Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 26 de agosto de 2014

T. S. Eliot - O Poeta e a Poesia

Eliot, o grande poeta e crítico literário inglês, muito refletiu sobre a sua arte, deixando-nos um conjunto de ensaios que, ainda hoje, repercute nos meios acadêmicos. Num deles, “Tradition and the Individual Talent”, de 1919, declina os seus pontos de vista sobre o que seria o respeito à tradição, sem entrega a um mero processo de repetição “ad infinitum”, senão pelo contraste ao que, segundo o autor, conforma os “monumentos existentes”.

 

Notemos que Eliot alude a tais monumentos existentes dentro de uma “ordem ideal”, ordem que somente se romperia pelo surgimento de uma obra realmente nova. E sabe você, internauta, o que esse argumento fez-me lembrar? Do conceito de “paradigma”, cunhado pelo físico norte-americano Thomas Kuhn (1922-1996), para designar um referente capaz de romper o estado da arte na pesquisa de um determinado campo do saber.

 

Assim, se a homologia for mesmo válida – pois tenho suspeitas quanto a isso! –, uma obra de arte, ou mesmo um movimento literário paradigmático, não se compagina com os seus precedentes, embora não os ignore, mas se erige em contraposição a estes. Talvez possa não constituir algo “ab ovo”, mas certamente representa novas linhagens conceituais que apontam para um futuro, sem replicar modorrentamente os cânones do passado.

 

O “Modernismo” seria um caso?! Os representantes da “Semana de Arte Moderna” (11 a 18 de fevereiro de 1922), por conhecerem muito bem o passado daquilo que constituía a então chamada “Literatura Brasileira”, sabiam muito bem o que não queriam, embora o que, de fato, propugnavam se arrogasse muito mais como uma causa do incógnito.

 

Em outra passagem do mesmo ensaio, Eliot parece falar com os críticos que apreciam a abordagem biográfica do artista da palavra, imbricada com elementos extraliterários, conquanto, a seu ver, carente de melhores perspectivas capazes de dar conta do fenômeno artístico em sua plenitude.

 

Como defendo o credo de que o leitor atento é suficientemente capaz de interpretar um texto, bem à sua maneira, de forma a captar o sentido que o escritor-interlocutor diligencia em lhe transmitir, passo à transcrição das passagens que considero eloquentes no precitado ensaio de Eliot.

 

Mesmo assim, internauta, não deixe de cismar deste que vos fala: estou lhe posicionando em frente a duas telas entre as muitas no corredor de um museu. Você poderia me perguntar: por que não outras duas telas, noutra ala desse mesmo ou de outro museu?! Então lhe responderia: “visita direcionada” é isso mesmo! Você aceita ou não o caminho por onde lhe levam. Perceba-se que não há neutralidade nas perspectivas selecionadas! (rs).

 

J.A.R. – H.C. 

 

Thomas Stearns Eliot

(1888-1965)

 

Nenhum poeta, nenhum artista, tem sua significação completa sozinho. Seu significado e a apreciação que dele fazemos constituem a apreciação de sua relação com os poetas e artistas mortos. Não se pode estimá-lo em si; é preciso situá-lo, para contraste e comparação, entre os mortos. Entendo isso como um princípio de estética, não apenas histórica, mas no sentido crítico. É necessário que ele seja harmônico, coeso, e não unilateral; o que ocorre quando uma nova obra de arte aparece é, às vezes, o que ocorre simultaneamente com relação a todas as obras de arte que a precedem. Os monumentos existentes formam uma ordem ideal entre si, e esta só se modifica pelo aparecimento de uma nova (realmente nova) obra entre eles (ELIOT, 1989, p. 39).

 

Desviar o interesse do poeta para a poesia é um objetivo louvável, pois isso levaria em verdade a uma avaliação mais justa da poesia atual, quer seja boa, quer seja má. Há muitas pessoas que apreciam a expressão de uma emoção sincera em verso, e há um grupo mais seleto de pessoas que podem apreciar a excelência técnica. Mas muito poucos sabem quando ocorre uma expressão de significativa emoção, emoção que tem sua vida no poema, e não na história do poeta. A emoção da arte é impessoal. E o poeta não pode alcançar essa impessoalidade sem entregar-se ele próprio inteiramente à obra que será concebida. E não é provável que ele saiba o que será concebido, a menos que viva naquilo que não é apenas o presente, mas o momento presente do passado, a menos que esteja consciente, não do que está morto, mas do que agora continua a viver (ELIOT, 1989, p. 48).

 

Referência:

 

ELIOT, T. S. Tradição e talento individual. In: __________. Ensaios. Tradução, introdução e notas de Ivan Junqueira. São Paulo: Art Editora, 1989. p. 37-48.

  

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