O escritor, tradutor, ensaísta e poeta inglês Percy Bysshe Shelley é o
autor do famoso ensaio “A Defense of Poetry” (“Uma Defesa da Poesia”) – escrito
em 1821, embora publicado apenas postumamente, em 1840 – de onde se extraiu o
excerto abaixo.
O ensaio, não muito longo, ainda hoje causa certo espanto, pois, diferentemente
de muitos outros que postulam certas regras para o fenômeno poético, não
propugna padrões ou juízos estéticos. Notoriamente, em suas entrelinhas, vê-se
bem mais a defesa persuasiva de pressupostos românticos, com os quais alinhou
sua produção, ao longo de sua breve existência.
Para quem tiver oportunidade, sugiro a leitura do ensaio inteiro, pois
ele é farto em passagens que ponteiam como faróis a chamar a atenção do leitor.
Exemplos? Vão aqui duas: “A poesia é um espelho que torna belo aquilo que é
distorcido” (“Poetry is a mirror which makes beautiful that which is distorted”)
ou “Os poetas são os legisladores não reconhecidos do mundo” (“Poets are the
unacknowledged legislators of the world”).
J.A.R. – H.C.
Percy Bysshe Shelley
(1792-1822)
Portrait by Alfred Clint (1819)
Poetry and Love
Poetry lifts the veil from the hidden beauty of the
world, and makes familiar objects be as if they were not familiar; it
reproduces all that it represents, and the impersonations clothed in its
Elysian light stand thenceforward in the minds of those who have once
contemplated them, as memorials of that gentle and exalted content which
extends itself over all thoughts and actions with which it coexists. The great
secret of morals is love; or a going out of our nature, and an identification
of ourselves with the beautiful which exists in thought, action, or person, not
our own. A man, to be greatly good, must imagine intensely and comprehensively;
he must put himself in the place of another and of many others; the pains and
pleasure of his species must become his own. The great instrument of moral good
is the imagination; and poetry administers to the effect by acting upon the
cause. Poetry enlarges the circumference of the imagination by replenishing it
with thoughts of ever new delight, which have the power of attracting and
assimilating to their own nature all other thoughts, and which form new
intervals and interstices whose void forever craves fresh food. Poetry
strengthens the faculty which is the organ of the moral nature of man, in the
same manner as exercise strengthens a limb.
Cena do Filme “O Espelho”
Andrei Tarkovsky (1975)
Poesia e Amor
A poesia ergue o véu
da beleza oculta do mundo, tornando familiares objetos como se não o fossem;
reproduz tudo o que representa e as interpretações envoltas nessa luz Elísia
permanecem, desde então, nas mentes daqueles que, uma vez, contemplaram-nas
como memoriais daquele gentil e exaltado conteúdo, a estender-se sobre todos os
pensamentos e ações com os quais coexistem. O grande segredo da moral é o amor;
ou um afastamento de nossa própria natureza, para identificarmo-nos com o belo
que existe no pensamento, na ação ou na pessoa que não nós mesmos. Um homem, para
ser extraordinariamente bom, deve imaginar com intensidade e abrangência; ele
deve se colocar no lugar de outro e de muitos mais; as dores e prazeres de sua
espécie devem se tornar os seus próprios. O grande instrumento do bem moral é a
imaginação; e a poesia administra o efeito por agir sobre a causa. A poesia
expande a circunferência da imaginação ao enchê-la com o pensamento de
constantes e novos prazeres, os quais têm o poder de atrair e assimilar à sua
própria natureza todos os outros pensamentos, formando, desse modo, novos
intervalos e interstícios cujo vazio sempre anseia por mais alimento. A poesia
fortalece a faculdade – que é o órgão da natureza moral do homem –, da mesma
maneira como o exercício fortalece um músculo.
Referência:
SHELLEY, Percy Bysshe. Poetry and love. In: __________. Shelley on Love: An Anthology. Edited
by Richard Holmes. 1.ed. Berkeley and Los Angeles; California: University of
California Press, 1980. p. 209.
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