Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 30 de março de 2014

Baudelaire - Hino à Beleza

Baudelaire, depois de definir a beleza como um correlato de uma escultura feminina, fria e quase inacessível, com interfaces ambíguas, senão contraditórias, vem agora dedicar-lhe um hino: nele sobressai a referência às origens do belo, que tanto pode vir do divino quanto do satânico, ou por outra, das paragens dos céus quanto dos infernos!

Em suma: alusões colidentes, nos contrafortes do paradoxo, às fontes do belo, a congregar “bênçãos” e “crimes”, “claros” e “escuros”, “firmamento” e “abismos” etc.

São sete quadras com versos alexandrinos de rimas cruzadas, plenas de alegorias duais, a revelar a incômoda sensação de que o poeta tornou-se refém de polos antagônicos, os quais, nada obstante, são capazes de prover-lhe com a mesma sedução da beleza!

J.A.R. – H.C.

O Despertar de Vênus
(A Deusa da Beleza)
Charles-Joseph Natoire (1700-1777)

Hino à Beleza

Vens do fundo do céu ou sais do precipício,
Beleza? O teu olhar celestial e daninho,
Verte confusamente o crime e o benefício,
Pode-se pois dizer que és sempre igual ao vinho.

Nos olhos podes ser matutina e noturna;
E sabes perfumar como a borrasca à tarde;
Teus beijos são um filtro e tua boca uma urna:
Se à criança dão valor, tornam o herói covarde.

Das estrelas provéns ou dos negros abismos?
Segue-te como um cão a Fortuna encantada;
Semeias a alegria além dos cataclismos,
E tu governas tudo e respondes por nada.

Pisando mortos vais, com ar de desacato;
O horror em teu escrínio é uma joia fulgente,
Por berloque melhor só tens o assassinato:
Sobre o teu ventre vão dança amorosamente.

Uma efêmera vai ao teu encontro, ó vela,
E a chamuscar-se diz: “Bendito lampadário!”
O amoroso anelante a pender sobre a bela
Tem o ar de um moribundo a afagar o sudário.

Que tu venhas do céu ou do inferno, que importa?
Beleza! monstro ingênuo e de feição adunca!
Se teu olhar, teu pé, teu riso abrem a porta
De um infinito que amo e não conheci nunca?

De Satã ou de Deus, que importa? Anjo ou Sereia,
Se és a Fada que faz – olhos de penas de aves,
Ritmo, aroma, clarão, rainha de halos cheia –
Menos odiento o mundo e as horas menos graves.

BAUDELAIRE, Charles. As flores do mal. Tradução, introdução e notas de Jamil Almansur Haddad. São Paulo: Abril Cultural, 1984. p. 121-122.

P.s.: Aproveito esta postagem para fornecer um endereço de vídeo em que a sua autora, a Profª Cláudia Bonfim, faz uma análise, bastante interessante, exatamente sobre o mesmo tema das minhas últimas intervenções: a beleza em Baudelaire. Nele, chama a atenção a música empregada no início do vídeo, como que querendo fazer referência exatamente à natureza antitética da definição do belo, pelo autor francês: “O Bem e o Mal”, de Danilo Caymmi, interpretada por sua irmã Nana Caymmi.


O Bem e o Mal
(Danilo Caymmi)

Eu guardo em mim
dois corações
um que é do mar
um das paixões
um canto doce
um cheiro de temporal
eu guardo em mim
um deus, um louco, um santo
um bem e um mal.

Eu guardo em mim
tantas canções
de tanto mar
tantas manhãs
encanto doce
o cheiro de um vendaval
guardo em mim
o deus, o louco, o santo
o bem, o mal.

J.A.R. – H.C.

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