Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 16 de novembro de 2013

Charles Dickens - Conto de Natal (Capítulo 5)

Para ler o Capítulo 4, acesse o seguinte link.

DICKENS, Charles. Conto de Natal. Adaptação de Isabel Vieira. São Paulo: Rideel, 2003. (Coleção Aventuras Grandiosas)

Capítulo 5 (Págs. 14–16)
O espírito do Natal presente
Scrooge despertou de um sono profundo e sentou-se na cama para pôr as ideias em ordem. O relógio ia bater uma hora. Notou que havia acordado no momento exato em que deveria chegar o segundo espírito enviado por Marley.
Julgava-se preparado para tudo, mas não estava preparado para nada. Quando o relógio deu uma hora e nenhum espectro apareceu, foi sacudido por um violento tremor. Cinco minutos, dez, quinze se passaram, e nada! Scrooge continuou na cama, iluminado por um feixe de luz que incidira sobre ele e que o apavorava mais que uma dúzia de fantasmas. Afinal, percebeu que a luz vinha do quarto ao lado. Levantou, calçou os chinelos e dirigiu-se para a porta.
Ao colocar a mão na fechadura, Scrooge ouviu uma voz chamá-lo pelo nome e lhe ordenar que entrasse. Ele obedeceu.
O quarto estava irreconhecível, com as paredes e o teto totalmente forrados de folhagens verdes, semelhantes a um bosque. Folhas de azevinho e hera refletiam de tal forma a luz, que parecia haver ali uma infinidade de espelhos. Uma linda labareda subia pela chaminé. No chão, viam-se perus, patos, galinhas, leitões, pastéis, bolos, castanhas assadas, maçãs, peras e taças de vinho espumante.
Ao lado estava sentado um risonho gigante, segurando um archote aceso, como se ele fosse a cornucópia da abundância.
– Entre e me examine bem, homem! – disse o espírito.
Scrooge entrou timidamente e evitou encará-lo.
– Sou o espírito do Natal presente – disse o espectro. – Olhe para mim!
A criatura vestia um roupão guarnecido com arminhos, meio aberto no peito. Os pés estavam descalços. Na cabeça, em vez de chapéu, usava uma coroa de ramos de azevinho presa por pingentes de gelo. Seus caracóis negros caíam livremente, deixando a descoberto a expressão cordial dos olhos. A voz meiga e a mão aberta inspiravam franqueza e liberdade.
– Nunca viu ninguém parecido comigo? – perguntou o espírito.
– Nunca.
– Não conheceu meus irmãos mais velhos?
– Creio que não – disse Scrooge. – Você tem muitos irmãos?
– Mais de mil e novecentos…
– Uma família numerosíssima para sustentar… – balbuciou Scrooge.
O espectro do Natal presente se levantou.
– Espírito! – disse Scrooge com submissão. – Leve-me aonde quiser. Na noite passada recebi uma grande lição. Ensine-me o que preciso aprender.
– Toque no meu manto!
Scrooge fez o que ele mandava. Heras, folhagens, perus, gansos, patos, galinhas, pastéis, vinho espumante, tudo desapareceu instantaneamente, assim como a lareira, e eles se acharam nas ruas da cidade na manhã do dia de Natal, onde o povo produzia uma espécie de música agradável ao quebrar o gelo que obstruía as portas das casas. A cor escura das fachadas dos prédios contrastava com a alvura da neve que cobria os telhados. Nada havia naquele céu sombrio que pudesse causar alegria. No entanto, todos pareciam felizes e contentes.
Crianças riam jogando bolas de neve umas nas outras. As lojas de aves e frutarias ostentavam esplêndidas riquezas: enormes cestos de castanhas, cebolas douradas e redondas, pirâmides de peras e maçãs, lindos cachos de uvas. E as mercearias, então! Tinham as vitrinas apenas entreabertas, mas o suficiente para ver o que acontecia lá dentro. Não era só o tilintar das balanças pesando mercadorias, nem a rapidez com que os embrulhos eram feitos, nem o delicioso aroma do chá e do café, nem a alvura das amêndoas, nem as frutas secas, polvilhadas de açúcar, que desafiavam o apetite até dos menos gulosos, nem muitas outras coisas enfeitadas para o Natal e boas para comer; não era só isso. Era também a alegria dos fregueses, que se esbarravam na entrada, e se esqueciam das compras para conversar, enquanto os empregados corriam de um lado a outro, atendendo a todos com paciência e satisfação.
Os sinos tocaram, chamando o povo para a igreja. Grupos com as mais belas roupas surgiam nas ruas. Nas vielas e becos, viam-se pobres levando seu farnel para assar no forno das padarias. Estes pareciam interessar demais o espírito, pois, conforme passavam, ele os aspergia com o incenso do archote.
Extraordinário archote era esse! Scrooge observou que nas raras vezes em que os pobres trocavam palavras ásperas, bastou o espírito lançar algumas gotas de incenso para entenderem que não se devia discutir no dia de Natal.
– Há algum sabor particular nessas gotas? – perguntou Scrooge.
– Há, é o meu sabor.
– Pode-se aplicá-lo em qualquer mesa de jantar no dia de hoje?
– Sim, em qualquer mesa em que reine a cordialidade, mas especialmente na dos pobres.
– Por que na dos pobres?
– Porque são os pobres que mais precisam dele.
Depois os sinos cessaram, as padarias se fecharam, e o espírito carregou Scrooge, sempre agarrado ao seu manto, a uma humilde casinha no subúrbio. Parou na entrada e a aspergiu com o archote, abençoando a morada onde Bob Gratchit, o empregado de Scrooge, vivia com a família.
A esposa de Bob, usando um vestido modesto, mas gracioso, arrumava a mesa, ajudada pela filha Belinda. Peter, o rapaz mais velho, metido em roupas do pai, mergulhava o garfo no tacho das batatas, enquanto os dois menores, um garoto e uma menina, corriam dizendo que a padaria cheirava muito bem e que o pato que estava assando só poderia ser o deles.
– E Marta que não chega! – disse a mãe. – E seu pai? E Tim?
Logo Marta, a filha mais velha, chegou do serviço. Em seguida, entrou Bob Gratchit com o pequeno Tim nos ombros, segurando suas muletas e com o aparelho de ferro nas perninhas. Depois de muitos beijos e abraços, puseram Tim sentado junto à lareira. Bob preparou licores e Peter e os irmãos menores foram buscar o pato, voltando com ele em triunfo.
Nunca se vira um pato como aquele! Sentados à mesa, todos elogiaram a brancura da carne e o tamanho do assado, saboreando-o com enorme prazer. As exclamações de alegria redobraram quando a mãe tirou do forno o bolo de Natal.
Depois da refeição, limparam tudo e sentaram-se ao pé do fogo para assar castanhas e provar um gole de licor. O pai fez um brinde.
– Que Deus nos abençoe a todos! Feliz Natal! – disse Bob Gratchit.
– Que Deus proteja cada um de nós! – pediu o pequeno Tim.
– Espírito! – disse Scrooge, com um interesse que nunca sentira antes. – Tim viverá muito tempo?
– Vejo uma muleta sem dono e um lugar vago na lareira – respondeu o espírito.
– Se o futuro não mudar essas sombras, é certa a morte do menino.
– Não, não! – suplicou Scrooge. – Diga que o garoto será poupado!
– É melhor que ele morra, assim se diminui o excesso de população.
Ao ouvir o espírito repetir suas próprias palavras, Scrooge sentiu que o remorso o abatia. Curvou a cabeça, tremendo, enquanto Bob brindava:
– À saúde do Sr. Scrooge!
– Mas, querido, não se pode propor um brinde a uma pessoa tão odiosa, cruel e dura como o Sr. Scrooge! – reclamou a esposa.
– Querida – recriminou-a brandamente o marido. – Hoje é dia de Natal!
– É verdade, querido. Que Deus dê a ele um ano cheio de alegrias!
Para ler o Capítulo 6, acesse o seguinte link.

J.A.R. - H.C.

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