Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

A poesia é uma senhora difícil de se conquistar!

Vagueando pelos mares de uma busca a um só tempo inglória e prazerosa, pelo anseio de alcançar os manjares da poesia, o poeta paulista Amadeu Amaral deplora o fato de quase nunca ter deparado, prodigamente, com os seios fartos dessa metaforizada e difícil mulher.

Mas parece-me que ele a ama meio assim ao modo platônico, planando etereamente no mundo das formas ou das ideias, ali nas esferas metafísicas, onde as coisas belas e verdadeiras existiriam de fato, e as da realidade seriam mero arremedo ou mímese incompleta daquelas suas parelhas.

Ah... O que os filósofos – e os poetas por extensão – não são capazes de conceber com as suas férteis mentes!

J.A.R. – H.C. 
Amadeu Amaral
(1875-1929)

Epístola
(a Manuel Carlos)

Eu não sei, meu amigo, se a Poesia,
como uma fada complacente, voa,
à invocação deste ou daquele fiel,
e vem ficar-lhe ao pé, mansa em pessoa,
a dar-lhe vida e forma à ideia fria,
a conduzir-lhe a mão sobre o papel...

No meio desta humana turba-multa
existem (dizem) almas prediletas
que ela visita assim. Vates de raça
é desse privilégio que resulta
o seu caráter de genuínos poetas,
iluminados de inefável graça!

Eu não a vi jamais. Nunca ela veio
impor-me a sua mão, que tem imposto,
na febre do trabalho, a tanta mão;
não lhe senti jamais o arfar do seio
sobre o meu ombro; nem, pelo meu rosto,
a sua musical respiração.

Nunca a enxerguei sequer; meus pobres olhos
debalde tentam descobrir-lhe a cara,
e cruzar-se com os seus, numa ansiedade.
Tenho-a buscado, como se buscara
do universal palheiro nos refolhos
a intangível agulha da verdade...

Sou, pois, amigo, como um namorado
que, na ausência da amada, se contenta
de andar pelos caminhos que ela andou,
e anda mil vezes o caminho andado,
porque senti-la se lhe representa
nas coisas que ela viu e que tocou.

Sinto-a um pouco por tudo, alegre ou mesta,
nos dias tristes, nos faustosos dias,
nas ondas bravas e nas ondas calmas.
A tudo um pouco de si mesma empresta;
reluz nos gestos e fisionomias,
e tanto doura as pedras como as almas.

Os mares, os grotões, as alvoradas,
as ideias, as nuvens, a folhagem,
uma vida, uma lágrima, um prazer,
tudo isso – coisas tão disparatadas! –
reflete o seu clarão, como a paisagem
sob o clarão de um vago amanhecer.

E assim, nesta ofegante e doce lida,
como um amante que o seu bem supremo
espera vê-lo como um sol que nasce,
dou-lhe o que há de melhor na minha vida.
– mas não espero vê-la, e quase temo
que possa vê-la um dia face a face...

Nem eu mereça jamais vê-la, amigo,
quando eu visse o mistério, qual te vejo,
quando a Certeza me guiasse a mão,
ter-me-ias calmo como um deus antigo,
– mas ir-se-iam pelo ar, num só bocejo,
as delícias do anseio e da ilusão!

Poetry
(William Affleck: 1868-1943)

Referência:

AMARAL, Amadeu. Epístola. In: __________. Poesias. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1931. p. 80-82.

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