Da Argentina até a França. Agora em retorno à Argentina, para reproduzir
um poema com os vestígios das criações surrealistas de Aldo Pellegrini: um
“gato inexplicável” ronda entre a poesia e a filosofia, a imaginação e a razão,
a intuição e o intelecto, para, ao final, embrenhar-se nas hipóteses da quase
paranormalidade!
No entanto o gato de Pellegrini é, obviamente, um gato alegórico, assim
como o elefante imaginado por Drummond. Somos nós mesmos, plenos de máscaras ou
pantomimas, de mãos que não são “nossas” a manipular os fios de um mundo
contingente.
Na hora mais profunda do “gato inexplicável”, assim como no momento mais
escuro da alta madrugada, é que, pela remoção dos disfarces, sobrevém a face
mais luminosa do felino, sem tons ilusórios, inautênticos. Um gato pleno e estável; equilibrado, portanto!
Não saberia mensurar o quanto de associação houve, em tal interpretação,
entre o texto de Pellegrini e os deslindes da alma humana, elaboradas por
Bergman em suas películas. Mas os enredos de “Da Vida das Marionetes”, ou mesmo
de “Persona”, parecem-me tão clarividentes sobre o quanto existe de movediço em
nossas reações, que conectá-los à hora do “gato inexplicável” não chega a ser,
exatamente, uma impropriedade.
Vai gato, viver a vida de um lídimo felino – e não de suas sete falsas “personas”!
J.A.R. – H.C.
Aldo Pellegrini
(1903-1972)
La Máscara de la Medianoche
La casa
es una sombra del
vértigo
que agita las manos
de los moradores de la espera
un único juguete
la máscara
delante del gato
inexplicable
el ente que detiene
las horas
la apacible
inexistência de la noche, del tiempo
vive la multitud en
uno
¿a quién puede
sorprender
el gato inmóvil que
contempla la espera?
las sombras cubren el
muro de la pequeña ausencia
no existe la
multitud, no existe uno
sólo las manos que se
sumergen cada vez más en la sombra
para beber con
extraña avidez el cálido licor nocturno
¿a quién puede
sorprender
la visita de la
pequeña ausência envuelta en su repetido vértigo?
la única vigilia de
la máscara
que despierta a los
ausentes
que detiene la hora
del gato inexplicable
un rayo de luz
hace más profundas
las sombras
la casa
cesa de girar
la inmovibilidad se
arranca la máscara.
(El muro secreto - 1949)
A Máscara da Meia-Noite
A casa
é uma sombra da
vertigem
que agita as mãos dos
moradores da espera
um único brinquedo
a máscara
diante do gato
inexplicável
o ente que detém as
horas
a tranquila
inexistência da noite, do tempo
vive a multidão em
nós
a quem poderá
surpreender
o gato imóvel que
contempla e espera?
as sombras cobrem o
muro da pequena ausência
não existe a
multidão, nós não existimos
apenas as mãos que se
adentram cada vez mais na sombra
para beber com
estranha avidez o cálido licor da noite
a quem poderá
surpreender
a visita da pequena
ausência envolta em sua reiterada vertigem?
a única vigília da
máscara
que desperta os
ausentes
que detém a hora do
gato inexplicável
um raio de luz
torna as sombras mais
profundas
a casa
cessa de girar
a imobilidade,
arranca-se a máscara.
(O muro secreto - 1949)
Referência:
PELLEGRINI, Aldo. La Máscara de la
Medianoche (A Máscara da meia noite). In: JOZEF,
Bella (Sel. e Trad.). Poesia argentina:
1940-1860. Edição bilingue. São Paulo: Iluminuras, 1990. p. 28-29.
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