Vinicius de Moraes
(1913-1980)
Trazemos, agora, outros três poemas, da lavra do poetinha Vinicius de
Moraes, com passagens em que os felinos
aparecem em suas proezas; colhidos, dois deles, no “site” oficial dedicado ao
poeta, e um terceiro extraído de uma nova antologia de sua obra literária, organizada por Antônio Cícero
e Eucanaã Ferraz.
J.A.R. – H.C.
O Gato
Com um lindo salto
Lesto e seguro
O gato passa
Do chão ao muro
Logo mudando
De opinião
Passa de novo
Do muro ao chão
E pega corre
Bem de mansinho
Atrás de um pobre
De um passarinho
Súbito, para
Como assombrado
Depois dispara
Pula de lado
E quando tudo
Se lhe fatiga
Toma o seu banho
Passando a língua
Pela barriga.
MORAES, Vinicius de. Gato. In: __________. A arca de Noé. Disponível em: http://www.viniciusdemoraes.com.br/pt-br/poesia/livros/arca-de-noe.
Acesso em: 20 abr. 2014.
Vazio
(Rio de Janeiro, 1933)
A noite é como um
olhar longo e claro de mulher.
Sinto-me só.
Em todas as coisas
que me rodeiam
Há um desconhecimento
completo da minha infelicidade.
A noite alta me espia
pela janela
E eu, desamparado de
tudo, desamparado de mim próprio
Olho as coisas em
torno
Com um
desconhecimento completo das coisas que me rodeiam.
Vago em mim mesmo,
sozinho, perdido
Tudo é deserto, minha
alma é vazia
E tem o silêncio
grave dos templos abandonados.
Eu espio a noite pela
janela
Ela tem a quietação
maravilhosa do êxtase.
Mas os gatos embaixo
me acordam gritando luxúrias
E eu penso que
amanhã...
Mas a gata vê na rua
um gato preto e grande
E foge do gato
cinzento.
Eu espio a noite
maravilhosa
Estranha como um
olhar de carne.
Vejo na grade o gato
cinzento olhando os amores da gata e do gato preto
Perco-me por momentos
em antigas aventuras
E volto à alma vazia
e silenciosa que não acorda mais
Nem à noite clara e
longa como um olhar de mulher
Nem aos gritos
luxuriosos dos gatos se amando na rua.
MORAES, Vinicius de. Vazio. In: __________. Poesias avulsas. Disponível em: http://www.viniciusdemoraes.com.br/pt-br/poesia/poesias-avulsas/vazio.
Acesso em 20 de abr. 2014.
Soneto do Gato Morto
Um gato vivo é
qualquer coisa linda
Nada existe com mais
serenidade
Mesmo parado ele
caminha ainda
As selvas sinuosas da
saudade
De ter sido feroz. À
sua vinda
Altas correntes de
eletricidade
Rompem do ar as
lâminas em cinza
Numa silenciosa
tempestade.
Por isso ele está
sempre a rir de cada
Um de nós, e ao
morrer perde o veludo
Fica torpe, ao
avesso, opaco, torto
Acaba, é o antigato;
porque nada
Nada parece mais com
o fim de tudo
Que um gato morto.
MORAES, Vinícius de. Soneto do gato
morto. In: __________. Nova antologia
poética. Org. por Antônio Cícero e Eucanaã Ferraz. Rio de Janeiro:
Companhia das Letras, 2008. p. 170.
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