Em
livro a retratar as mais candentes preocupações com o avanço da idade, rumo a
um estado de selinidade, capturei a seguinte passagem, atribuída pela autora da
obra, Sulamita Shahar, ao Nobel de 1973, o escritor australiano Patrick White,
de quem li apenas o romance “Voss”, lá pelos idos dos 80. Trata-se de um
excerto do ensaio “The Screaming Potato”, inserido na coletânea “Three Uneasy
Pieces”:
I would like
to believe in the myth that we grow wiser with age. In a sense my disbelief is
wisdom. Those of a middle generation, if charitable or sentimental, subscribe
to the wisdom myth, while the callous see us as dispensable objects, like
broken furniture or dead flowers. For the young we scarcely exist unless we are
unavoidable members of the same family, farting, slobbering, perpetually
mislaying teeth and bifocals. Some may Christian Science their disgust if they
see death as a handout, then if the act is delayed, remember the gouging they
have suffered in the past.
Some of us
become vegans to atone for the soft cruelties we’ve inflicted on our fellow
animals – parents, children, lovers, friends – though our eyes continue to
conceal knives ready for strangers we pass in the street if they don’t
recognize our right of way.
There is the
chopping to be done. Memories rise to the surface as we hear the whimper of a
frivolous lettuce, the hoarse-voiced protest of a slivered parsnip, screaming
of the naked potato in its pot of tumbled water. So how can an altruist
demonstrate his sincerity? Could we perhaps exist on air till the day we are
returned to earth, the bed in which potatoes faintly stir as they prepare
sightless eyes for birth?
O Lord,
dispel our dreams, of murders we did not commit – or did we?
(WHITE apud SHAHAR, 1997, p. 174)
Ofereço, a seguir, uma tradução
livre da passagem, por meio da qual se pode constatar o tom irônico e, ao mesmo
tempo, desencantado do autor, diga-se, já em idade avançada, aos 75
anos. Informe-se que “Three
Uneasy Pieces”, de 1987, mas publicado apenas no ano seguinte, foi o seu derradeiro trabalho
antes de expirar em 1990. Nele, White reflete sobre temas como o envelhecimento
e a busca da perfeição estética:
Gostaria de acreditar no mito de que nós ficamos mais sábios
com o avançar da idade. De certo modo, minha descrença é
sabedoria. Aqueles de uma geração intermediária, seja por caridade seja por
sentimento, subscrevem o mito da sabedoria, enquanto os mais jovens nos veem
como objetos dispensáveis, tais como móveis rotos ou flores mortas. Para os
jovens, praticamente não existimos, a menos que sejamos membros inevitáveis da
mesma família, emitindo gases, babando, extraviando constantemente a dentadura
e os óculos.
Alguns podem expressar o seu
desgosto pela ciência cristã, caso vejam a morte como um donativo; se o ato for
então protelado, lembram o ludíbrio que sofreram no passado.
Alguns de nós se tornam vegetarianos
para reparar as mais leves crueldades que tenhamos infligido aos nossos parceiros
animais – pais, filhos, amantes, amigos – apesar de nossos olhos continuarem a
ocultar lâminas prontas para estranhos que passam na rua, caso não reconheçam o
nosso direito de passagem.
Oração e vegetais devem ajudar no
sentido da reparação. Mas não. Há mudança a ser feita. Lembranças emergem à
superfície enquanto ouvimos o pranto de uma alface frívola, o protesto roufenho
de um tubérculo fatiado, o clamor de uma batata descascada sob a água na panela.
Assim, como um altruísta pode manifestar a sua sinceridade? Nós poderíamos
talvez existir no ar, até o dia em fôssemos devolvidos à terra, o berço no qual
as batatas se agitam tenuemente enquanto preparam os olhos para germinar.
Ó Senhor, dissipai os nossos
delírios de delitos que não cometemos – ou os cometemos?
(WHITE apud SHAHAR, 1997, p. 174)
Referência:
SHAHAR,
Sulamita. Growing Old in the Middle Ages: winter clothes us in shadow and pain.
Translation Yael Lotan. London: Routledge, 1997.
J.A.R.-H.C.
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