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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 10 de agosto de 2014

Noam Chomsky: Pesadelo em Gaza

Noam Chomsky, autor norte-americano de origem judaica, desnuda no artigo abaixo quais são as verdadeiras intenções de Israel na mais recente investida sobre Gaza, investida que segundo alguns avaliadores, já importa em estragos ao já empobrecido reduto palestino na escala dos US$5,0 bilhões.

Enquanto isso, os EUA fornecem mais armamentos a Israel, para que este dê continuidade a essa campanha sórdida e sanguinária, com ataques até a escolas da ONU e coisas da espécie, a elevar o  número de mortos a quase  2.000.

Para aqueles que desejem acompanhar mais de perto os fatos do conflito no Oriente Médio, com lentes bem distintas daquelas veiculadas pelos meios de comunicação dominados pela dupla EUA x Israel, sugerimos os seguintes endereços eletrônicos: o próprio ‘website’ de Noam Chomsky, uma autoridade incontestável no assunto, e o Correio da Cidadania, de onde extraímos a versão para o português, abaixo transcrita.

J.A.R. 
Noam Chomsky (*) | Pesadelo em Gaza
Fonte Original: Truth-out.org
Tradutor: George El Khouri Andolfato

Em meio a todos os horrores que se desdobram na mais recente ofensiva israelense em Gaza, a meta de Israel é simples: calma por calma, um retorno à norma.

Para a Cisjordânia, a norma é Israel prosseguir com sua construção ilegal de assentamentos e infraestrutura, para que possa integrar a Israel tudo o que possa ser de valor, enquanto entrega aos palestinos os cantões inviáveis e os submete à repressão e violência.

Para Gaza, a norma é uma existência miserável sob um cerco cruel e destrutivo que Israel administra para permitir a mera sobrevivência e nada mais.

A mais recente violência israelense foi provocada pelo assassinato brutal de três meninos israelenses de um assentamento ocupado na Cisjordânia. Um mês antes, dois meninos palestinos foram mortos a tiros na cidade de Ramallah, na Cisjordânia. Isso provocou pouca atenção, o que é compreensível, já que é a rotina.

“O desprezo institucionalizado pela vida palestina no Ocidente ajuda a explicar não apenas por que os palestinos recorrem à violência”, diz Mouin Rabbani, um analista de Oriente Médio, “mas também o mais recente ataque de Israel na Faixa de Gaza”.

Em uma entrevista, o advogado de direitos humanos, Raji Sourani, que permaneceu em Gaza ao longo de anos de brutalidade e terror israelense, disse: “Isto é o que ouço com mais frequência quando as pessoas começam a falar sobre cessar-fogo: todo mundo diz que é preferível todos nós morrermos do que voltar à situação que tínhamos antes da guerra. Nós não queremos aquilo de novo. Nós não temos dignidade, não temos orgulho; nós somos apenas alvos fáceis e muito baratos. Ou esta situação realmente melhora ou é preferível simplesmente morrer. Eu estou falando de intelectuais, acadêmicos, pessoas comuns: todo mundo está dizendo isso”.

Em janeiro de 2006, os palestinos cometeram um grande crime: eles votaram de forma errada em uma eleição livre cuidadosamente monitorada, entregando o controle do Parlamento ao Hamas.

A mídia repete constantemente que o Hamas se dedica à destruição de Israel. Na verdade, os líderes do Hamas já deixaram claro repetidas vezes que o grupo aceitaria uma solução de dois Estados de acordo com o consenso internacional, que é bloqueado pelos Estados Unidos e Israel há 40 anos.

Em contraste, Israel se dedica à destruição da Palestina, fora algumas palavras ocasionais sem significado, e está implantando essa meta.

O crime dos palestinos em janeiro de 2006 foi punido imediatamente. Os Estados Unidos e Israel, seguidos vergonhosamente pela Europa, impuseram duras sanções à população errante, e Israel aumentou sua violência.

Os Estados Unidos e Israel rapidamente iniciaram planos para um golpe militar para derrubada do governo eleito. Quando o Hamas cometeu a afronta de desbaratar esses planos, os ataques israelenses e o cerco se tornaram mais severos.
Não deveria haver necessidade de revisar novamente o histórico desolador desde então. O cerco implacável e os ataques selvagens são pontuados por episódios de “corte da grama”, usando a alegre expressão israelense para os exercícios periódicos de atirar nos peixes no laguinho, como parte do que chama de “guerra de defesa”.

Assim que a grama é cortada e a população desesperada busca reconstruir algo após a destruição e os assassinatos, há um acordo de cessar-fogo. O cessar-fogo mais recente foi estabelecido após o ataque de Israel de outubro de 2012, chamada Operação Pilar de Defesa.

Apesar de Israel ter mantido seu cerco, o Hamas cumpriu o cessar-fogo, como reconhece Israel. As coisas mudaram em abril deste ano, quando o Fatah e o Hamas chegaram a um acordo de unidade e estabeleceram um novo governo de tecnocratas, não afiliados a nenhum partido.

Israel ficou naturalmente furiosa, ainda mais quando até mesmo o governo Obama se juntou ao restante do Ocidente sinalizando aprovação. O acordo de unidade não apenas mina a alegação de Israel de que não pode negociar com uma Palestina dividida, como também ameaça a meta de longo prazo de dividir Gaza da Cisjordânia e a implantação de suas políticas destrutivas em ambas as regiões.

Algo precisava ser feito e uma oportunidade surgiu em 12 de junho, quando três meninos israelenses foram assassinados na Cisjordânia. Desde o início, o governo Netanyahu sabia que eles estavam mortos, mas fingiu o contrário, fornecendo assim a oportunidade para lançar uma campanha contra o Hamas na Cisjordânia.

O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu alegou ter conhecimento confirmando que o Hamas tinha sido o responsável. Isso também foi uma mentira.

Uma das principais autoridades de Israel a respeito do Hamas, Shlomi Eldar, informou quase imediatamente que os assassinos provavelmente vieram de um clã dissidente em Hebron, que há muito é um espinho no pé do Hamas. Eldar acrescentou que “estou certo que eles não receberam nenhum sinal verde da liderança do Hamas, eles simplesmente acharam que era o momento certo de agir”.

A campanha de 18 dias após o sequestro, entretanto, teve sucesso em minar o temido governo de unidade e em aumentar acentuadamente a repressão israelense. Israel também realizou dezenas de ataques em Gaza, matando cinco membros do Hamas em 7 de julho.

O Hamas finalmente reagiu com seus primeiros foguetes em 19 meses, fornecendo a Israel o pretexto para a Operação Margem Protetora, em 8 de julho.

Em 31 de julho, cerca de 1.400 palestinos já tinham sido mortos, a maioria civis, incluindo centenas de mulheres e crianças. E três civis israelenses. Grandes áreas de Gaza foram transformadas em escombros. Quatro hospitais foram atacados, cada um deles representando um crime de guerra.

As autoridades israelenses enaltecem a humanidade do que chamam de “o exército mais moral do mundo”, que informa aos moradores que suas casas serão bombardeadas. A prática é “sadismo, disfarçada hipocritamente como misericórdia”, nas palavras da jornalista israelense Amira Haas: “Uma mensagem gravada exige que centenas de milhares de pessoas deixem suas casas já transformadas em alvo para seguirem para outro lugar, igualmente perigoso, a 10 quilômetros de distância”.

De fato, não há lugar na prisão de Gaza que seja seguro do sadismo israelense, que pode até mesmo ter excedido os crimes terríveis da Operação Chumbo Fundido de 2008-2009.

As revelações hediondas provocaram a reação habitual do presidente mais moral do mundo, Barack Obama: grande solidariedade para com os israelenses, condenação amarga do Hamas e pedidos por moderação em ambos os lados.

Quando os atuais ataques terminarem, Israel espera estar livre para prosseguir com suas políticas criminosas nos territórios ocupados sem interferência, e com o apoio norte-americano que desfrutava no passado.

Os moradores de Gaza estarão livres para voltar à norma em sua prisão israelense, enquanto na Cisjordânia os palestinos podem assistir em paz enquanto Israel desmonta o que resta de suas posses.

Esse é o resultado provável caso os Estados Unidos mantenham seu apoio decisivo e virtualmente unilateral aos crimes israelenses e sua rejeição do antigo consenso internacional para um acordo diplomático. Mas o futuro será muito diferente se os Estados Unidos retirarem seu apoio.

Nesse caso, seria possível buscar a “solução duradoura” em Gaza que pedia o secretário de Estado, John Kerry, provocando condenação histérica em Israel, porque a frase poderia ser interpretada como pedido pelo fim do cerco e dos ataques regulares por Israel. E, horror dos horrores, a frase poderia até mesmo ser interpretada como um pedido para implantação da lei internacional no restante dos territórios ocupados.

Há quarenta anos, Israel tomou a decisão fatídica de optar pela expansão em vez da segurança, rejeitando um tratado de paz plena oferecido pelo Egito, em troca da evacuação do Sinai egípcio ocupado, quando Israel estava iniciando extensos projetos de assentamento e desenvolvimento. Israel tem mantido essa política desde então.

Se os Estados Unidos decidissem se juntar ao mundo, o impacto seria grande. Repetidas vezes, Israel abandonou seus planos acalentados quando Washington assim exigia. Essa é a relação de poder entre eles.

Além disso, Israel conta com poucos recursos, após ter adotado políticas que a transformaram de um país altamente admirado em um que é temido e desprezado, políticas que hoje busca com determinação cega, em sua marcha para a deterioração moral e possível destruição final.

Será que a política norte-americana poderia mudar? Não é impossível. A opinião pública mudou consideravelmente nos últimos anos, particularmente entre os jovens, e não pode ser completamente ignorada.

Por alguns anos, há boa base para exigências públicas de que Washington observe suas próprias leis e corte a ajuda militar a Israel. A lei estadunidense exige que “nenhuma assistência de segurança deve ser fornecida a qualquer país cujo governo demonstre um padrão consistente de grave violação dos direitos humanos reconhecidos internacionalmente”.

Israel certamente é culpada desse padrão consistente, e o é há muitos anos.

O senador Patrick Leahy, de Vermont, autor desse artigo da lei, levantou sua aplicabilidade potencial contra Israel em casos específicos, e com um esforço educativo, organizacional e de ativismo bem conduzido tais iniciativas poderiam ser tentadas sucessivamente.

Isso poderia ter um impacto muito importante por si só, além de também fornecer um trampolim para ações adicionais a fim de pressionar Washington a se tornar parte da “comunidade internacional” e cumprir as leis e normas internacionais.

Nada poderia ser mais significativo para as trágicas vítimas palestinas de tantos anos de violência e repressão.
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(*) Noam Chomsky é linguista, filósofo e ativista político norte-americano, professor de Linguística no Instituto de Tecnologia de Massachusetts.

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