesmo,

Eu vejo com olhar demente
A luz destas pupilas ralas,
Claros fanais, vivas opalas,
Que me contemplam fixamente.

BAUDELAIRE, Charles. O gato (II). In: As flores do mal. Tradução de Jamil Almansur Haddad. São Paulo: Abril Cultural, 1984. p. 172-173. 


LXIX – Os Gatos (Charles Baudelaire)

Les Chats

Les amoureux fervents et les savants austères
Aiment également, dans leur mûre saison,
Les chats puissants et doux, orgueil de la maison,
Qui comme eux sont frileux et comme eux sédentaires.

Amis de la science et de la volupté
Ils cherchent le silence et lhorreur des ténèbres;
LErèbe les eût pris pour ses coursiers funèbres,
S'ils pouvaient au servage incliner leur fierté.

Ils prennent en songeant les nobles attitudes
Des grands sphinx allongés au fond des solitudes,
Qui semblent sendormir dans un rêve sans fin;

Leurs reins féconds sont pleins détincelles magiques,
Et des parcelles dor, ainsi quun sable fin,
Etoilent vaguement leurs prunelles mystiques.

Os Gatos

Os amantes a arder, os sábios solitários
Amam de modo igual e nas idades graves,
Este orgulho da casa, os fortes gatos suaves,
Pois, bem como eles, são frios e sedentários.

Amigos da volúpia e amigos da ciência,
Buscam a calma e o horror das trevas mais cruéis;
O Érebo os suporia seus fatais corcéis,
Se pudessem mudar orgulho em obediência.

E tomam a sonhar as nobres atitudes
De enorme esfinge a olhar além das solitudes,
A adormecer num sonho e que jamais termina;

Os seus fecundos rins têm mágicas cintilas,
E partículas de ouro, como areia fina,
Estrelam vagamente as místicas pupilas.

BAUDELAIRE, Charles. Os gatos. In: As flores do mal. Tradução de Jamil Almansur Haddad. São Paulo: Abril Cultural, 1984. p. 200.
ö

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