Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

A Montanha Mágica: Simbolismo

Temos aqui um pequeno excerto da obra “História Intelectual do Século XX”, de autoria do inglês Peter Watson, a tratar, especificamente, do simbolismo contido no romance “A Montanha Mágica”, de Thomas Mann. Não muito mais do que já se postou sobre a obra-prima de Mann, mas vale o registro pela análise cruzada com a contribuição de outros autores que lhe foram contemporâneos, como Rilke e Eliot.

J.A.R. – H.C. 
A Terrible Beauty
(Peter Watson: n. 1943)

Enquanto Rilke compartilhava com Hofmannsthal o convencimento de que o artista poderia ajudar a dar forma à mentalidade predominante de uma época, Thomas Mann se mostrava mais preocupado, tal como o havia estado Schnitzler, em descrever a dita mudança de um modo o mais dramático possível. O romance mais famoso de Mann veio a público em 1924. “A Montanha Mágica” teve uma acolhida extraordinária (a primeira edição constava de dois volumes), e se venderam cinquenta mil exemplares durante o primeiro ano. Está carregado de simbolismo, e se há de agradecer à edição inglesa por haver deixado escapar parte do humor de Mann, que não é precisamente o melhor de sua obra. Não obstante, a importância desse simbolismo é apreciável, como veremos, por seu caráter familiar. “A Montanha Mágica” gira em torno da paisagem erma que deu ensejo, ou ao menos precedeu, a “A Terra Devastada” [de T. S. Eliot]. Está ambientado nos dias anteriores à eclosão da Primeira Guerra Mundial e narra a história de Hans Castorp, “um jovem simples” que acode a um sanatório na Suíça para visitar um primo tuberculoso (visita similar a que Albert Einstein também realizou, ainda que em seu caso o objetivo fosse proferir uma conferência). O protagonista tem a intenção de ali permanecer somente alguns dias, porém acaba por contagiar-se e se vê obrigado a demorar-se na clínica por sete anos. No transcurso de sua estadia conhece diferentes membros do pessoal sanitário, outros pacientes como ele e os que os vão visitá-los. Cada um deles representa um ponto de vista diferente que compete pela alma do jovem. O simbolismo geral é bem menos sutil: o hospital é a Europa, uma instituição estável e vetusta, carcomida pela decadência e pela corrupção. Tal como a Europa dos generais que deram início ao enfrentamento bélico. Hans está confiante em que sua visita ao centro será breve, e que a haverá concluído antes de se dar conta. Como os outros, mostra-se surpreso – e horrorizado – ao descobrir que tem de alterar todas as suas previsões. Entre outros personagens, encontra-se o liberal Settembrini, anticlerical, otimista e, sobretudo, racional. Seu oposto é Naptha, eloquente, porém com uma faceta obscura: advoga pela paixão heroica e pelo instinto, como um “apóstolo do irracionalismo”. Peeperkorn pode ser considerado, em determinados aspectos, como um símile de Rilke, um sensualista que canta a vida com palavras que saem aos borbotões, as quais, todavia, evidenciam que não há muito o que dizer. Seu corpo é igual à sua mente: enfermo e impotente. A russa Clawdia Chauchat possui um tipo de inocência distinto do de Hans: é dona de si mesma, embora tenha alguma deficiência no domínio do conhecimento, sobretudo o de natureza científica. Ambos vivenciam uma breve aventura, embora não se possa dizer que Hans chegue a possuí-la em mente e alma, do mesmo modo que não é certo que a sabedoria consista exclusivamente em fatos científicos. Por último, entre os personagens se encontra o soldado Joachim, o primo de Hans, que é o menos romântico de todos, em especial no que concerne à guerra. Quando falece, sentimos sua morte como uma amputação. Castorp se salva, mesmo que isso se suceda mediante um sonho, o tipo de sonho que teria feito as delícias de Freud (mas que, de fato, somente em contadas ocasiões ocorrem na vida real), pleno de simbolismo, que desemboca na conclusão de que o amor é o senhor de tudo, que é mais forte que a razão e que é o único capaz de reduzir as forças que a tudo nublam com o espectro da morte. Hans não abandona por completo o pensamento racional, porém se dá conta de que uma vida sem paixão não é uma vida completa. Diferentemente de Rilke, que buscava transformar a experiência em arte, o objetivo de Mann consistia em resumir a experiência humana (ou, ao menos, a condição do homem ocidental), tanto no detalhe quanto no geral, sabedor como Rilke de que aquela época estava chegando ao seu fim. Com certa compaixão e sem nenhum misticismo, Mann entende que a resposta não estava nos heróis. Sob a sua ótica, o homem moderno estava mais subjugado que em qualquer outro momento da História, contudo se confessa incapaz de determinar se tal timidez é uma forma de razão ou um instinto.

Referência:

WATSON, Peter. Historia intelectual del siglo XXTraducción castellana de David León Gómez. Barcelona (ES): Critica, 2002. p. 260-261.


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