Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Charles Dickens - Conto de Natal (Capítulo 8)

Para ler o Capítulo 7, acesse o seguinte link.

DICKENS, Charles. Conto de Natal. Adaptação de Isabel Vieira. São Paulo: Rideel, 2003. (Coleção Aventuras Grandiosas)

Capítulo 8 (Págs. 24–26)
Quem é o morto?
O espectro estendeu sua ampla túnica como se fosse uma asa, e os dois foram transportados a uma casa onde estava uma mulher rodeada pelos filhos.
Seus passos apressados, o modo como olhava toda hora a janela e o relógio, a dificuldade para concentrar-se na costura, tudo indicava que esperava alguém com ansiedade. Afinal, bateram na porta e ela correu ao encontro do marido, em cuja fisionomia abatida se notava uma expressão de contentamento que ele, envergonhado, em vão tentava disfarçar.
– Traz boas ou más notícias? – perguntou a mulher.
– Más! – respondeu ele.
– Estamos completamente arruinados?
– Não. Ainda há esperança, Caroline.
– Quer dizer que ele vai abrandar? Seria um verdadeiro milagre!
– Não terá que abrandar, pois já morreu – disse o marido.
A moça parecia uma boa criatura. Mas, ao ouvir a notícia, sentiu uma alegria tal que não pôde ocultar. Pediu perdão a Deus pelos seus sentimentos.
– Quando o procurei para pedir a prorrogação da dívida, a mulher que atendeu a porta disse que ele estava doente – explicou o marido. – Julguei que fosse desculpa para não me receber, mas era verdade. Ele estava moribundo.
– E agora? Para quem será transferida a nossa dívida?
– Não sei, mas espero que o novo credor seja mais humano do que ele.
Podemos dormir sossegados esta noite, Caroline.
Scrooge percebeu que aqueles corações se sentiam aliviados de um peso esmagador. A morte de um homem restituíra a alegria a uma família.
– Gostaria de ver um lugar onde reinasse a saudade causada pela morte, espírito! – pediu. – Aliás, aquele horrível leito não me sai da cabeça…
O espectro conduziu-o por ruas que lhe pareciam familiares. Entraram na casa do pobre Bob Gratchit, onde Scrooge já tinha estado com o espírito do Natal presente, e viram a dona da casa rodeada pelos filhos, junto da estufa.
A mãe e as filhas pareciam absortas no trabalho de costura. As crianças não brincavam como de costume. Peter lia um livro em voz alta.
– A luz do candeeiro me faz chorar, e não quero ter lágrimas nos olhos quando seu pai chegar – disse a mãe, pondo o trabalho de lado.
– Já passa da hora. Ele tem andando devagar ultimamente – disse Peter.
– Quando carregava nosso pobre Tim às costas, andava depressa.
– É verdade, nem sentia o peso dele – concordaram os irmãos.
– Era tão levinho! – prosseguiu a mãe. – E seu pai gostava tanto dele que não lhe custava nada carregá-lo… Ouçam, ele está batendo à porta…
Bob Gratchit entrou com o velho cachecol enrolado no pescoço e todos correram para oferecer-lhe chá. Os dois filhos menores pularam no seu colo e encostaram os rostinhos no dele, consolando-o: “Não fique triste, papai!” Bob esforçou-se para se mostrar contente. Elogiou a rapidez com que a costura da mulher e das filhas avançava. A esposa, por fim, perguntou:
– Você foi lá hoje, não foi?
– Fui. Pena não ter levado você. Iria gostar de um lugar tão verde. Mas haveremos de ir outras vezes. Nosso pobre filhinho!
Ao falar do filho, Bob não pôde conter a dor. Os soluços embargaram-lhe a voz e ele subiu as escadas, permanecendo uns minutos no quarto até se recompor.
Voltou mais calmo e a conversa à volta do fogo continuou.
– O sobrinho de Scrooge foi muito bondoso conosco – contou. – Eu o encontrei na rua. Ele me deu seu cartão, dizendo: “Sinto muito, e se puder lhes prestar algum favor, terei nisso muito gosto”. Parecia até que tinha conhecido nosso querido Tim e que sua morte lhe causara verdadeira mágoa.
– Deve ser uma boa alma! – disse a esposa.
– Com certeza. Quem sabe ainda arruma um emprego para nosso Peter.
– Ouviu isso, Peter? – tornou a mãe.
– Aí Peter se casa e nos deixa… – queixou-se uma das irmãs.
– Decerto que isso acontecerá um dia, meus filhos – disse Bob Gratchit. – Mas, onde quer que estejamos, unidos ou separados, nenhum de nós jamais esquecerá nosso querido Tim, não é verdade?
– Nunca, papai. Nunca nos esqueceremos dele – gritaram todos.
– Espectro! – disse Scrooge. – Diga-me: quem era o homem que vimos em seu leito de morte?
O espírito do Natal futuro levou-o à parte da cidade onde imperava a febre dos negócios, e Scrooge, como da primeira vez, não viu a si mesmo. Seu guia passou depressa pelo bairro onde ele morava, mas não parou.
– Espírito, naquela rua morei muito tempo. Lá está a casa. Quero ver o que serei no futuro. Por favor, pare um instante!
O dedo apontava outra direção.
– A casa é aquela, espírito. Por que me mostra outro caminho?
Scrooge espiou pela janela e viu que o local era ainda um escritório, mas não o seu. A mobília era outra, e havia outra pessoa sentada à mesa. O espectro, imperturbável, continuava a apontar a mesma direção. Scrooge foi obrigado a segui-lo e vaguearam muito tempo, chegando a uma porta de ferro.
Era um cemitério. Ali devia jazer, sem dúvida, o homem cujo nome ele enfim ia saber. O espírito parou entre os jazigos e apontou um deles.
– Antes de eu me aproximar, responda-me, espírito! – Scrooge tremia, cheio de terror. – Essas sombras pertencem a coisas que irão forçosamente acontecer ou que apenas poderão acontecer?
O espírito continuou a apontar.
– Já sei. As ações dos homens podem fazer prever certos fins. Mas, se eles se corrigirem a tempo, os fins também mudarão. É o que devo entender?
O espectro conservou-se impassível.
Scrooge, tremendo muito, seguiu a direção que a mão indicava e leu na pedra de um túmulo abandonado o seu próprio nome: “Ebenezer Scrooge”.
– Então sou eu o homem que vi morto, abandonado no leito? – Scrooge caiu de joelhos, chorando. – Não, espírito! Não! Não!
O espectro não se moveu.
– Espírito! – gritou, agarrando-se à sua túnica. – Ouça-me! Não sou o homem que fui! Serei outro daqui em diante! Por que me mostra essas coisas, se para mim não há esperança?
Pela primeira vez o dedo pareceu vacilar.
– Bondoso espírito! – continuou Scrooge. – Interceda por mim, tenha compaixão!
Diga-me que posso mudar meu destino e levar uma vida nova! Hei de honrar o Natal no meu coração todos os anos! Hei de guardar os espíritos do Natal presente, do passado e do futuro e seguir suas lições! Diga-me que posso apagar a inscrição daquela pedra!
Na sua dor, Scrooge agarrou com força a mão do espectro, que o repeliu.
Ao tentar novamente pegá-la, Scrooge viu com surpresa o fantasma diminuir de tamanho, encolher-se e transformar-se numa das colunas da cama.
Para ler o Capítulo 9, acesse o seguinte link.
J.A.R. - H.C.

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