No âmbito da escola simbolista, surgiram várias linhas teóricas, a oferecerem
pautas que melhor expressassem as intenções de seus proponentes. O “imortal”
brasileiro Domício Proença Filho (1989, p. 270) sintetiza os lineamentos definidos
por Paul Verlaine, um dos pilares da escola, ou por outra, sua concepção acerca
da poesia, da literatura e de suas regras sobre a arte de escrever poemas:
Em Verlaine: aproximação da música;
ênfase na sugestão; despreocupação com a pintura e com o figurar linhas e
formas: só a nuance, o flutuante; “nem a ideia clara, nem o sentimento preciso,
mais o vago do coração, o claro-escuro das sensações, o indeciso dos estados de
alma”; rima aproximativa, nem rica nem agressiva: assonâncias, aliterações;
cumpre tocar o ouvido, sem feri-lo; versos ímpares, para melhor exprimir
insatisfação. É ler a sua “Art Poétique” (PROENÇA FILHO, 1989, p. 270).
Vê-se aí a menção ao poema escrito em abril de 1874 e publicado por Verlaine
no “Paris Moderne”, em 10 de novembro de 1882: trata-se da série de estrofes –
nove ao todo – abaixo transcrita, conjuntamente à sua tradução que, salvo atribuição
diversa, parece-nos pertencer ao próprio Domício Filho.
Como se nota, sintetiza uma autêntica doutrina poética, a refutar
determinados preceitos parnasianos. A métrica e a rima já não se mostram de
suma importância, mas sim o ritmo, o vocabulário e a musicalidade em dimensões
não usuais, capazes de impulsionar a imaginação do leitor, com sutileza e sem tropelias.
J.A.R. – H.C.
Caricatura de Verlaine
Art Poétique
(Paul Verlaine)
A Charles Morice
De la musique avant toute chose,
Et pour cela préfère l’Impair
Plus vague et plus soluble dans l’air,
Sans rien en lui qui
pèse ou qui pose.
Il faut aussi que tu
n’ailles point
Choisir tes mots sans
quelque méprise:
Rien de plus cher que
la chanson grise
Où l’Indécis au
Précis se joint.
C’est des beaux yeux derrière des voiles,
C’est le grand jour tremblant de midi;
C’est, par un ciel d’automne attiédi,
Le bleu fouillis des claires étoiles!
Car nous voulons la Nuance encor,
Pas la Couleur, rien que la nuance!
Oh! la nuance seule fiance
Le rêve au rêve et la
flûte au cor!
Fuis du plus loin la Pointe assassine,
L’Esprit cruel et le Rire impur,
Qui font pleurer les
yeux de l’Azur,
Et tout cet ail de basse cuisine!
Prends l’éloquence et tords-lui son cou!
Tu feras bien, en
train d’énergie,
De rendre un peu la rime
assagie:
Si l’on n’y veille,
elle ira jusqu’où?
O qui dira les torts
de la Rime?
Quel enfant sourd ou
quel nègre fou
Nous a forgé ce bijou
d’un sou
Qui sonne creux et
faux sous la lime?
De la musique encore
et toujours!
Que ton vers soit la chose envolée
Qu’on sent qui fuit d’une âme en allée
Vers d’autres cieux à
d’autres amours.
Que ton vers soit la bonne aventure
Eparse au vent crispé du matin
Qui va fleurant la menthe et le thym...
Et tout le reste est littérature.
Janela do Celeiro
John W. Johnston
Arte Poética
(Paul Verlaine)
A Charles Morice
Música, antes de
qualquer coisa,
E para tal, prefere o
Ímpar,
Mais vago e mais
solúvel no ar,
Sem nada que lhe pese
ou que lhe pouse.
É preciso também que
não vás nunca
Escolher tuas
palavras sem algum engano:
Nada mais caro que a
canção cinzenta
Onde o Indeciso se
junta ao Preciso.
São belos olhos atrás
dos véus,
É a grande luz
trêmula do meio-dia,
É, através do morno
céu de outono,
O azul desordenado
das claras estrelas!
Porque nós queremos
ainda o Matiz,
Não a Cor, nada senão
o Matiz!
Ok! Só o Matiz
vincula
O sonho ao sonho e a
flauta à trompa!
Foge para longe da
Piada assassina,
Do Espírito cruel e
do Riso impuro,
Que fazem chorar os
olhos do Azul,
E todo este alho de
baixa cozinha!
Toma a eloquência e
torce-lhe o pescoço!
Farás bem, com um
pouco de energia,
Em tornar a rima um
pouco razoável:
Se não a vigiamos,
até onde irá?
Oh, o que dizer dos
danos da Rima!
Que criança surda ou
que negro louco
Nos forjou essa joia
de um vintém
Que soa oca e falsa
sob a lima?
A música, ainda e
sempre!
Que teu verso seja a
coisa fugidia
Que sentimos escapar
de uma alma em caminhada
Na direção de outros
céus e de amores outros.
Que teu verso seja a
boa aventura
Esparsa no vento
crispado da manhã
Que vai florindo a
hortelã e o timo...
E todo o resto é
literatura.
Referência:
VERLAINE, Paul. Art poétique. In: PROENÇA FILHO, Domício. Estilos de época na literatura. 11. ed.
São Paulo: Ática, 1989. p. 270-271; 281.
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