Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 24 de novembro de 2013

Charles Dickens - Conto de Natal (Capítulo 9)

Para ler o Capítulo 8, acesse o seguinte link.

DICKENS, Charles. Conto de Natal. Adaptação de Isabel Vieira. São Paulo: Rideel, 2003. (Coleção Aventuras Grandiosas)

Capítulo 9 (Págs. 27–29)
A lição dos espíritos
Sim, a coluna da cama! Scrooge estava na sua cama, no seu quarto! Ah, incrível ventura! Era também seu o futuro; o tempo que tinha pela frente seria empregado para corrigir os erros do passado!
– Hei de manter no meu coração os espíritos do Natal presente, passado e futuro! Todos os três! Ah, Jacob Marley, como lhe agradeço!
Estava tão agitado e radiante que a voz saía fraquinha. A cena violenta que tivera com o último espírito fizera-o chorar, e as lágrimas escorriam-lhe.
– As cortinas não foram arrancadas, nem as argolas! – gritou Scrooge, tocando o grosso tecido do cortinado do leito. – Ainda estão aqui, eu também estou aqui, e as sombras das coisas que poderiam ter acontecido hão de se desfazer, tenho certeza!
Enquanto fazia essas reflexões, Scrooge ria às gargalhadas.
– Sinto-me leve como uma pena, feliz como um anjo, alegre como um colegial!
Estou tonto como um ébrio! Boas-Festas! Feliz Ano-Novo a todos!
Do quarto passou à sala, onde se sentou, arquejante. Ali estava a porta por onde entrara o espectro de Jacob Marley. Ali estava o lugar onde o espírito do Natal presente havia se sentado. Era tudo verdade!
– Não sei que dia é hoje! – Scrooge ria sem parar. – Não sei quanto tempo estive com os espíritos! Não sei nada, sou uma perfeita criança! Quero ver gente!
Venham todos, venham!
Ouviu-se um vigoroso bater de sinos. Scrooge correu à janela, abriu-a e pôs a cabeça para fora. O nevoeiro se dissipara e a atmosfera estava clara, brilhante.
Scrooge achou o sol esplêndido, e o som dos sinos, maravilhoso.
– Que dia é hoje? – gritou a um rapazinho que passava.
– Hein? – estranhou o garoto.
– Que dia é hoje, meu bom amigo?
– Hoje?! Hoje é dia de Natal…
– É dia de Natal, bem que eu desconfiava! Os espíritos fizeram tudo numa única noite! Para os espíritos tudo é possível! Ei, rapaz! – chamou Scrooge. – Pode me fazer um favor? Conhece a loja de aves, ali na esquina? Será que já venderam o belo peru que lá estava? Não o pequeno. O grande. – Um quase do meu tamanho? Ainda está lá – respondeu o rapaz.
– Pois vá comprá-lo e volte correndo, quero lhe dar uns trocados. Traga junto o empregado da loja, pois o peru terá de se entregue num certo lugar…
O rapaz saiu em disparada, enquanto ele se divertia:
– Vou mandá-lo para a casa de Bob Gratchit! – Scrooge esfregava as mãos, contente. – Ele não saberá quem o enviou. Ah, como isso me diverte!
Logo o peru chegou, enorme. Duas vezes o tamanho do pequeno Tim!
– Quem poderá carregá-lo até o subúrbio? Melhor alugar um carro!
A satisfação com que Scrooge disse isso, o prazer com que pagou o peru, o sorriso com que deu dinheiro para o carro e recompensou o rapaz só foram excedidos pela satisfação com que se sentou numa cadeira, ofegante, até lhe saltarem dos olhos lágrimas de alegria.
Em seguida, Scrooge barbeou-se com as mãos trêmulas de emoção, vestiu-se com sua melhor roupa e saiu. Havia muita gente nas ruas, tal como quando ele as percorrera com o espírito do Natal presente. Olhava para todos com ar tão alegre, que lhe diziam: “Bom-dia, senhor! Boas-Festas!” Não tinha andado muito quando viu o cavalheiro distinto que lhe pedira donativos para os pobres. Envergonhado, Scrooge foi ao seu encontro.
– Meu caro senhor, como passou? Como foi a coleta de ontem? Que bondade sua pedir pelos necessitados! Muitas boas-festas!
– É o sr. Scrooge?
– Sim, e meu nome não deve lhe soar bem. Espero que me perdoe e…
Scrooge inclinou-se e completou o resto da frase no ouvido dele.
– Que diz? Tudo isso? Está falando sério? – admirou-se o outro.
– Muito sério. Nessa soma estão incluídas inúmeras contas passadas.
– Meu caro senhor, não sei como agradecer tanta generosidade…
– Eu é que agradeço! Muitíssimo obrigado! – cumprimentou-o Scrooge.
Dali dirigiu-se para a igreja, olhando o povo que passava, afagando as criancinhas, falando com os mendigos, espreitando para dentro das cozinhas, achando lindo tudo o que via. À tardinha, bateu à porta da casa do sobrinho.
Fred e a esposa estavam na sala de jantar. A empregada conduziu-o até eles, que o contemplaram com indescritível espanto.
– Meu Deus! Que vejo! – exclamou o sobrinho.
– Sou eu, seu tio Scrooge. Venho jantar. Dá licença, Fred?
Em cinco minutos, estava perfeitamente à vontade entre os convidados. No início, estes estranharam vê-lo, mas logo o aceitaram no grupo. E os donos da casa o trataram com tanta delicadeza que a reunião pareceu-lhe esplêndida.
No dia seguinte cedo, Scrooge fez questão de chegar ao escritório antes que seu empregado. Bob Gratchit apresentou-se alguns minutos depois.
– Isso são horas de chegar? – indagou Scrooge, esforçando-se para falar no tom áspero de antigamente.
– Não se repetirá, patrão, prometo – desculpou-se o pobre homem. – O Natal é só uma vez por ano, tivemos uma festa em casa, deitamos tarde e…
– Ouça o que tenho a lhe dizer – Scrooge saltou da poltrona e avançou para o empregado, que recuou, espavorido. – Boas-Festas, Bob! Melhores festas do que as que eu tenho lhe dado até hoje! – A frase soava tão sincera, que o empregado arregalou os olhos. – Vou aumentar seu salário e socorrer sua família.
Hoje mesmo, à tarde, falaremos sobre isso diante de um bom copo de vinho quente. Agora acenda as duas estufas e vá comprar carvão para nós.
Scrooge fez tudo o que prometeu e infinitamente mais. Para o pequeno Tim, que não morreu, foi como um segundo pai. Tornou-se tão bom amigo, tão bom patrão, tão bom homem como os melhores que existiram no mundo. Muitos riam da sua transformação, mas ele não se importava. Seu coração lhe sorria e isso lhe bastava.
Scrooge não voltou a encontrar os espíritos, embora tenha se tornado o homem que melhor sabia festejar o Natal. Oxalá isso aconteça com todos nós! E, como dizia o pequeno Tim, que Deus nos abençoe a todos!
(FIM)

Se houver interesse em apreciar uma adaptação cinematográfica do famoso conto de Dickens, ofereço o seguinte endereço de vídeo no Youtube: certamente não é a melhor representação que a sétima arte, até agora, foi capaz de oferecer - afinal, a película "Scrooge", de 1951, parece-me uma das melhores -, mas certamente é fidedigna, em sua narrativa, à obra do britânico.



J.A.R. - H.C.

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