Retornando ao tema das aventuras do amado Dom Quixote e de seu idealismo
tresloucado, trazemos neste ‘post’ um belo poema de autoria do poeta e
diplomata nicaraguense Rubén Darío – neste blog já presente em outro poema. Trata-se
do clássico “Litania de Nosso Senhor Dom Quixote”, a evocar pelo seu título, de
algum modo, as “Litanias de Satã”,
de Charles Baudelaire.
Afixamos, também, no interstício entre o original, em espanhol, e a
versão que produzimos, em português, uma interessante pintura do espanhol
Eduardo Pisano, passível de ser associada, de modo similar, às representações
iconográficas religiosas de São Jorge.
J.A.R. – H.C.
Rubén Darío
(1867-1916)
Letanía de Nuestro Señor Don Quijote
(A Francisco Navarro
Ledesma)
Rey de los hidalgos, señor de los tristes,
que de fuerza
alientas y de ensueños vistes,
coronado de áureo
yelmo de ilusión;
que nadie ha podido
vencer todavía,
por la adarga al
brazo, toda fantasía,
y la lanza en ristre,
toda corazón.
Noble peregrino de los peregrinos,
que santificaste
todos los caminos
con el paso augusto
de tu heroicidad,
contra las certezas,
contra las conciencias
y contra las leyes y
contra las ciencias,
contra la mentira,
contra la verdad...
¡Caballero errante de los caballeros,
varón de varones,
príncipe de fieros,
par entre los pares,
maestro, salud!
¡Salud, porque juzgo
que hoy muy poca tienes,
entre los aplausos o
entre los desdenes,
y entre las coronas y
los parabienes
y las tonterías de la
multitud!
¡Tú, para quien pocas
fueron las victorias
antiguas y para quien
clásicas glorias
serían apenas de ley
y razón,
soportas elogios,
memorias, discursos,
resistes certámenes,
tarjetas, concursos,
y, teniendo a Orfeo,
tienes a orfeón!
Escucha, divino Rolando del sueño,
a un enamorado de tu
Clavileño,
y cuyo Pegaso
relincha hacia tí;
escucha los versos de
estas letanías,
hechas con las cosas
de todos los días
y con otras que en lo
misterioso vi.
¡Ruega por nosotros, hambrientos de vida,
con el alma a
tientas, con la fe perdida,
llenos de congojas y
faltos de sol,
por advenedizas almas
de manga ancha,
que ridiculizan el
ser de la Mancha,
el ser generoso y el ser
español!
¡Ruega por nosotros que necesitamos
las mágicas rosas,
los sublimes ramos
de laurel! Pro nobis ora, gran señor.
(Tiembla la floresta
de laurel del mundo,
y antes que tu
hermano vago, Segismundo,
el pálido Hamlet te
ofrece una flor).
Ruega generoso, piadoso, orgulloso,
ruega casto, puro,
celeste, animoso;
por nos intercede,
suplica por nos,
pues casi ya estamos
sin savia, sin brote,
sin alma, sin vida,
sin luz, sin Quijote,
sin pies y sin alas, sin Sancho y sin Dios.
De tantas tristezas, de dolores tantos,
de los superhombres
de Nietzsche, de cantos
áfonos, recetas que
firma un doctor,
de las epidemias, de
horribles blasfemias
de las Academias
¡líbranos, señor.
De rudos malsines,
falsos paladines
y espíritus finos y
blandos y ruines,
del hampa que sacia
su canallocracia
con burlar la gloria,
la vida, el honor,
del puñal con gracia,
¡líbranos, señor!
Noble peregrino de los peregrinos,
que santificaste
todos los caminos
con el paso augusto
de tu heroicidad,
contra las certezas,
contra las conciencias
y contra las leyes y
contra las ciencias,
contra la mentira,
contra la verdad...
Ora por nosotros, señor de
los tristes,
que de fuerza
alientas y de ensueños vistes,
coronado de áureo
yelmo de ilusión;
¡que nadie ha podido
vencer todavía,
por la adarga al
brazo, toda fantasía,
y la lanza en ristre,
toda corazón!
(Madrid, abril de
1905)
[Cantos de Vida y
Esperanza]
Don Quijote Victorioso
Eduardo Pisano: 1912-1986
Pintor Espanhol
Litania de Nosso Senhor Dom Quixote
(A Francisco Navarro
Ledesma)
Rei dos fidalgos,
senhor dos tristes,
que de força
sustentas e de quimeras vestes,
coroado de áureo elmo
de ilusão;
que ninguém logrou ainda vencer,
pelo escudo ao braço,
todo fantasia,
e pela lança em
riste, toda coração.
Nobre peregrino dos
peregrinos,
que santificaste
todos os caminhos
com o passo augusto
de tua heroicidade,
contra as certezas,
contra as consciências
e contra as leis e
contra as ciências,
contra a mentira,
contra a verdade...
Cavaleiro errante dos
cavaleiros
varão de varões,
príncipe de indômitos,
par entre os pares,
mestre, saúde!
Saúde, porque julgo
que hoje muito pouca tens,
entre os aplausos ou
entre os desdéns,
e entre as coroas e
os parabéns
e as parvoíces da
multidão!
Tu, para quem poucas foram as vitórias
antigas e para quem clássicas glórias
seriam apenas de lei e razão,
suportas elogios, memórias, discursos,
resistes certames, cartões, concursos,
e, tendo Orfeu, tens orfeão!
Escuta, divino
Rolando do sonho,
um namorado de teu Clavilenho,
e cujo Pégaso
relincha até junto a ti;
escuta os versos
destas litanias,
feitas com as coisas
de todos os dias
e com outras que no
misterioso vi.
Roga por nós, famintos de vida,
com a alma às cegas,
com a fé perdida,
cheios de angústias e
carentes de sol,
por adventícias almas
indulgentes à farta,
que ridicularizam o
ser da Mancha,
o ser generoso e o
ser espanhol!
Roga por nós que
necessitamos
das mágicas rosas,
dos sublimes ramos
de laurel! Pro nobis ora, grão senhor.
(Agita a floresta de
laurel do mundo,
e antes que o teu
ocioso irmão, Segismundo,
o pálido Hamlet te
oferece uma flor).
Roga generoso,
piedoso, orgulhoso,
roga casto, puro, celeste, animoso;
por nós intercede, suplica por nós,
pois quase já estamos sem seiva, sem broto,
sem alma, sem vida, sem luz, sem Quixote,
sem pés e sem asas, sem Sancho e sem Deus.
De tantas tristezas,
de dores tantas,
dos super-homens de Nietzsche, de cantos
afônicos, receitas que prescreve um doutor,
das epidemias, de horríveis blasfêmias
das Academias
livra-nos, senhor.
De rudes delações,
falsos paladinos
e espíritos finos e
brandos e ruins
da malta que satisfaz
sua canalhocracia
burlando a glória, a vida,
a honra,
do punhal com graça,
livra-nos, senhor!
Nobre peregrino dos
peregrinos,
que santificaste todos os caminhos
com o passo augusto de tua heroicidade,
contra as certezas, contra as consciências
e contra as leis e contra as ciências,
contra a mentira, contra a verdade...
Ora por nós, senhor
dos tristes,
que de força sustentas e de quimeras vestes,
coroado de áureo elmo de ilusão;
que ninguém logrou ainda vencer,
pelo escudo ao braço, todo fantasia,
e pela lança em riste, toda coração!
(Madrid, abril de 1905)
[Cantos de Vida e de Esperança]
Recitação do Poema
(José Varela)
Referência:
DARÍO, Rubén. Letanía de nuestro señor
Don Quijote. In: __________. Cuarenta y
cinco poemas. Prólogo de Ludovico Silva. Selección de Oscar Rodríguez
Ortiz. Caracas (VE): Fundación Biblioteca Ayacucho, 1994. p. 77-79. (Colleción
“Claves de América”)
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