Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Vinicius de Moraes – O Tema do Gato em Três Poemas

 Vinicius de Moraes
(1913-1980)

Trazemos, agora, outros três poemas, da lavra do poetinha Vinicius de Moraes,  com passagens em que os felinos aparecem em suas proezas; colhidos, dois deles, no “site” oficial dedicado ao poeta, e um terceiro extraído de uma nova antologia de sua obra literária, organizada por Antônio Cícero e Eucanaã Ferraz.

J.A.R. – H.C. 

O Gato

Com um lindo salto
Lesto e seguro
O gato passa
Do chão ao muro
Logo mudando
De opinião
Passa de novo
Do muro ao chão
E pega corre
Bem de mansinho
Atrás de um pobre
De um passarinho
Súbito, para
Como assombrado
Depois dispara
Pula de lado
E quando tudo
Se lhe fatiga
Toma o seu banho
Passando a língua
Pela barriga.

MORAES, Vinicius de. Gato. In: __________. A arca de Noé. Disponível em: http://www.viniciusdemoraes.com.br/pt-br/poesia/livros/arca-de-noe. Acesso em: 20 abr. 2014. 


Vazio
(Rio de Janeiro, 1933)

A noite é como um olhar longo e claro de mulher.
Sinto-me só.
Em todas as coisas que me rodeiam
Há um desconhecimento completo da minha infelicidade.
A noite alta me espia pela janela
E eu, desamparado de tudo, desamparado de mim próprio
Olho as coisas em torno
Com um desconhecimento completo das coisas que me rodeiam.
Vago em mim mesmo, sozinho, perdido
Tudo é deserto, minha alma é vazia
E tem o silêncio grave dos templos abandonados.
Eu espio a noite pela janela
Ela tem a quietação maravilhosa do êxtase.
Mas os gatos embaixo me acordam gritando luxúrias
E eu penso que amanhã...
Mas a gata vê na rua um gato preto e grande
E foge do gato cinzento.
Eu espio a noite maravilhosa
Estranha como um olhar de carne.
Vejo na grade o gato cinzento olhando os amores da gata e do gato preto
Perco-me por momentos em antigas aventuras
E volto à alma vazia e silenciosa que não acorda mais
Nem à noite clara e longa como um olhar de mulher
Nem aos gritos luxuriosos dos gatos se amando na rua.

MORAES,    Vinicius   de.   Vazio.   In: __________.  Poesias   avulsas.   Disponível em: http://www.viniciusdemoraes.com.br/pt-br/poesia/poesias-avulsas/vazio. Acesso em 20 de abr. 2014.


Soneto do Gato Morto

Um gato vivo é qualquer coisa linda
Nada existe com mais serenidade
Mesmo parado ele caminha ainda
As selvas sinuosas da saudade

De ter sido feroz. À sua vinda
Altas correntes de eletricidade
Rompem do ar as lâminas em cinza
Numa silenciosa tempestade.

Por isso ele está sempre a rir de cada
Um de nós, e ao morrer perde o veludo
Fica torpe, ao avesso, opaco, torto

Acaba, é o antigato; porque nada
Nada parece mais com o fim de tudo
Que um gato morto.

MORAES, Vinícius de. Soneto do gato morto. In: __________. Nova antologia poética. Org. por Antônio Cícero e Eucanaã Ferraz. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2008. p. 170.
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