Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Dom Quixote (I): Euclides da Cunha

Dom Quixote, o “cavaleiro da triste figura”, é uma das criações da imaginação humana que paira sobre o “inconsciente coletivo” da humanidade [ou seria melhor afirmar da “sociedade ocidental”? (rs)]. Quem não conhece a história de um certo cavaleiro espanhol, ensandecido pela leitura de tantos romances de cavalaria?!

Ele, o fiel escudeiro Sancho Pança, o pangaré Rocinante e sua fugaz amada Dulcineia del Toboso são os personagens centrais daquele que foi considerado por 100 escritores de 54 países – em Oslo, 2002 –, o melhor livro de todos os tempos.

Talvez tal reconhecimento ratifique a importância que a criação teve, desde que levada ao público no já distante século XVII: nenhuma romance parece ter gerado tanta literatura secundária, metaliteratura portanto, quanto a obra-prima de Miguel de Cervantes Saavedra. Digo isso pela quantidade exuberante de poemas, que venho encontrando nos últimos meses, tendo por tema quer a obra em si, quer os aludidos personagens.

E para ilustrar o que afirmo, postarei, em sequência, alguns sonetos e passagens constantes em diversos livros de autores brasileiros e estrangeiros, a começar pelo tomo “Ondas”, de Euclides da Cunha, o afamado escritor de “Os Sertões”.

Observo que o soneto de Euclides possui duas versões, ambas transcritas a seguir: uma que se considera a final, e outra que parece ser uma sua variante, e que, por isso mesmo, não lhe é tão dessemelhante.

J.A.R. – H.C. 
Miguel de Cervantes
(1547-1616)

D. Quixote

Assim à aldeia volta o da “triste figura”,
Ao tardo caminhar do Rocinante lento:
No arcabouço dobrado – um grande desalento,
No entristecido olhar – uns laivos de loucura...

Sonhos, a glória, o amor, a alcantilada altura
Do Ideal e da Fé, tudo isto num momento
A rolar, a rolar, num desmoronamento,
Entre os risos boçais do Bacharel e do Cura...

Mas, certo, ó D. Quixote, ainda foi clemente
Contigo a sorte, ao pôr nesse teu cérebro oco
O brilho da ilusão do espírito doente;

Porque há coisa pior: é o ir-se a pouco e pouco
Perdendo, qual perdeste, um ideal ardente
E ardentes ilusões – e não se ficar louco!
__________

CUNHA, Euclides da. D. Quixote. In: __________. Ondas. São Paulo: Martin Claret, 2005. p. 72.

Euclides da Cunha
(1866-1909)

Volta à Aldeia

E assim à aldeia torna el da triste figura.
Acabrunhado e triste, exangue e macilento
Na acorvada postura – em torno desalento
No desvairado olhar – um laivo de loucura.

Dias de Glória! Ideais! A alcantilada altura
De um sonho! Nada mais resta de tal intento.
Essa nossa carcaça vil – o Rocinante lento
E amigos carnais – o bacharel e o cura…

Feliz Herói! Que importa o riso mau das gentes
Se ele não sói entrar dentro de um crânio oco
Repleto das visões dos cérebros doentes…

Há uma coisa pior que é ir-se a pouco a pouco
Perdendo qual perdeste – ideais grandes e ardentes
E ardentes ilusões – e não ficar-se louco!
__________

CUNHA, Euclides da. Volta à aldeia. In: __________. Poesia Reunida. Principais Variantes & Cotejos: Poemas. Org. de Leopoldo M. Bernucci e Francisco Foot Hardman. São Paulo: Ed. da UNESP, 2009. p. 368.

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