Em dias como hoje, 29 de setembro, a Igreja celebra a festa aos Arcanjos
Miguel, Rafael e Gabriel, respectivamente associados à proteção, à cura e ao
relato dos planos divinos.
A empregar os nomes dos referidos arcanjos em associação com três
cidades de sua Espanha natal – Granada (onde faleceu), Córdoba e Sevilha –, o
poeta Frederico García Lorca compôs três poemas, constantes na obra “Romancero Gitano”, dedicando-os a três distintos
amigos.
São eles a seguir transcritos no original e em português, para regalo
dos leitores deste blog.
J.A.R. – H.C.
Frederico García Lorca
(1898-1936)
Granada
(Espanha)
San Miguel
(Granada)
Frederico G. Lorca
A DIEGO BUIGAS DE DALMÁU
E VEN desde las
barandas,
por el monte, monte,
monte,
mulos y sombras de
mulos
cargados de
girasoles.
Sus ojos en las umbrías
se empañan de inmensa
noche.
En los recodos del
aire
cruje la aurora
salobre.
Un cielo de mulos blancos
cierra sus ojos de
azogue
dando a la quieta
penumbra
un final de
corazones.
Y el agua se pone
fría
para que nadie la
toque.
Agua loca y
descubierta
por el monte, monte,
monte.
*
San Miguel, lleno de encaja
en la alcoba de su
torre,
enseña sus bellos
muslos
ceñidos por los
faroles.
Arcángel domesticado
en el gesto de las
doce,
finge una cólera
dulce
de plumas y
ruiseñores.
San Miguel canta en
los vidrios;
Efebo de tres mil
noches,
fragante de agua
colonia
y lejano de las
flores.
*
El mar baila por la playa
un poema de balcones.
Las orillas de la
luna
pierden juncos, ganan
voces.
Vienen manólas
comiendo
semillas de
girasoles,
los culos grandes y
ocultos
como planetas de
cobre.
Vienen altos
caballeros
y damas de triste
porte,
morenas por la
nostalgia
de un ayer de
ruiseñores.
Y el obispo de Manila
ciego de azafrán y
pobre,
dice misa con dos
filos
para mujeres y
hombres.
*
San Miguel se estaba inquieto
en la alcoba de su
torre,
con las enaguas
cuajadas
de espejitos y
entredoses.
San Migue!, rey de los globos
y de los números
nones,
en el primor
berberisco
de gritos y
miradores.
Miguel Arcanjo
(Jacopo Vignali: 1592-1664)
São Miguel
(Granada)
Frederico G. Lorca
A DIEGO BUIGAS DE
DALMÁU
VEEM-SE desde as
varandas,
pelo monte, monte,
monte,
mulos e sombras de
mulos
carregados de
girassóis.
Seus olhos nas umbrias
se empanam de imensa
noite.
Nos ângulos do ar,
range a aurora
salobra.
Um céu de mulos brancos
fecha seus olhos de
azougue
dando à quieta
penumbra
um final de corações.
E a água se torna
fria
para que ninguém a
toque.
Água louca e
descoberta
pelo monte, monte,
monte.
*
São Miguel cheio de encaixes
na alcova de sua
torre
mostra suas belas
coxas
cingidas pelos
faróis.
Arcanjo domesticado
no gesto das doze
horas,
finge uma cólera doce
de plumas e
rouxinóis.
São Miguel canta nos
vidros;
efebo de três mil
noites,
cheirando a
água-de-colônia
e longe das flores.
*
O mar dança pela praia,
um poema de balcões.
As bordas da lua
perdem juncos, ganham
vozes.
Vêm raparigas comendo
sementes de
girassóis,
os ânus grandes e
ocultos
como planetas de
cobre.
Vêm altos cavalheiros
e damas de triste
porte,
morenas pela
nostalgia
de um ontem de
rouxinóis.
É o bispo de Manila,
cego de açafrão e
pobre,
diz a missa com dois
fios
para mulheres e
homens.
*
São Miguel estava quieto
na alcova de sua
torre,
com as anáguas
coalhadas
de espelhinhos e
entremeios.
São Miguel, rei dos globos
e dos números
novenos,
no primor berberesco
de gritos e
miradouros.
Córdoba
(Espanha)
San Rafael
(Córdoba)
Frederico G. Lorca
A JUAN IZQUIERDO
CROSELLES
I
COCHES cerrados
llegaban
a las orillas de
juncos
donde las ondas
alisan
romano torso desnudo.
Coches que el
Guadalquivir
tiende en su cristal
maduro,
entre láminas de
flores
y resonancias de
nublos.
Los niños tejen y
cantan
el desengaño del
mundo
cerca de los viejos
coches
perdidos en el
nocturno.
Pero Córdoba no
tiembla
bajo el misterio
confuso,
pues si la sombra
levanta
la arquitectura del
humo,
un pie de mármol
afirma
su casto fulgor
enjuto.
Pétalos de lata débil
recaman los grises
puros
de la brisa,
desplegada
sobre los arcos de
triunfo.
Y mientras el puente
sopla
diez rumores de
Neptuno,
vendedores de tabaco
huyen por el roto
muro.
II
Un solo pez en el agua
que a las dos Córdobas
junta:
Blanda Córdoba de
juncos.
Córdoba de
arquitectura.
Niños de cara
impasible
en la orilla se
desnudan,
aprendices de Tobias
y Merlines de
cintura,
para fastidiar al pez
en irónica pregunta
si quiere flores de
vino
o saltos de media
luna.
Pero el pez que dora
el agua
y los mármoles
enluta,
les da lección y
equilibrio
de solitaria columna.
El Arcángel aljamiado
de lentejuelas
oscuras,
en el mitin de las
ondas
buscaba rumor y cuna.
Un solo pez en el
agua.
Dos Córdobas de
hermosura.
Córdoba quebrada en
chorros.
Celeste Córdoba
enjuta.
Arcanjo Rafael
(Giovanni Santi: 1435-1494)
São Rafael
(Córdoba)
Frederico G. Lorca
A JUAN IZQUIERDO
CROSELLES
I
CARROS fechados
chegavam
nas bordas de juncos
onde as ondas alisam
romano torso desnudo.
Carros, que o
Guadalquivir
estende em seu
cristal maduro,
entre lâminas de
flores
e ressonância de
nuvens.
Os meninos tecem e
cantam
o desengano do mundo,
perto dos velhos
carros
perdidos no noturno.
Mas Córdoba não treme
sob o mistério
confuso,
pois se a sombra
levanta
a arquitetura do
fumo,
um pé de mármore afirma
seu casto fulgor
enxuto.
Pétalas de lata débil
recamam os grises
puros
da brisa, estendida
sobre os arcos de
triunfo.
E enquanto a ponte
sopra
dez rumores de
Netuno,
vendedores de tabaco
fogem pelo muro
quebrado.
II
Um só peixe na água
que as duas Córdobas
junta:
Branca Córdoba de
juncos.
Córdoba de
arquitetura.
Meninos de cara
impassível
na margem se
desnudam,
aprendizes de Tobias
e merlins de cintura,
para aborrecer o
peixe
em irônica pergunta
se quer flores de
vinho
ou saltos de
meia-lua.
Mas o peixe, que
doura a água
e os mármores enluta,
lhes dá lição e
equilíbrio
de solitária coluna.
O Arcanjo aljemiado
de lantejoulas
escuras
na assembleia das
ondas
buscava rumor e
berço.
*
Um só peixe na água.
Duas Córdobas de
formosura.
Córdoba quebrada em jorros.
Celeste Córdoba
enxuta.
Sevilha
(Espanha)
San Gabriel
(Sevilla)
Frederico G. Lorca
A D. AGUSTÍN VIÑUALES
I
UN bello niño de
junco,
anchos hombros, fino
talle,
piel de nocturna
manzana,
boca triste y ojos
grandes,
nervio de plata
caliente,
ronda la desierta
calle.
Sus zapatos de charol
rompen las dalias del
aire
con los dos ritmos
que cantan
breves lutos
celestiales.
En la ribera del mar
no hay palma que se
le iguale,
ni emperador
coronado,
ni lucero caminante.
Cuando la cabeza
inclina
sobre su pecho de
jaspe,
la noche busca
llanuras
porque quiere
arrodillarse.
Las guitarras suenan
solas
para San Gabriel
Arcángel,
domador de palomillas
y enemigo de los
sauces.
– San Gabriel: El
niño llora
en el vientre de su
madre.
No olvides que los
gitanos
te regalaron el traje.
II
Anunciación de los Reyes,
bien lunada y mal
vestida,
abre la puerta al
lucero
que por la calle
venia.
El Arcángel San
Gabriel,
entre azucena y
sonrisa,
bisnieto de la
Giralda,
se acercaba de
visita.
En su chaleco bordado
grillos ocultos
palpitan.
Las estrellas de la
noche,
se volvieron
campanillas.
San Gabriel, aquí me
tienes
con tres clavos de
alegría.
Tu fulgor abre
jazmines
sobre mi cara
encendida.
Dios te salve,
Anunciación.
Morena de maravilla.
Tendrás un niño más
bello
que los tallos de la
brisa.
¡Ay, San Gabriel
de mis ojos!
¡Gabrielillo de mi vida!
Para sentarte yo
sueño
un sillón de
clavellinas.
Dios te salve, Anunciación,
bien lunada y mal
vestida.
Tu niño tendrá en el
pecho
un lunar y tres
heridas.
iAy, San Gabriel que
reluces!
¡Gabrielillo de mi
vida!
En el fondo de mis
pechos
ya nace la leche
tibia.
Dios te salve,
Anunciación.
Madre de cien
dinastías.
Áridos lucen tus
ojos,
paisajes de
caballista.
*
El niño canta en el seno
de Anunciación
sorprendida.
Tres balas de
almendra verde
tiemblan en su
vocecita.
Ya San Gabriel en el aire
por una escala subía.
Las estrellas de la
noche
se volvieron
siemprevivas.
Arcanjo Gabriel
(Gaudenzio Ferrari: 1475-1546)
São Gabriel
(Sevilha)
Frederico G. Lorca
A D. AGUSTÍN VIÑUALES
I
UM belo menino de
junco,
largos ombros, fino
talhe,
pele de noturna maçã.
boca triste e olhos
grandes,
nervo de prata
quente,
ronda a rua deserta.
Seus sapatos de
charão
rompem as dálias do
ar,
com os dois ritmos
que cantam
breves lutos
celestiais.
Na beira do mar
não há palma que lhe
iguale,
nem imperador coroado
nem luzeiro
caminhante.
Quando a cabeça
inclina
sobre seu peito de
jaspe,
a noite busca
planuras
porque quer
ajoelhar-se.
As guitarras cantam
sozinhas
para São Gabriel
Arcanjo,
domador de
pombazinhas
e inimigo dos
salgueiros.
São Gabriel: o menino
chora
no ventre de sua mãe.
Não esqueças que os
gitanos
te presentearam o
traje.
II
Anunciação dos Reis,
bem lunada e mal
vestida,
abre a porta ao
luzeiro
que pela rua vinha.
O Arcanjo São
Gabriel,
entre açucenas e
sorriso,
o bisneto da Giralda,
chegava para visita.
Em seu jaleco bordado
grilos ocultos
palpitam.
As estrelas da noite
transformaram-se em
campainhas.
São Gabriel: eis-me
aqui
com três cravos de
alegria.
Teu fulgor abre
jasmins
sobre meu rosto
aceso.
Deus te salve,
Anunciação.
Morena de maravilha.
Terás um menino mais
belo
que os rebentos da
brisa.
Ai, São Gabriel de
meus olhos!
Gabrielzinho de minha
vida!,
para sentar-te eu
sonho
uma poltrona de
cravinas.
Deus te salve, Anunciação,
bem lunada e mal
vestida.
Teu filho terá no
peito
um lunar e três feridas.
Ai, São Gabriel que
reluz!
Gabrielzinho de minha
vida!
No fundo de meus
peitos
nasce o leite tépido.
Deus te salve,
Anunciação,
Mãe de cem dinastias.
Áridos luzem teus
olhos,
paisagem de
cavaleiros.
*
O menino canta no seio
de Anunciação
surpresa.
Três balas de amêndoa
verde
tremem em sua
vozinha.
Já São Gabriel nos ares
por uma escada subia.
As estrelas da noite
transformaram-se em
sempre-vivas.
Referência:
LORCA, Frederico García. San Miguel; São Miguel.
In: __________. Obra poética completa. Edição Bilingue. Tradução de William Agel de Melo. Brasília: Ed. da UnB; São Paulo: Martins
Fontes, 1989. p. 370-373.
LORCA, Frederico García. San Rafael; São Rafael.
In: __________. Obra poética completa. Edição Bilingue. Tradução de William Agel de Melo. Brasília: Ed. da UnB; São Paulo: Martins
Fontes, 1989. p. 372-375.
LORCA, Frederico García. San Gabriel; São Gabriel.
In: __________. Obra poética completa. Edição Bilingue. Tradução de William Agel de Melo. Brasília: Ed. da UnB; São Paulo: Martins
Fontes, 1989. p. 376-379.
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