Eliot, o grande poeta e crítico literário
inglês, muito refletiu sobre a sua arte, deixando-nos um conjunto de ensaios
que, ainda hoje, repercute nos meios acadêmicos. Num deles, “Tradition and the
Individual Talent”, de 1919, declina os seus pontos de vista sobre o que seria
o respeito à tradição, sem entrega a um mero processo de repetição “ad
infinitum”, senão pelo contraste ao que, segundo o autor, conforma os
“monumentos existentes”.
Notemos que Eliot alude a tais monumentos
existentes dentro de uma “ordem ideal”, ordem que somente se romperia pelo
surgimento de uma obra realmente nova. E sabe você, internauta, o que esse
argumento fez-me lembrar? Do conceito de “paradigma”, cunhado pelo físico
norte-americano Thomas Kuhn (1922-1996), para designar um referente capaz de
romper o estado da arte na pesquisa de um determinado campo do saber.
Assim, se a homologia for mesmo válida – pois
tenho suspeitas quanto a isso! –, uma obra de arte, ou mesmo um movimento
literário paradigmático, não se compagina com os seus precedentes, embora não
os ignore, mas se erige em contraposição a estes. Talvez possa não constituir
algo “ab ovo”, mas certamente representa novas linhagens conceituais que
apontam para um futuro, sem replicar modorrentamente os cânones do passado.
O “Modernismo” seria um caso?! Os representantes
da “Semana de Arte Moderna” (11 a 18 de fevereiro de 1922), por conhecerem
muito bem o passado daquilo que constituía a então chamada “Literatura
Brasileira”, sabiam muito bem o que não queriam, embora o que, de fato,
propugnavam se arrogasse muito mais como uma causa do incógnito.
Em outra passagem do mesmo ensaio, Eliot parece
falar com os críticos que apreciam a abordagem biográfica do artista da
palavra, imbricada com elementos extraliterários, conquanto, a seu ver, carente
de melhores perspectivas capazes de dar conta do fenômeno artístico em sua
plenitude.
Como defendo o credo de que o leitor atento é
suficientemente capaz de interpretar um texto, bem à sua maneira, de forma a
captar o sentido que o escritor-interlocutor diligencia em lhe transmitir,
passo à transcrição das passagens que considero eloquentes no precitado ensaio
de Eliot.
Mesmo assim, internauta, não deixe de cismar
deste que vos fala: estou lhe posicionando em frente a duas telas entre as
muitas no corredor de um museu. Você poderia me perguntar: por que não outras
duas telas, noutra ala desse mesmo ou de outro museu?! Então lhe responderia:
“visita direcionada” é isso mesmo! Você aceita ou não o caminho por onde lhe
levam. Perceba-se que não há neutralidade nas perspectivas selecionadas! (rs).
J.A.R. – H.C.
Thomas Stearns Eliot
(1888-1965)
Nenhum poeta, nenhum artista, tem sua significação
completa sozinho. Seu significado e a apreciação que dele fazemos constituem a
apreciação de sua relação com os poetas e artistas mortos. Não se pode
estimá-lo em si; é preciso situá-lo, para contraste e comparação, entre os
mortos. Entendo isso como um princípio de estética, não apenas histórica, mas
no sentido crítico. É necessário que ele seja harmônico, coeso, e não
unilateral; o que ocorre quando uma nova obra de arte aparece é, às vezes, o
que ocorre simultaneamente com relação a todas as obras de arte que a precedem.
Os monumentos existentes formam uma ordem ideal entre si, e esta só se modifica
pelo aparecimento de uma nova (realmente nova) obra entre eles (ELIOT, 1989, p.
39).
Desviar o interesse do poeta para a poesia é um
objetivo louvável, pois isso levaria em verdade a uma avaliação mais justa da
poesia atual, quer seja boa, quer seja má. Há muitas pessoas que apreciam a
expressão de uma emoção sincera em verso, e há um grupo mais seleto de pessoas
que podem apreciar a excelência técnica. Mas muito poucos sabem quando ocorre
uma expressão de significativa emoção, emoção que tem sua vida
no poema, e não na história do poeta. A emoção da arte é impessoal. E o poeta
não pode alcançar essa impessoalidade sem entregar-se ele próprio inteiramente
à obra que será concebida. E não é provável que ele saiba o que será concebido,
a menos que viva naquilo que não é apenas o presente, mas o momento presente do
passado, a menos que esteja consciente, não do que está morto, mas do que agora
continua a viver (ELIOT, 1989, p. 48).
Referência:
ELIOT, T. S. Tradição e talento individual. In:
__________. Ensaios. Tradução, introdução e notas de Ivan
Junqueira. São Paulo: Art Editora, 1989. p. 37-48.
Nenhum comentário:
Postar um comentário