Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Paul Celan: Stehen, im Schatten

Paul Celan, poeta romeno, de origem judaica e língua alemã, é autor de vários livros de uma poesia que resiste a qualquer interpretação mais imediata. Uma poesia cerrada, por vezes ininteligível, embora quase sempre autorreferente, ao exprimir em seu veio a indelével e traumática experiência dos campos de concentração. Foi demais para o autor, que depois de ver seus pais ali falecerem, renunciou à própria vida, décadas depois, ao afogar-se no Sena, em Paris.

Uma de seus poemas, no original e em duas versões ao português, trazemo-lo aqui. Trata-se de “Stehen, im Schatten” (“Ficar, à Sombra”), incorporado à sua obra “Atemwende” (Mudança de Ar), de 1967. A acompanhá-lo, fazemos constar também a interpretação que o filósofo e hermeneuta Hans-Georg Gadamer – discípulo de Heidegger e autor do seminal “Verdade e Método” – desenvolveu para torná-lo mais compreensível aos seus leitores.

J.A.R. – H.C. 
Paul Celan
(1920-1970)

Original em Alemão de Paul Celan

STEHEN, IM SCHATTEN
Des Wundenmals in der Luft.

Für-niemand-und-nichts-Stehn.
Unerkannt,
für dich
allein.

Mit allem, was darin Raum hat,
auch ohne
Sprache.


Tradução de Marco Antonio Casanova
(CELAN, 2010, p. 446)

FICAR, À SOMBRA
da cicatriz no ar.

Não-estar-a-favor-de-ninguém-e-de-nada.
Desconhecido,
para ti
apenas.

Com tudo o que tem espaço aí,
mesmo sem
linguagem.

Tradução de Claudia Cavalcanti
(CELAN, 2011, p. 111).

ESTAR, NA SOMBRA
do estigma no ar.

Para-ninguém-e-nada-estar.
Irreconhecido,
para ti
somente.

Com tudo o que lá dentro cabe,
mesmo que sem
fala.

Hans-Georg Gadamer
(1900-2002)

Interpretação de Gadamer
(GADAMER, 2010, p. 446-447)

Trata-se de algo invisível, desconhecido, a cicatriz no ar. Portanto, não é nada que se possa pegar, nada com os sinais de Jesus que convenceram até mesmo o descrente Tomé. Essa cicatriz talvez esteja “no ar” – no entanto, de uma maneira tal que ela lança uma “sombra”. Mas evidentemente apenas sobre mim, de modo que nenhuma outra pessoa sabe que estou sob essa sombra. Isso é dito claramente: quem se acha aí se acha para si apenas. Achar-se para si apenas significa fincar pé e resistir. Também reside aí ao mesmo tempo o fato de aquele que finca pé e resiste não subsistir aí propriamente em si. Ele não se acha em favor de algo ou de alguém, ele se acha por assim dizer para si apenas, e, por isso, “desconhecido”. Mas isso não é pouco. Ficar e resistir significa: testemunhar algo. Se se diz daquele que se acha aí: “mesmo sem linguagem”, então isso significa certamente que ele está tão sozinho que nem mesmo se comunica mais. Mas também significa inversamente que esse eu que diz “tu” para si, quando se encontra à sombra da cicatriz invisível, se comunica totalmente, “com tudo o que tem espaço aí” – que ele se comunica como linguagem. Sim, se o último verso é composto a partir da palavra única “linguagem”, então a “linguagem” não é apenas enfaticamente acentuada, mas “posicionada”. Por isso, a expressão “mesmo sem linguagem” ainda designa algo mais. Mesmo antes de haver linguagem, mesmo no ficar mudo e no manter-se junto àquilo de que mesmo Tomé não pode duvidar, já há de qualquer modo linguagem. Deve haver o lugar no qual o testemunho do ficar se manifesta e deve se manifestar totalmente. Deve haver linguagem. E essa linguagem é, como o ficar desconhecido que não se acha em favor de ninguém e de nada, verdadeiramente testemunha; e isso justamente porque ela não quer nada: “para ti apenas”. Seria pachorrento imaginar o preenchimento concreto daquilo que é aí testemunhado. Ele pode ser muita coisa. Mas o “ficar” é sempre um e o mesmo – para cada um.

Referências:

CELAN, Paul. Stehen, im schatten; Estar, na sombra. In: __________. Cristal. Seleção e tradução de Claudia Cavalcanti. Edição bilíngue. 2. Reimp. São Paulo: Iluminuras, 2011. p. 110-111.

CELAN, Paul. Quem sou eu e quem é tu? Ficar, à sombra. In: GADAMER, Hans-Georg. Hermenêutica da obra de arte. Seleção e tradução de Marco Antonio Casanova. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010. p. 417-487.

GADAMER, Hans-Georg. Hermenêutica da obra de arte. Seleção e tradução de Marco Antonio Casanova. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010.

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