Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Paul Verlaine: Arte Poética

No âmbito da escola simbolista, surgiram várias linhas teóricas, a oferecerem pautas que melhor expressassem as intenções de seus proponentes. O “imortal” brasileiro Domício Proença Filho (1989, p. 270) sintetiza os lineamentos definidos por Paul Verlaine, um dos pilares da escola, ou por outra, sua concepção acerca da poesia, da literatura e de suas regras sobre a arte de escrever poemas:

Em Verlaine: aproximação da música; ênfase na sugestão; despreocupação com a pintura e com o figurar linhas e formas: só a nuance, o flutuante; “nem a ideia clara, nem o sentimento preciso, mais o vago do coração, o claro-escuro das sensações, o indeciso dos estados de alma”; rima aproximativa, nem rica nem agressiva: assonâncias, aliterações; cumpre tocar o ouvido, sem feri-lo; versos ímpares, para melhor exprimir insatisfação. É ler a sua “Art Poétique” (PROENÇA FILHO, 1989, p. 270).

Vê-se aí a menção ao poema escrito em abril de 1874 e publicado por Verlaine no “Paris Moderne”, em 10 de novembro de 1882: trata-se da série de estrofes – nove ao todo – abaixo transcrita, conjuntamente à sua tradução que, salvo atribuição diversa, parece-nos pertencer ao próprio Domício Filho.

Como se nota, sintetiza uma autêntica doutrina poética, a refutar determinados preceitos parnasianos. A métrica e a rima já não se mostram de suma importância, mas sim o ritmo, o vocabulário e a musicalidade em dimensões não usuais, capazes de impulsionar a imaginação do leitor, com sutileza e sem tropelias.

J.A.R. – H.C. 
Caricatura de Verlaine

Art Poétique
(Paul Verlaine)

A Charles Morice

De la musique avant toute chose,
Et pour cela préfère l’Impair
Plus vague et plus soluble dans l’air,
Sans rien en lui qui pèse ou qui pose.

Il faut aussi que tu n’ailles point
Choisir tes mots sans quelque méprise:
Rien de plus cher que la chanson grise
Où l’Indécis au Précis se joint.

C’est des beaux yeux derrière des voiles,
C’est le grand jour tremblant de midi;
C’est, par un ciel d’automne attiédi,
Le bleu fouillis des claires étoiles!

Car nous voulons la Nuance encor,
Pas la Couleur, rien que la nuance!
Oh! la nuance seule fiance
Le rêve au rêve et la flûte au cor!

Fuis du plus loin la Pointe assassine,
L’Esprit cruel et le Rire impur,
Qui font pleurer les yeux de l’Azur,
Et tout cet ail de basse cuisine!

Prends l’éloquence et tords-lui son cou!
Tu feras bien, en train d’énergie,
De rendre un peu la rime assagie:
Si l’on n’y veille, elle ira jusqu’où?

O qui dira les torts de la Rime?
Quel enfant sourd ou quel nègre fou
Nous a forgé ce bijou d’un sou
Qui sonne creux et faux sous la lime?

De la musique encore et toujours!
Que ton vers soit la chose envolée
Qu’on sent qui fuit d’une âme en allée
Vers d’autres cieux à d’autres amours.

Que ton vers soit la bonne aventure
Eparse au vent crispé du matin
Qui va fleurant la menthe et le thym...
Et tout le reste est littérature.

Janela do Celeiro
John W. Johnston

Arte Poética
(Paul Verlaine)

A Charles Morice

Música, antes de qualquer coisa,
E para tal, prefere o Ímpar,
Mais vago e mais solúvel no ar,
Sem nada que lhe pese ou que lhe pouse.

É preciso também que não vás nunca
Escolher tuas palavras sem algum engano:
Nada mais caro que a canção cinzenta
Onde o Indeciso se junta ao Preciso.

São belos olhos atrás dos véus,
É a grande luz trêmula do meio-dia,
É, através do morno céu de outono,
O azul desordenado das claras estrelas!

Porque nós queremos ainda o Matiz,
Não a Cor, nada senão o Matiz!
Ok! Só o Matiz vincula
O sonho ao sonho e a flauta à trompa!

Foge para longe da Piada assassina,
Do Espírito cruel e do Riso impuro,
Que fazem chorar os olhos do Azul,
E todo este alho de baixa cozinha!

Toma a eloquência e torce-lhe o pescoço!
Farás bem, com um pouco de energia,
Em tornar a rima um pouco razoável:
Se não a vigiamos, até onde irá?

Oh, o que dizer dos danos da Rima!
Que criança surda ou que negro louco
Nos forjou essa joia de um vintém
Que soa oca e falsa sob a lima?

A música, ainda e sempre!
Que teu verso seja a coisa fugidia
Que sentimos escapar de uma alma em caminhada
Na direção de outros céus e de amores outros.

Que teu verso seja a boa aventura
Esparsa no vento crispado da manhã
Que vai florindo a hortelã e o timo...
E todo o resto é literatura.

Referência:

VERLAINE, Paul. Art poétique. In: PROENÇA FILHO, Domício. Estilos de época na literatura. 11. ed. São Paulo: Ática, 1989. p. 270-271; 281.

Nenhum comentário:

Postar um comentário