Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 28 de março de 2014

Definição da Beleza (II)


Dando continuidade à pretensa proposta de se definir o que seja a beleza, trazemos agora um soneto de Charles Baudelaire, a constar em sua obra-prima “As Flores do Mal”.

Ali está a beleza em seu talhe poético, sitiada entre poemas que descrevem pesadelos, liturgias satânicas, necrópoles, lápides enregeladas, enevoamentos, melancolias e coisas da espécie: Baudelaire se compraz em levar o leitor a “paraísos artificiais”.

A edição que possuo de “Flores do Mal”, já desde os anos 80, contém uma primorosa introdução do ensaísta paulista, de origem libanesa, Jamil Almansur Haddad (1914-1988). São 71 páginas (p. 7-78) e 194 notas, nas quais, sob o título “Baudelaire e o Brasil”, Jamil declina toda a sua erudição literária, com amplo conhecimento tanto da obra do autor francês, quanto do grupo de poetas brasileiros que se deixou influenciar, pronunciadamente, pelas diretrizes estéticas preconizadas pela escola simbolista.

Mas retornemos ao poema! A perfeição da beleza se transfigura, na composição de Baudelaire, por meio de um símbolo artístico: uma escultura incrustada na matéria. Uma ideia extática, relativa a algo bem tangível, feita refém na forma estrita e meticulosa do soneto. Explicitamente, um Baudelaire quase parnasiano, abraçando a causa da “arte pela arte”.

O poeta coloca em confronto o fluxo da vida, exposto às contingências das leis físicas de movimento, com o plano metafísico, onde a beleza encontraria a sua mais propícia morada. Todavia, mesmo aqui, Baudelaire não julga que a arte exista para abolir o movimento, as paixões, os bulícios da vida, mas sim para transfigurá-los, enobrecê-los, solenizá-los.

Uma beleza dúctil e fria, material e imaterial, a instilar na pena dos poetas primor e eternidade. Um conceito abstrato e de árduo acesso, meio fora do tempo: um enigma a ser decifrado solitariamente!

J.A.R. - H.C. 


A Beleza

Eu sou bela, ó mortais! como um sonho de pedra,
E meu seio, em que sempre o homem absorve a dor,
Feito é para inspirar aos poetas este amor
Silencioso e eternal assim como é a matéria.

Eu impero no azul, esfinge singular;
Sou coração de neve e branco cisne lento;
Porque desloca a linha, odeio o movimento,
E nem sei o que é rir, nem sei o que é chorar.

Sempre o poeta porém a esta grande atitude
Que eu pareço copiar de uma estátua distante,
Força é que, dia a dia, austero o ser, me estude;

Tenho para encantar este dócil amante,
Pondo beleza em tudo, os mais puros cristais:
Meu olhar, largo olhar de clarões eternais.

Referência:

BAUDELAIRE, Charles. As flores do mal. Tradução, introdução e notas de Jamil Almansur Haddad. São Paulo: Abril Cultural, 1984. p. 113.

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