Que o carioca Bruno Tolentino
(1940-2007) foi tão grande poeta quanto um ilustre desconhecido da maioria dos
leitores brasileiros, não restam dúvidas. Isso não o impediu de ser reconhecido
e agraciado com meritórios prêmios literários, entre os quais, três “Jabutis”,
talvez a mais importante láurea da literatura brasileira.
Sua obra poética reflete um
amplo conhecimento da arte e da filosofia ocidentais, como corolário natural de
sua estadia em países europeus, como a França, a Itália e a Inglaterra. E “O
Mundo como Ideia”, um apanhado de seus poemas produzidos entre 1959 e 1999, notoriamente,
está entre suas obras máximas.
Dele extraí o poema a seguir, “En
L’Autel de L’Idée”, que aparece no idioma em que elaborado, ou seja, o francês. Aproveito, por isso mesmo, para apresentar uma versão em português, a padecer, contudo, dos problemas que costumeiramente ocorrem em traduções. Explico-me: quando se pretende ser o mais fiel possível às palavras do autor, tanto
menos se incorpora a componente poética – o primado de todo poema! E mais, a
tão bela composição das rimas (abba – abba – ccd – ccd), tudo rola por água
abaixo. Perdoem-me os internautas e o poeta pela presunção! (rs).
J.A.R. – H.C.
EN L’AUTEL DE L’IDÉE (1959)
Tu entoures le coeur comme um
feu minéral,
tel un mercure noir s’emparent
d’une artère,
vers un noyau de nuit poussant
une onde amère
en mille éclats d’un verre
illusoire et létal.
Tu n’aimes pas ce monde où les
lèvres font mal,
où l’écorce des yeux doucement
s’adultère,
où l’épine du corps écorche son
mystère,
où le dormeur grandit à son
ombre inégal.
Tu t’enfonces au plus mou,
substance livide
conductrice d’un jour où le
regard se vide
de tout espoir mortel, ultime cécité.
Tu n’aimes pas ce feu qui
infiniment s’achève
ni ce feu qui revient,
l’interminable sève,
tu n’es pas de ce monde où
s’effeuille l’été.
NO ALTAR DA IDEIA (1959)
Cinges o coração como um fogo
mineral,
qual um mercúrio negro se
apodera de uma artéria,
até um núcleo de noite impelir
uma onda amara
em mil estilhaços de um vidro
ilusório e letal.
Não amas este mundo onde os
lábios fazem mal,
onde a crosta dos olhos
docemente se adultera,
onde a coluna do corpo exulcera seu
mistério,
onde o modorrento cresce à sua
sombra desigual.
Tu superas a mais tenra,
substância lívida
condutora de um dia quando o
olhar se esvazia
de toda a esperança mortal,
última cegueira.
Não amas o fogo que
infinitamente se extingue
nem este fogo que ressurge, a
interminável seiva,
tu não és deste mundo onde se
desfolha o verão.
Referência:
TOLENTINO, Bruno. O
mundo como ideia: 1959-1999. São Paulo: Globo, 2002. p. 200.
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