Dando continuidade à pretensa
proposta de se definir o que seja a beleza, trazemos agora um soneto de Charles
Baudelaire, a constar em sua obra-prima “As Flores do Mal”.
Ali está a beleza em seu
talhe poético, sitiada entre poemas que descrevem pesadelos, liturgias satânicas,
necrópoles, lápides enregeladas, enevoamentos, melancolias e coisas da espécie:
Baudelaire se compraz em levar o leitor a “paraísos artificiais”.
A edição que possuo de “Flores
do Mal”, já desde os anos 80, contém uma primorosa introdução do ensaísta
paulista, de origem libanesa, Jamil Almansur Haddad (1914-1988). São 71 páginas
(p. 7-78) e 194 notas, nas quais, sob o título “Baudelaire e o Brasil”, Jamil
declina toda a sua erudição literária, com amplo conhecimento tanto da obra do
autor francês, quanto do grupo de poetas brasileiros que se deixou influenciar,
pronunciadamente, pelas diretrizes estéticas preconizadas pela escola
simbolista.
Mas retornemos ao poema! A
perfeição da beleza se transfigura, na composição de Baudelaire, por meio de um
símbolo artístico: uma escultura incrustada na matéria. Uma ideia extática,
relativa a algo bem tangível, feita refém na forma estrita e meticulosa do
soneto. Explicitamente, um Baudelaire quase parnasiano, abraçando a causa da
“arte pela arte”.
O poeta coloca em confronto o
fluxo da vida, exposto às contingências das leis físicas de movimento, com o
plano metafísico, onde a beleza encontraria a sua mais propícia morada.
Todavia, mesmo aqui, Baudelaire não julga que a arte exista para abolir o movimento,
as paixões, os bulícios da vida, mas sim para transfigurá-los, enobrecê-los,
solenizá-los.
Uma beleza dúctil e fria,
material e imaterial, a instilar na pena dos poetas primor e eternidade. Um
conceito abstrato e de árduo acesso, meio fora do tempo: um enigma a ser
decifrado solitariamente!
J.A.R. - H.C.
A Beleza
Eu
sou bela, ó mortais! como um sonho de pedra,
E
meu seio, em que sempre o homem absorve a dor,
Feito
é para inspirar aos poetas este amor
Silencioso
e eternal assim como é a matéria.
Eu
impero no azul, esfinge singular;
Sou
coração de neve e branco cisne lento;
Porque
desloca a linha, odeio o movimento,
E
nem sei o que é rir, nem sei o que é chorar.
Sempre
o poeta porém a esta grande atitude
Que
eu pareço copiar de uma estátua distante,
Força
é que, dia a dia, austero o ser, me estude;
Tenho
para encantar este dócil amante,
Pondo
beleza em tudo, os mais puros cristais:
Meu
olhar, largo olhar de clarões eternais.
Referência:
BAUDELAIRE, Charles. As flores do mal. Tradução, introdução
e notas de Jamil Almansur Haddad. São Paulo: Abril Cultural, 1984. p. 113.
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