Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Borges e o Domínio Interditado e Secreto do Gato

Borges, um de meus poetas diletos, também foi autor de poema dedicado à figura de um gato que, estando ao alcance dos lentos afagos de seu dono, ainda assim não se deixa perscrutar em sua solidão e segredo.

Distintamente de muitos outros poemas aqui postados tendo o bichano por tema – tais como os de Baudelaire, nos quais os atributos do gato aparecem com significados algo ambivalentes, certas vezes a consistir em legítimas metáforas do universo feminino –, temos aqui, na criação do mestre argentino, um gato “ipsis litteris”: o brilho da pupila a possibilitar miradas à distância, mesmo que na penumbra; o comportamento independente e solitário, por meio do qual logra entesourar todos os seus mistérios; e a companhia humana cariciosa, brandamente aceita desde a noite dos tempos.

Aos leitores, o prazer do texto: o melhor, mesmo, é apreciar toda a perícia do labor poético de Borges no original, em espanhol. Para quem interessar possa, não obstante, ofereço uma tradução em seguida, com o máximo de literalidade possível.

J.A.R. – H.C. 


A Un Gato

No son más silenciosos los espejos
ni más furtiva el alba aventurera;
eres, bajo la luna, esa pantera
que nos es dado divisar de lejos.
Por obra indescifrable de un decreto
divino, te buscamos vanamente;
más remoto que el Ganges y el poniente,
tuya es la soledad, tuyo el secreto.
Tu lomo condesciende a la morosa
caricia de mi mano. Has admitido,
desde esa eternidad que ya es olvido,
el amor de la mano recelosa.
En otro tiempo estás. Eres el dueño
de un ámbito cerrado como un sueño.


A Um Gato

Não são mais silenciosos os espelhos
nem mais furtiva a madrugada aventureira;
és, sob a lua, essa pantera
que nos é dado divisar de longe.
Por obra indecifrável de um decreto
divino, buscamos-te em vão;
mais remoto que o Ganges e o poente,
tua é a solidão, teu o segredo.
Teu dorso condescende à morosa
carícia da minha mão. Tens admitido,
desde essa eternidade que já é olvido,
o amor da mão receosa.
Em outro tempo estás. És o dono
de um âmbito cerrado como um sonho.

BORGES, Jorge Luis. A un gato. In: __________. Obra poética. V. 2, 2. reimp. Madrid: Alianza Editorial, 1999. p. 334.
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