Noam Chomsky, autor norte-americano de origem judaica, desnuda no artigo
abaixo quais são as verdadeiras intenções de Israel na mais recente investida sobre
Gaza, investida que segundo alguns avaliadores, já importa em estragos ao já
empobrecido reduto palestino na escala dos US$5,0 bilhões.
Enquanto isso, os EUA fornecem mais armamentos a Israel, para que este
dê continuidade a essa campanha sórdida e sanguinária, com ataques até a
escolas da ONU e coisas da espécie, a elevar o número de mortos a quase 2.000.
Para aqueles que desejem acompanhar mais de perto os fatos do conflito
no Oriente Médio, com lentes bem distintas daquelas veiculadas pelos meios de
comunicação dominados pela dupla EUA x Israel, sugerimos os seguintes endereços
eletrônicos: o próprio ‘website’ de Noam
Chomsky, uma autoridade incontestável no assunto, e o Correio
da Cidadania, de onde extraímos a versão para o português, abaixo transcrita.
J.A.R.
Noam Chomsky (*) | Pesadelo em Gaza
Fonte Original: Truth-out.org
Tradutor: George El
Khouri Andolfato
Em meio a todos os horrores que se desdobram na mais recente ofensiva
israelense em Gaza, a meta de Israel é simples: calma por calma, um retorno à
norma.
Para a Cisjordânia, a norma é Israel
prosseguir com sua construção ilegal de assentamentos e infraestrutura, para
que possa integrar a Israel tudo o que possa ser de valor, enquanto entrega aos
palestinos os cantões inviáveis e os submete à repressão e violência.
Para Gaza, a norma é uma existência
miserável sob um cerco cruel e destrutivo que Israel administra para permitir a
mera sobrevivência e nada mais.
A mais recente violência israelense foi
provocada pelo assassinato brutal de três meninos israelenses de um
assentamento ocupado na Cisjordânia. Um mês antes, dois meninos palestinos
foram mortos a tiros na cidade de Ramallah, na Cisjordânia. Isso provocou pouca
atenção, o que é compreensível, já que é a rotina.
“O desprezo institucionalizado pela vida
palestina no Ocidente ajuda a explicar não apenas por que os palestinos
recorrem à violência”, diz Mouin Rabbani, um analista de Oriente Médio, “mas
também o mais recente ataque de Israel na Faixa de Gaza”.
Em uma entrevista, o advogado de
direitos humanos, Raji Sourani, que permaneceu em Gaza ao longo de anos de
brutalidade e terror israelense, disse: “Isto é o que ouço com mais frequência
quando as pessoas começam a falar sobre cessar-fogo: todo mundo diz que é
preferível todos nós morrermos do que voltar à situação que tínhamos antes da
guerra. Nós não queremos aquilo de novo. Nós não temos dignidade, não temos
orgulho; nós somos apenas alvos fáceis e muito baratos. Ou esta situação
realmente melhora ou é preferível simplesmente morrer. Eu estou falando de
intelectuais, acadêmicos, pessoas comuns: todo mundo está dizendo isso”.
Em janeiro de 2006, os palestinos
cometeram um grande crime: eles votaram de forma errada em uma eleição livre
cuidadosamente monitorada, entregando o controle do Parlamento ao Hamas.
A mídia repete constantemente que o
Hamas se dedica à destruição de Israel. Na verdade, os líderes do Hamas já
deixaram claro repetidas vezes que o grupo aceitaria uma solução de dois
Estados de acordo com o consenso internacional, que é bloqueado pelos Estados
Unidos e Israel há 40 anos.
Em contraste, Israel se dedica à
destruição da Palestina, fora algumas palavras ocasionais sem significado, e
está implantando essa meta.
O crime dos palestinos em janeiro de
2006 foi punido imediatamente. Os Estados Unidos e Israel, seguidos
vergonhosamente pela Europa, impuseram duras sanções à população errante, e
Israel aumentou sua violência.
Os Estados Unidos e Israel rapidamente
iniciaram planos para um golpe militar para derrubada do governo eleito. Quando
o Hamas cometeu a afronta de desbaratar esses planos, os ataques israelenses e
o cerco se tornaram mais severos.
Não deveria haver necessidade de
revisar novamente o histórico desolador desde então. O cerco implacável e os
ataques selvagens são pontuados por episódios de “corte da grama”, usando a
alegre expressão israelense para os exercícios periódicos de atirar nos peixes
no laguinho, como parte do que chama de “guerra de defesa”.
Assim que a grama é cortada e a
população desesperada busca reconstruir algo após a destruição e os
assassinatos, há um acordo de cessar-fogo. O cessar-fogo mais recente foi
estabelecido após o ataque de Israel de outubro de 2012, chamada Operação Pilar
de Defesa.
Apesar de Israel ter mantido seu cerco,
o Hamas cumpriu o cessar-fogo, como reconhece Israel. As coisas mudaram em
abril deste ano, quando o Fatah e o Hamas chegaram a um acordo de unidade e
estabeleceram um novo governo de tecnocratas, não afiliados a nenhum partido.
Israel ficou naturalmente furiosa, ainda
mais quando até mesmo o governo Obama se juntou ao restante do Ocidente
sinalizando aprovação. O acordo de unidade não apenas mina a alegação de Israel
de que não pode negociar com uma Palestina dividida, como também ameaça a meta
de longo prazo de dividir Gaza da Cisjordânia e a implantação de suas políticas
destrutivas em ambas as regiões.
Algo precisava ser feito e uma
oportunidade surgiu em 12 de junho, quando três meninos israelenses foram
assassinados na Cisjordânia. Desde o início, o governo Netanyahu sabia que eles
estavam mortos, mas fingiu o contrário, fornecendo assim a oportunidade para
lançar uma campanha contra o Hamas na Cisjordânia.
O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu
alegou ter conhecimento confirmando que o Hamas tinha sido o responsável. Isso
também foi uma mentira.
Uma das principais autoridades de
Israel a respeito do Hamas, Shlomi Eldar, informou quase imediatamente que os assassinos
provavelmente vieram de um clã dissidente em Hebron, que há muito é um espinho
no pé do Hamas. Eldar acrescentou que “estou certo que eles não receberam
nenhum sinal verde da liderança do Hamas, eles simplesmente acharam que era o
momento certo de agir”.
A campanha de 18 dias após o sequestro,
entretanto, teve sucesso em minar o temido governo de unidade e em aumentar
acentuadamente a repressão israelense. Israel também realizou dezenas de
ataques em Gaza, matando cinco membros do Hamas em 7 de julho.
O Hamas finalmente reagiu com seus
primeiros foguetes em 19 meses, fornecendo a Israel o pretexto para a Operação
Margem Protetora, em 8 de julho.
Em 31 de julho, cerca de 1.400
palestinos já tinham sido mortos, a maioria civis, incluindo centenas de
mulheres e crianças. E três civis israelenses. Grandes áreas de Gaza foram
transformadas em escombros. Quatro hospitais foram atacados, cada um deles
representando um crime de guerra.
As autoridades israelenses enaltecem a
humanidade do que chamam de “o exército mais moral do mundo”, que informa aos
moradores que suas casas serão bombardeadas. A prática é “sadismo, disfarçada
hipocritamente como misericórdia”, nas palavras da jornalista israelense Amira
Haas: “Uma mensagem gravada exige que centenas de milhares de pessoas deixem
suas casas já transformadas em alvo para seguirem para outro lugar, igualmente
perigoso, a 10 quilômetros de distância”.
De fato, não há lugar na prisão de Gaza
que seja seguro do sadismo israelense, que pode até mesmo ter excedido os
crimes terríveis da Operação Chumbo Fundido de 2008-2009.
As revelações hediondas provocaram a
reação habitual do presidente mais moral do mundo, Barack Obama: grande
solidariedade para com os israelenses, condenação amarga do Hamas e pedidos por
moderação em ambos os lados.
Quando os atuais ataques terminarem,
Israel espera estar livre para prosseguir com suas políticas criminosas nos
territórios ocupados sem interferência, e com o apoio norte-americano que
desfrutava no passado.
Os moradores de Gaza estarão livres
para voltar à norma em sua prisão israelense, enquanto na Cisjordânia os
palestinos podem assistir em paz enquanto Israel desmonta o que resta de suas
posses.
Esse é o resultado provável caso os
Estados Unidos mantenham seu apoio decisivo e virtualmente unilateral aos
crimes israelenses e sua rejeição do antigo consenso internacional para um
acordo diplomático. Mas o futuro será muito diferente se os Estados Unidos
retirarem seu apoio.
Nesse caso, seria possível buscar a “solução
duradoura” em Gaza que pedia o secretário de Estado, John Kerry, provocando
condenação histérica em Israel, porque a frase poderia ser interpretada como
pedido pelo fim do cerco e dos ataques regulares por Israel. E, horror dos
horrores, a frase poderia até mesmo ser interpretada como um pedido para
implantação da lei internacional no restante dos territórios ocupados.
Há quarenta anos, Israel tomou a
decisão fatídica de optar pela expansão em vez da segurança, rejeitando um
tratado de paz plena oferecido pelo Egito, em troca da evacuação do Sinai
egípcio ocupado, quando Israel estava iniciando extensos projetos de
assentamento e desenvolvimento. Israel tem mantido essa política desde então.
Se os Estados Unidos decidissem se
juntar ao mundo, o impacto seria grande. Repetidas vezes, Israel abandonou seus
planos acalentados quando Washington assim exigia. Essa é a relação de poder
entre eles.
Além disso, Israel conta com poucos
recursos, após ter adotado políticas que a transformaram de um país altamente
admirado em um que é temido e desprezado, políticas que hoje busca com
determinação cega, em sua marcha para a deterioração moral e possível destruição
final.
Será que a política norte-americana
poderia mudar? Não é impossível. A opinião pública mudou consideravelmente nos
últimos anos, particularmente entre os jovens, e não pode ser completamente
ignorada.
Por alguns anos, há boa base para exigências
públicas de que Washington observe suas próprias leis e corte a ajuda militar a
Israel. A lei estadunidense exige que “nenhuma assistência de segurança deve
ser fornecida a qualquer país cujo governo demonstre um padrão consistente de
grave violação dos direitos humanos reconhecidos internacionalmente”.
Israel certamente é culpada desse
padrão consistente, e o é há muitos anos.
O senador Patrick Leahy, de Vermont,
autor desse artigo da lei, levantou sua aplicabilidade potencial contra Israel em
casos específicos, e com um esforço educativo, organizacional e de ativismo bem
conduzido tais iniciativas poderiam ser tentadas sucessivamente.
Isso poderia ter um impacto muito
importante por si só, além de também fornecer um trampolim para ações adicionais
a fim de pressionar Washington a se tornar parte da “comunidade internacional”
e cumprir as leis e normas internacionais.
Nada poderia ser mais significativo
para as trágicas vítimas palestinas de tantos anos de violência e repressão.
__________
(*) Noam Chomsky é linguista, filósofo e ativista político
norte-americano, professor de Linguística no Instituto de Tecnologia de
Massachusetts.
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