Num intenso momento de lucidez de Dom Quixote, que transcrevemos a
seguir, o Cavaleiro da Triste Figura explica ao Cavaleiro do Gabão Verde, Dom
Diogo de Miranda, como interpreta o que seja a poesia. E notemos que há em seu
discurso explícita menção a uma expressão atribuída ao poeta latino Ovídio: “há
um Deus em nós” quando se é agraciado pela mãe natureza com o dom de ser poeta.
J.A.R. – H.C.
La Poesía
La poesía, señor
hidalgo, a mi parecer, es como una doncella tierna y de poca edad, y en todo
estremo hermosa, a quien tienen cuidado de enriquecer, pulir y adornar otras
muchas doncellas, que son todas las otras ciencias, y ella se ha de servir de
todas, y todas se han de autorizar con ella; pero esta tal doncella no quiere
ser manoseada, ni traída por las calles, ni publicada por las esquinas de las
plazas ni por los rincones de los palacios. Ella es hecha de una alquimia de
tal virtud, que quien la sabe tratar la volverá en oro purísimo de inestimable
precio; hala de tener, el que la tuviere, a raya, no dejándola correr en torpes
sátiras ni en desalmados sonetos; no ha de ser vendible en ninguna manera, si
ya no fuere en poemas heroicos, en lamentables tragedias, o en comedias alegres
y artificiosas; no se ha de dejar tratar de los truhanes, ni del ignorante
vulgo, incapaz de conocer ni estimar los tesoros que en ella se encierran. Y no
penséis, señor, que yo llamo aquí vulgo solamente a la gente plebeya y humilde;
que todo aquel que no sabe, aunque sea señor y príncipe, puede y debe entrar en
número de vulgo. Y así, el que con los requisitos que he dicho tratare y
tuviere a la poesía, será famoso y estimado su nombre en todas las naciones
políticas del mundo. Y a lo que decís, señor, que vuestro hijo no estima mucho
la poesía de romance, doyme a entender que no anda muy acertado en ello, y la
razón es ésta: el grande Homero no escribió en latín, porque era griego, ni
Virgilio no escribió en griego, porque era latino. En resolución, todos los
poetas antiguos escribieron en la lengua que mamaron en la leche, y no fueron a
buscar las estranjeras para declarar la alteza de sus conceptos. Y, siendo esto
así, razón sería se estendiese esta costumbre por todas las naciones, y que no
se desestimase el poeta alemán porque escribe en su lengua, ni el castellano,
ni aun el vizcaíno, que escribe en la suya. Pero vuestro hijo, a lo que yo,
señor, imagino, no debe de estar mal con la poesía de romance, sino con los
poetas que son meros romancistas, sin saber otras lenguas ni otras ciencias que
adornen y despierten y ayuden a su natural impulso; y aun en esto puede haber
yerro; porque, según es opinión verdadera, el poeta nace: quieren decir que del
vientre de su madre el poeta natural sale poeta; y, con aquella inclinación que
le dio el cielo, sin más estudio ni artificio, compone cosas, que hace
verdadero al que dijo: est Deus in nobis…
etc. También digo que el natural poeta que se ayudare del arte será mucho mejor
y se aventajará al poeta que sólo por saber el arte quisiere serlo; la razón es
porque el arte no se aventaja a la naturaleza, sino perficiónala; así que,
mezcladas la naturaleza y el arte, y el arte con la naturaleza, sacarán un
perfetísimo poeta. Sea, pues, la conclusión de mi plática, señor hidalgo, que
vuesa merced deje caminar a su hijo por donde su estrella le llama; que, siendo
él tan buen estudiante como debe de ser, y habiendo ya subido felicemente el
primer escalón de las esencias, que es el de las lenguas, con ellas por sí
mesmo subirá a la cumbre de las letras humanas, las cuales tan bien parecen en
un caballero de capa y espada, y así le adornan, honran y engrandecen, como las
mitras a los obispos, o como las garnachas a los peritos jurisconsultos. Riña
vuesa merced a su hijo si hiciere sátiras que perjudiquen las honras ajenas, y
castíguele, y rómpaselas, pero si hiciere sermones al modo de Horacio, donde
reprehenda los vicios en general, como tan elegantemente él lo hizo, alábele:
porque lícito es al poeta escribir contra la invidia, y decir en sus versos mal
de los invidiosos, y así de los otros vicios, con que no señale persona alguna;
pero hay poetas que, a trueco de decir una malicia, se pondrán a peligro que
los destierren a las islas de Ponto. Si el poeta fuere casto en sus costumbres,
lo será también en sus versos; la pluma es lengua del alma: cuales fueren los
conceptos que en ella se engendraren, tales serán sus escritos; y cuando los
reyes y príncipes veen la milagrosa ciencia de la poesía en sujetos prudentes,
virtuosos y graves, los honran, los estiman y los enriquecen, y aun los coronan
con las hojas del árbol a quien no ofende el rayo, como en señal que no han de
ser ofendidos de nadie los que con tales coronas veen honrados y adornadas sus
sienes.
A Poesia
Escultura de Bronze
no Rufo da
Ópera Garnier em Paris
(Charles Gumery:
1827-1871)
A poesia, senhor
fidalgo, a meu parecer, é como uma donzela terna, jovem e de extrema formosura,
a quem as outras donzelas, que são todas as outras ciências, cuidam de enriquecer,
polir e adornar, servindo-se aquela de todas estas, e todas estas hão de se honrar
junto àquela; porém tal donzela não quer ser manuseada, nem conduzida pelas
ruas, nem publicada pelas esquinas das praças nem pelos recantos dos palácios.
Ela é feita de uma alquimia de tal virtude, que quem a souber tratar poderá
transmutá-la em ouro puríssimo de inestimável preço; aquele que a detém, deve
mantê-la na raia, não a deixando correr em torpes sátiras nem em desalmados
sonetos; não se deve, de nenhum modo, ofertá-la à venda, a não ser em poemas
heroicos, em lamentáveis tragédias ou em comédias alegres e artificiosas; não
se há de deixar tratar pelos truões, nem pelo vulgo ignorante, incapaz de
conhecer nem de estimar os tesouros que nela se encerram. E não penseis,
senhor, que chamo aqui vulgo somente à gente plebeia e humilde, pois todo
aquele que seja ignaro, ainda que senhor e príncipe, pode e deve ser contado como
vulgo. E assim, quem com tais requisitos vier a tratar a poesia, será famoso e
estimado em todas as nações civilizadas do mundo. E quanto ao que dizeis,
senhor, de que vosso filho não tem grande estima pela poesia em nossa língua, acredito
que esteja em desacerto no seu passo, e a razão é esta: o grande Homero não
escreveu em latim, porque era grego, tampouco Virgílio escreveu em grego, pois
era latino. Em conclusão, todos os poetas antigos escreveram na língua em que
sugaram o leite, e não foram em busca de idiomas estrangeiros para declarar a
alteza de seus conceitos. E, sendo isto assim, seria razoável que este costume
se estendesse por todas as nações, e que não se desconsiderasse o poeta alemão
porque escreve em sua língua, nem o castelhano, nem ainda o biscainho, que
escreve naquela que lhe é própria. Porém vosso filho, ao que imagino, senhor,
realmente não tem aversão pela poesia em nossa língua, senão por aqueles poetas
que não vão além do castelhano, sem conhecerem outras línguas, nem outras
ciências que adornem, despertem e ajudem o seu natural impulso; e mesmo nisto
pode haver erro; porque, segundo opiniões verazes, o poeta nasce: isso
significa dizer que do ventre de sua mãe o poeta natural sai poeta; e, com
aquela inclinação que o céu lhe deu, sem mais estudo nem artifício, compõe
coisas que tornam verdadeira a assertiva: est
Deus in nobis... etc. Também digo que o poeta natural, que da arte se
aproveitar, será muito melhor e sobressairá em relação ao poeta que pretende
sê-lo, por conhecer apenas a arte da poesia; a razão disto é que a arte não
supera a natureza, senão a aperfeiçoa; de forma que, mescladas a natureza e a
arte, e a arte com a natureza, engendrarão um perfeitíssimo poeta. Seja, pois,
a conclusão de minha prédica, senhor fidalgo, que vossa mercê deixe o seu filho
seguir para onde a sua estrela o chama; que, sendo ele tão bom estudante como
deve ser, e tendo já subido felizmente o primeiro escalão das ciências, que é o
das línguas, com elas por si mesmo subirá ao cume das letras humanas, as quais
tão bem parecem num cavaleiro de capa e espada, e assim o adornam, honram e
engrandecem, como as mitras aos bispos, ou como as togas aos peritos
jurisconsultos. Repreenda vossa mercê o seu filho se fizer sátiras que
prejudiquem as honras alheias, e castigue-o e rasgue-as; porém se fizer alocuções
ao modo de Horácio, por meio das quais censure os vícios em geral, como tão
elegantemente ele o fez, louve-o: porque é lícito ao poeta escrever contra a
inveja, e dizer em seus versos mal dos invejosos, bem assim dos outros vícios,
sem designar pessoa alguma; mas há poetas que, a troco de dizerem uma malícia,
arriscam-se a ser desterrados às ilhas do Ponto. Se o poeta for casto em seus
costumes, sê-lo-á também em seus versos; a pena é a língua da alma: quais forem
os conceitos que nela se gerarem, tais serão os seus escritos; e quando os reis
e príncipes veem a milagrosa ciência da poesia em sujeitos prudentes, virtuosos
e graves, honram-nos, estimam-nos e enriquecem-nos, e ainda os coroam com as
folhas da árvore que o raio não ofende, como a indicar que aqueles que são
vistos com a fronte honrada e adornada por lauréis não hão de ser ofendidos por
ninguém.
Referência:
SAAVEDRA, Miguel de Cervantes. El ingenioso Don Quijote de La Mancha. Parte
II, Tomo II, Capítulo XVI. Enmendada y Corregida por Francisco Sales. 4.ed. Boston (US): Little y Brown; Jaime Munroe y
Cia.; Crocker y Brewster; J. B. Dow, 1849. p. 86-87.
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