O poema abaixo, de autoria do sacerdote e poeta português Amadeu Torres, falecido no início do ano passado,
desconstrói as imagens que hoje temos do Natal, por demais consumistas,
fazendo-o retornar à sua dimensão primitiva, centrada nas figuras elementares que
compõem o presépio franciscano.
Mantivemos na transcrição a mesma grafia constante da referência apresentada ao final, com o objetivo de retratar a pureza linguística do autor luso, reconhecidamente um dos maiores latinistas de seu país.
J.A.R. - H.C.
Natal Português
Sem pinheiros do Norte em ramalhar de luzes,
Missangas, e vidrilhos do coruto aos pés;
Nem papás-anciãos de alforges e capuzes
Descendo em paraquedas pelas chaminés;
Sem jeitos de Valquírias, bicabraque e sagas,
Brancas de Neve e Anões que não sei donde vêm,
O Natal português, mais que de imagens vagas,
É o Natal de Jesus, Deus-Menino em Belém.
União de Céus e Terra nesse casto abraço
Que a aconchegou ao seio das certezas calmas,
E alongou asas de águia sobre abismo e espaço,
E encheu de vias-lácteas a amplidão das almas.
Fim e princípio, centro e meta das lonjuras
Que o tempo berma de inquietude e luz dos céus;
Epopeia de Amor no infólio das criaturas,
Onde a sangue ficou a rubrica de Deus.
Sei que em S. Nicolau radicam tais desvelos,
No começo bem puros de intenção e Fé.
Mas as árvores hoje e esse Papá dos Gelos
Só deixam ver aquilo que o Natal não é.
Sem pinheiros do Norte ou barbudos anciãos
De trenó ou snowmobiles
de não sei donde,
O Natal português é o Dia Um dos cristãos,
Em que primeiro o Verbo se entremostra e esconde.
Sem quermesse ou bazar nem visões de quitanda,
O Natal é o Presépio humílimo, real.
Dentro e fora do lar, na igreja, em toda a banda
O Natal português é o Natal só Natal!
Referência:
ARAÚJO, Domingos da Silva. O Natal visto por poetas do
distrito de
Viana. Cadernos Vianenses, n. 39,
2007, p. 324-325.
Nenhum comentário:
Postar um comentário