Transcrevo,
a seguir, interessante artigo de Hélio Schwartsman, em sua coluna da Folha de
São Paulo de hoje, 29/11/13, acerca da questão neste momento tratada pelo STF, atrelada à apreciação da constitucionalidade da correção da caderneta de poupança lá pelos
idos de 80 e 90, em decorrência dos planos econômicos então levados a efeito.
O problema foi abordado por Hélio mediante um nítido viés filosófico – aliás, se
trata de um filósofo –, embora também possa, muito bem, ser contemplado sob uma perspectiva mais delimitadamente jurídica. “Consequencialismo x
Deontologismo”, ou de outro modo, “Pragmatismo x Ética do Dever” são dilemas
com que os sistemas legais, pelo mundo afora, se defrontam.
Nos
EUA, a marca de uma economia de mercado, com valores fortemente centrados no
consumo, torna desproporcional a aplicação do consequencialismo: os americanos
são os verdadeiros pais do pragmatismo, e figuras, como Richard Posner,
ponteiam num cenário de propostas de ampla aplicação do Direito pautado pela
Economia. Conclusão: a decisão jurídica tem os dois olhos bem abertos para a
extensão econômica do valor da causa!
O
STF, aqui por estas plagas, vagueia ora numa direção ora noutra: quem não se
lembraria de sua decisão, no início deste século, acerca da contribuição dos
inativos para a Previdência Social? Genuína resolução com justificativas mais
de natureza econômica do que propriamente jurídicas (se é que, de fato, existem
argumentos eminentemente jurídicos, pois penso que tudo são valores, a menos, é
claro, do que a mais lídima empiria é capaz de evidenciar por si só!).
Mas
há também decisões que buscam convergir para propostas pedagógicas de como o
cidadão deve se comportar eticamente, e aí está o dilema do Mensalão, com todos
os seus contratempos.
Agora
trazendo o discurso para algo próximo do problema levantado na matéria inicial:
de fato, qualquer magistrado que analise uma discrepância de valores da ordem
da que ora se informa – de uma dezena de bilhões para uma centena de bilhões –
necessitaria, efetivamente, solucionar previamente tal pendência,
independentemente do padrão decisional que costuma declinar em seus votos.
Tal
situação me fez recordar o embate em que se viram enredados alguns grandes
bancos suíços, quando, mais do que os descendentes de judeus que foram mortos
durante a 2ª Guerra Mundial, entidades do Estado de Israel – e aqui entra a
figura tão detratada por Norman Finkelstein em sua obra “A Indústria do
Holocausto”, o Nobel da Paz Elie Wiesel –, entraram na Justiça americana para
reaver valores que se encontravam em contas daquelas instituições e que
pertenciam aos judeus em referência: uma cifra que ficava, segundo os autores,
entre 7 e 20 bilhões de dólares, mas que ao final do levantamento feito pelos
bancos resultou apenas em R$32 milhões de dólares, constantes em 775 contas
inativas e não reclamadas.
Nesse
sentido, houve pressões dos autores contra as IFs para que liquidassem logo a
lide, ao argumento de que os descendentes dos judeus mortos “estavam passando
por dificuldades”, o que, em última instância, resultou no pagamento efetivo de
1,25 bilhão de dólares. Nesse plano, ao final da questão, os mandatários dos
bancos suíços passaram a veicular na imprensa o falso dilema levantado pela
parte autora, quando afirmava que a compensação pleiteada fixava-se “sobre
verdade e justiça [dimensão deontológica], e não sobre dinheiro [dimensão
consequencialista]”. Zombavam agora eles: “O dilema não é sobre dinheiro. É
sobre mais dinheiro!”. Dinheiro esse, por sinal, que praticamente não chegou às
mãos dos afetados, segundo Finkelstein, mas se concentrou nas mãos de entidades
sionistas (ou seriam judaicas?), em Israel.
Finkelstein
é figura obviamente non grata na
comunidade de judeus americanos e, parece-me, que muito de seus argumentos
partem da convicção de que os descendentes estiveram sempre à margem de todas
as restituições que houve por conta dos fatos da 2GM. Diz-nos ele que sua mãe
teria recebido apenas 3.500 dólares de compensação, quando os valores pagos
pela Alemanha, para restituição às vítimas, totalizaram 60 bilhões de dólares,
fora a “extorsão” adicional empreendida mais recentemente contra a própria
Alemanha e a Suíça, que deram ensejo a manifestações antissemitas nesses países
e que inibiram, por ora, a propositura de novas ações contra governos de outros países,
como os da Polônia e da Áustria, por exemplo.
J.A.R.
– H.C.
Batata Quente
SÃO
PAULO (Hélio Schwartsman) - É uma bela batata quente. O Supremo terá de decidir se as fórmulas
usadas para calcular a correção da caderneta de poupança em planos econômicos
das décadas de 80 e 90 são constitucionais.
Se
disser que não são e mandar os bancos devolverem a diferença, beneficiará
milhares de investidores que podem de fato ter sido prejudicados. A dificuldade
é que a operação tem um custo. O BC estima que a brincadeira teria um impacto
de R$ 150 bilhões nos balanços de instituições financeiras públicas e privadas
e implicaria uma retração de R$ 1 trilhão no mercado de crédito. O Idec,
entretanto, contesta os cálculos do BC e apresenta uma conta bem mais modesta,
de R$ 8,4 bilhões.
Não
sei quem tem razão e considero até temerário o STF apreciar a matéria sem que
haja clareza quanto ao tamanho da encrenca. A diferença entre as duas contas é
daquelas que modifica a natureza do problema.
Para
intérpretes do direito mais afeitos às ideias kantianas, só o que importa é
fazer justiça. Se o poupador tem razão em seu pleito, deve ser atendido, não
importando os resultados. "Fiat iustitia, pereat mundus" (faça-se
justiça, mesmo que o mundo pereça), escreveu o filósofo alemão.
Receio,
entretanto, que não possamos abraçar tão alegremente os postulados kantianos.
Sistemas judiciários, principalmente quando tratam de temas de repercussão
geral, precisam de pitadas de consequencialismo. Se é verdade que o
reconhecimento de perdas na poupança teria um grande impacto negativo para a
economia, o STF não pode se dar ao luxo de ignorar esse aspecto (o que não
implica que juízes devam julgar olhando só para os resultados).
A
pergunta, no fundo, é o que caracteriza uma nação: o passado comum, como
queriam os românticos, ou a vontade de construir um futuro, como advogava o
filósofo francês Ernest Renan? Creio que as sociedades que apostam na segunda
fórmula tendem a ser mais dinâmicas.
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