Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Aldo Pellegrini – Um Gato Inexplicável

Da Argentina até a França. Agora em retorno à Argentina, para reproduzir um poema com os vestígios das criações surrealistas de Aldo Pellegrini: um “gato inexplicável” ronda entre a poesia e a filosofia, a imaginação e a razão, a intuição e o intelecto, para, ao final, embrenhar-se nas hipóteses da quase paranormalidade!

No entanto o gato de Pellegrini é, obviamente, um gato alegórico, assim como o elefante imaginado por Drummond. Somos nós mesmos, plenos de máscaras ou pantomimas, de mãos que não são “nossas” a manipular os fios de um mundo contingente.

Na hora mais profunda do “gato inexplicável”, assim como no momento mais escuro da alta madrugada, é que, pela remoção dos disfarces, sobrevém a face mais luminosa do felino, sem tons ilusórios, inautênticos. Um gato pleno e estável; equilibrado, portanto!

Não saberia mensurar o quanto de associação houve, em tal interpretação, entre o texto de Pellegrini e os deslindes da alma humana, elaboradas por Bergman em suas películas. Mas os enredos de “Da Vida das Marionetes”, ou mesmo de “Persona”, parecem-me tão clarividentes sobre o quanto existe de movediço em nossas reações, que conectá-los à hora do “gato inexplicável” não chega a ser, exatamente, uma impropriedade.

Vai gato, viver a vida de um lídimo felino – e não de suas sete falsas “personas”!

J.A.R. – H.C.

Aldo Pellegrini
(1903-1972)

La Máscara de la Medianoche

La casa
es una sombra del vértigo
que agita las manos de los moradores de la espera
un único juguete
                   la máscara
delante del gato inexplicable
el ente que detiene las horas
la apacible inexistência de la noche, del tiempo
vive la multitud en uno
¿a quién puede sorprender
el gato inmóvil que contempla la espera?
las sombras cubren el muro de la pequeña ausencia
no existe la multitud, no existe uno
sólo las manos que se sumergen cada vez más en la sombra
para beber con extraña avidez el cálido licor nocturno
¿a quién puede sorprender
la visita de la pequeña ausência envuelta en su repetido vértigo?
la única vigilia de la máscara
que despierta a los ausentes
que detiene la hora del gato inexplicable
un rayo de luz
hace más profundas las sombras
la casa
cesa de girar
la inmovibilidad se arranca la máscara.

                    (El muro secreto - 1949)


A Máscara da Meia-Noite

A casa
é uma sombra da vertigem
que agita as mãos dos moradores da espera
um único brinquedo
                   a máscara
diante do gato inexplicável
o ente que detém as horas
a tranquila inexistência da noite, do tempo
vive a multidão em nós
a quem poderá surpreender
o gato imóvel que contempla e espera?
as sombras cobrem o muro da pequena ausência
não existe a multidão, nós não existimos
apenas as mãos que se adentram cada vez mais na sombra
para beber com estranha avidez o cálido licor da noite
a quem poderá surpreender
a visita da pequena ausência envolta em sua reiterada vertigem?
a única vigília da máscara
que desperta os ausentes
que detém a hora do gato inexplicável
um raio de luz
torna as sombras mais profundas
a casa
cessa de girar
a imobilidade, arranca-se a máscara.

                    (O muro secreto - 1949)

Referência:

PELLEGRINI, Aldo. La Máscara de la Medianoche (A Máscara da meia noite). In: JOZEF, Bella (Sel. e Trad.). Poesia argentina: 1940-1860. Edição bilingue. São Paulo: Iluminuras, 1990. p. 28-29.
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