Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Dom Quixote (VI): A Poesia por Ele Mesmo

Num intenso momento de lucidez de Dom Quixote, que transcrevemos a seguir, o Cavaleiro da Triste Figura explica ao Cavaleiro do Gabão Verde, Dom Diogo de Miranda, como interpreta o que seja a poesia. E notemos que há em seu discurso explícita menção a uma expressão atribuída ao poeta latino Ovídio: “há um Deus em nós” quando se é agraciado pela mãe natureza com o dom de ser poeta.

J.A.R. – H.C. 

La Poesía

La poesía, señor hidalgo, a mi parecer, es como una doncella tierna y de poca edad, y en todo estremo hermosa, a quien tienen cuidado de enriquecer, pulir y adornar otras muchas doncellas, que son todas las otras ciencias, y ella se ha de servir de todas, y todas se han de autorizar con ella; pero esta tal doncella no quiere ser manoseada, ni traída por las calles, ni publicada por las esquinas de las plazas ni por los rincones de los palacios. Ella es hecha de una alquimia de tal virtud, que quien la sabe tratar la volverá en oro purísimo de inestimable precio; hala de tener, el que la tuviere, a raya, no dejándola correr en torpes sátiras ni en desalmados sonetos; no ha de ser vendible en ninguna manera, si ya no fuere en poemas heroicos, en lamentables tragedias, o en comedias alegres y artificiosas; no se ha de dejar tratar de los truhanes, ni del ignorante vulgo, incapaz de conocer ni estimar los tesoros que en ella se encierran. Y no penséis, señor, que yo llamo aquí vulgo solamente a la gente plebeya y humilde; que todo aquel que no sabe, aunque sea señor y príncipe, puede y debe entrar en número de vulgo. Y así, el que con los requisitos que he dicho tratare y tuviere a la poesía, será famoso y estimado su nombre en todas las naciones políticas del mundo. Y a lo que decís, señor, que vuestro hijo no estima mucho la poesía de romance, doyme a entender que no anda muy acertado en ello, y la razón es ésta: el grande Homero no escribió en latín, porque era griego, ni Virgilio no escribió en griego, porque era latino. En resolución, todos los poetas antiguos escribieron en la lengua que mamaron en la leche, y no fueron a buscar las estranjeras para declarar la alteza de sus conceptos. Y, siendo esto así, razón sería se estendiese esta costumbre por todas las naciones, y que no se desestimase el poeta alemán porque escribe en su lengua, ni el castellano, ni aun el vizcaíno, que escribe en la suya. Pero vuestro hijo, a lo que yo, señor, imagino, no debe de estar mal con la poesía de romance, sino con los poetas que son meros romancistas, sin saber otras lenguas ni otras ciencias que adornen y despierten y ayuden a su natural impulso; y aun en esto puede haber yerro; porque, según es opinión verdadera, el poeta nace: quieren decir que del vientre de su madre el poeta natural sale poeta; y, con aquella inclinación que le dio el cielo, sin más estudio ni artificio, compone cosas, que hace verdadero al que dijo: est Deus in nobis… etc. También digo que el natural poeta que se ayudare del arte será mucho mejor y se aventajará al poeta que sólo por saber el arte quisiere serlo; la razón es porque el arte no se aventaja a la naturaleza, sino perficiónala; así que, mezcladas la naturaleza y el arte, y el arte con la naturaleza, sacarán un perfetísimo poeta. Sea, pues, la conclusión de mi plática, señor hidalgo, que vuesa merced deje caminar a su hijo por donde su estrella le llama; que, siendo él tan buen estudiante como debe de ser, y habiendo ya subido felicemente el primer escalón de las esencias, que es el de las lenguas, con ellas por sí mesmo subirá a la cumbre de las letras humanas, las cuales tan bien parecen en un caballero de capa y espada, y así le adornan, honran y engrandecen, como las mitras a los obispos, o como las garnachas a los peritos jurisconsultos. Riña vuesa merced a su hijo si hiciere sátiras que perjudiquen las honras ajenas, y castíguele, y rómpaselas, pero si hiciere sermones al modo de Horacio, donde reprehenda los vicios en general, como tan elegantemente él lo hizo, alábele: porque lícito es al poeta escribir contra la invidia, y decir en sus versos mal de los invidiosos, y así de los otros vicios, con que no señale persona alguna; pero hay poetas que, a trueco de decir una malicia, se pondrán a peligro que los destierren a las islas de Ponto. Si el poeta fuere casto en sus costumbres, lo será también en sus versos; la pluma es lengua del alma: cuales fueren los conceptos que en ella se engendraren, tales serán sus escritos; y cuando los reyes y príncipes veen la milagrosa ciencia de la poesía en sujetos prudentes, virtuosos y graves, los honran, los estiman y los enriquecen, y aun los coronan con las hojas del árbol a quien no ofende el rayo, como en señal que no han de ser ofendidos de nadie los que con tales coronas veen honrados y adornadas sus sienes.

A Poesia
Escultura de Bronze no Rufo da
Ópera Garnier em Paris
(Charles Gumery: 1827-1871)

A poesia, senhor fidalgo, a meu parecer, é como uma donzela terna, jovem e de extrema formosura, a quem as outras donzelas, que são todas as outras ciências, cuidam de enriquecer, polir e adornar, servindo-se aquela de todas estas, e todas estas hão de se honrar junto àquela; porém tal donzela não quer ser manuseada, nem conduzida pelas ruas, nem publicada pelas esquinas das praças nem pelos recantos dos palácios. Ela é feita de uma alquimia de tal virtude, que quem a souber tratar poderá transmutá-la em ouro puríssimo de inestimável preço; aquele que a detém, deve mantê-la na raia, não a deixando correr em torpes sátiras nem em desalmados sonetos; não se deve, de nenhum modo, ofertá-la à venda, a não ser em poemas heroicos, em lamentáveis tragédias ou em comédias alegres e artificiosas; não se há de deixar tratar pelos truões, nem pelo vulgo ignorante, incapaz de conhecer nem de estimar os tesouros que nela se encerram. E não penseis, senhor, que chamo aqui vulgo somente à gente plebeia e humilde, pois todo aquele que seja ignaro, ainda que senhor e príncipe, pode e deve ser contado como vulgo. E assim, quem com tais requisitos vier a tratar a poesia, será famoso e estimado em todas as nações civilizadas do mundo. E quanto ao que dizeis, senhor, de que vosso filho não tem grande estima pela poesia em nossa língua, acredito que esteja em desacerto no seu passo, e a razão é esta: o grande Homero não escreveu em latim, porque era grego, tampouco Virgílio escreveu em grego, pois era latino. Em conclusão, todos os poetas antigos escreveram na língua em que sugaram o leite, e não foram em busca de idiomas estrangeiros para declarar a alteza de seus conceitos. E, sendo isto assim, seria razoável que este costume se estendesse por todas as nações, e que não se desconsiderasse o poeta alemão porque escreve em sua língua, nem o castelhano, nem ainda o biscainho, que escreve naquela que lhe é própria. Porém vosso filho, ao que imagino, senhor, realmente não tem aversão pela poesia em nossa língua, senão por aqueles poetas que não vão além do castelhano, sem conhecerem outras línguas, nem outras ciências que adornem, despertem e ajudem o seu natural impulso; e mesmo nisto pode haver erro; porque, segundo opiniões verazes, o poeta nasce: isso significa dizer que do ventre de sua mãe o poeta natural sai poeta; e, com aquela inclinação que o céu lhe deu, sem mais estudo nem artifício, compõe coisas que tornam verdadeira a assertiva: est Deus in nobis... etc. Também digo que o poeta natural, que da arte se aproveitar, será muito melhor e sobressairá em relação ao poeta que pretende sê-lo, por conhecer apenas a arte da poesia; a razão disto é que a arte não supera a natureza, senão a aperfeiçoa; de forma que, mescladas a natureza e a arte, e a arte com a natureza, engendrarão um perfeitíssimo poeta. Seja, pois, a conclusão de minha prédica, senhor fidalgo, que vossa mercê deixe o seu filho seguir para onde a sua estrela o chama; que, sendo ele tão bom estudante como deve ser, e tendo já subido felizmente o primeiro escalão das ciências, que é o das línguas, com elas por si mesmo subirá ao cume das letras humanas, as quais tão bem parecem num cavaleiro de capa e espada, e assim o adornam, honram e engrandecem, como as mitras aos bispos, ou como as togas aos peritos jurisconsultos. Repreenda vossa mercê o seu filho se fizer sátiras que prejudiquem as honras alheias, e castigue-o e rasgue-as; porém se fizer alocuções ao modo de Horácio, por meio das quais censure os vícios em geral, como tão elegantemente ele o fez, louve-o: porque é lícito ao poeta escrever contra a inveja, e dizer em seus versos mal dos invejosos, bem assim dos outros vícios, sem designar pessoa alguma; mas há poetas que, a troco de dizerem uma malícia, arriscam-se a ser desterrados às ilhas do Ponto. Se o poeta for casto em seus costumes, sê-lo-á também em seus versos; a pena é a língua da alma: quais forem os conceitos que nela se gerarem, tais serão os seus escritos; e quando os reis e príncipes veem a milagrosa ciência da poesia em sujeitos prudentes, virtuosos e graves, honram-nos, estimam-nos e enriquecem-nos, e ainda os coroam com as folhas da árvore que o raio não ofende, como a indicar que aqueles que são vistos com a fronte honrada e adornada por lauréis não hão de ser ofendidos por ninguém.

Referência:

SAAVEDRA, Miguel de Cervantes. El ingenioso Don Quijote de La Mancha. Parte II, Tomo II, Capítulo XVI. Enmendada y Corregida por Francisco Sales. 4.ed. Boston (US): Little y Brown; Jaime Munroe y Cia.; Crocker y Brewster; J. B. Dow, 1849. p. 86-87. 

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