Para quem aprecia as poesias com conteúdo místico, como as de Kabir –
poeta indiano que viveu entre os séculos XV e XVI –, postamos a seguir quatro
poemas, certamente entre os mais representativos que encontramos no livro ao
final referenciado.
Os poemas, indexados pelos números que aparecem no topo das páginas do
livro – afinal, não há, como costumeiramente, numeração de páginas ao longo da
obra em questão! –, fazem lembrar os poemas de outro místico bastante conhecido
e aqui já ilustrado em suas criações: Jalal ud-Din Rumi.
Como observa o crítico e tradutor Tadeu Arantes (KABIR, 2013, p. 13), a
poesia do indiano, inteiramente voltada à dimensão espiritual da existência, se
reconforta na magia de seus versos e na plenitude de sua imaginação, ambas
consentâneas, dizemos nós, com a robusta tradição cultural daquele milenar
país.
J.A.R.
Kabir
(1440-1518)
Poema nº 6
A lua brilha em mim,
Mas meus olhos cegos
não podem vê-la.
O tambor da
eternidade soa em mim,
Mas meus ouvidos
surdos não podem ouvi-lo.
O cervo tem em seu
corpo o almíscar,
Mas de bom grado o
trocaria por capim.
Enquanto clama pelo
"eu" e o "meu",
O trabalho do homem é
inútil.
Quando o apego ao
"eu" e ao "meu" se esvai,
O trabalho do Senhor
acontece.
As flores florescem
pelos frutos
E fenecem para que
despontem.
¯
Poema nº 20
Ó minha alma, para
onde pretendes navegar,
Se não há viajante a
seguir, não há roteiro?
Que oceano singrarás,
em que cais aportarás,
Se não há mar, não há
barco, não há barqueiro?
Se não há lugar, se
não há hora, se não há meios,
Como acharás a água
capaz de encher tua ânfora?
Sê forte e volta-te
para o interior de ti mesma:
Aí encontrarás chão
firme, aí deitarás tua âncora.
Kabir diz: Põe toda
imaginação de lado,
E permanece
impassível naquilo que és.
¯
Poema nº 37
O que é feito da
noite quando se ergue o sol?
Pode subsistir a
ignorância se há conhecimento?
Existe lugar para a
luxúria onde reside o amor?
Toma tua espada,
amigo, e junta-te à batalha!
Luta com
discernimento, combate sem temor.
Pois é em ti mesmo
que se trava esta guerra.
Vence o apego, a
aversão e a indiferença.
Ergue-te como fogo e
queima a seara do orgulho.
Pois o reino que
defendes é a perene alegria,
Kabir diz: Não há
luta mais tenaz que a do buscador da verdade. O guerreiro luta algumas horas e
o choro da viúva um dia finda. Mas quem busca a verdade terá de combater até o
último suspiro.
¯
Poema nº 49
Isso que vês, não é.
E, para o que é, não
tenho palavras.
Até que o vejas, de
que vale falar?
O erudito derrama-se
em falação,
E o ignorante cala-se
pasmo.
Alguns visualizam a
forma.
Outros meditam no
sem-forma.
Mas o sábio o
contempla além de ambos.
Sua beleza não se
entrega aos olhos.
Sua harmonia não se
dá aos ouvidos.
Kabir diz: Funde
aspiração e desapego,
E não descerás outra
vez ao país dos mortos.
¯
Referência:
KABIR (1440-1518). Kabir: cem poemas. Seleção e tradução ao inglês de R. Tagore.
Tradução, ensaios e notas de José Tadeu Arantes. São Paulo: Attar, 2013.
÷ø
muito obrigada por postar!! acho que vou acabar comprando o livro, porque kabir e fantástico
ResponderExcluirDe fato, Kabir e Rumi são autores à parte no panorama das poesias místicas. Por isso que, com frequência, faço postagens de seus poemas.
ExcluirGrato pela mensagem e navegação pelas páginas deste blog.
Um abraço,
João A. Rodrigues
Grata por compartilhar essas joias que são os textos de Kabir.
ResponderExcluirPrezada Sandra,
ExcluirAgradecido eu por primeiro, pelo seu comentário e por navegar pelas páginas deste blog.
De fato, são belas as mensagens contidas nos poemas de Kabir, aliás, tanto quanto nos de Rumi, cujos poemas verto-os ao português com mais frequência, diga-se a bem da verdade, das traduções do persa ao inglês do poeta norte-americano Coleman Barks.
Para ter acesso a todas as postagens de Kabir ou de Rumi, basta que você digite o nome deles no campo "Pesquisa Neste Blog", na coluna à esquerda da página.
Um abraço,
João A. Rodrigues
Uma observação com respeito à paginação da obra de onde foram extraídos os poemas acima: verifiquei, com um certo atraso, que há numeração nas páginas do livro apenas nas partes que precede os poemas (até a página 26) e que os sucede (da página 131 até 135).
ResponderExcluirNesse sentido, podem-se obter as páginas onde insertos os aludidos poemas, a saber: Poema nº 6 - p. 34; Poema nº 20 - p. 48; Poema nº 37 - p. 65; e Poema nº 49 - p. 77.
João A. Rodrigues