Desde que comecei a investigar, há algumas semanas, a definição que teóricos,
poetas e escritores nos fornecem para o que seja a poesia, já encontrei muitas
que me deixaram literalmente desconcertado, porque fogem ao parâmetro mediano
do que se espera para a caracterização dessa, digamos assim, substância
presente nos escritos com potencial para serem qualificados como efetivamente literários.
Há, como previa, uma proteica massa de definições caracteristicamente
metapoéticas, a lançar mão dos recursos estéticos da escrita para expressar,
num texto vezes sem conta vazado por conotações idiossincráticas, todo o sentimento
que o autor é capaz de traduzir em palavras por estar neste mundo e ser um com
seus pares.
Mas há também definições que, mesmo também grávidas de poesia, nem por
superinterpretações ou assunções metafóricas tangenciam os elementos com que
habitualmente nos deparamos ao compulsar os tratados de teoria literária.
Como exemplo, trago um poema de Boris Pasternak, com o exato título de “Definição
de Poesia”, para que os leitores possam compreender aquilo que procuro exprimir
no parágrafo precedente.
Informe-se que o russo Boris Pasternak é também o autor do famoso
romance “Doutor Jivago”, de 1958, levado às telas do cinema em 1965 pelo diretor
britânico David Lean, com Omar Sharif no papel de Jivago, Julie Christie como
Lara e Geraldine Chaplin, filha do lendário Charles Chaplin, como Tonya.
Para os cinéfilos, neste endereço se encontra a primeira de quatro partes da
película de Lean (as demais podem ser encontradas na aba à direita do mesmo ‘link’).
J.A.R. – H.C.
Boris Pasternak
(1890-1960)
Definição de Poesia
Um risco maduro de
assobio,
O trincar do gelo
comprimido.
A noite, a folha sob
o granizo.
Rouxinóis num dueto-desafio.
Um doce ervilhal
abandonado
A dor do universo
numa fava.
Fígaro: das estantes
e flautas –
Geada no canteiro,
tombado.
Tudo o que para a
noite releva
Nas funduras da casa
de banho,
Trazer para o jardim
uma estrela
Nas palmas úmidas,
tiritando.
Mormaço: como
pranchas na água,
Mais raso. Céu de
bétulas, turvo.
Se dirá que as
estrelas gargalham,
E, no entanto, o
universo está surdo.
(Tradução de Haroldo
de Campos)
Referência:
PASTERNAK, Boris. Definição de poesia.
In: CAMPOS, Augusto de; CAMPOS, Haroldo de; SCHNEIDERMAN, Boris. Poesia russa moderna: nova antologia.
São Paulo: Brasiliense, 1985. p. 136).
ótimo!
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