O
Natal sem Dickens ou Dickens sem o Natal não são duas coisas fáceis de serem
pensadas.
Como sublinha o ensaísta norte-americano Les Standiford, em “O Homem que Inventou o Natal” (2010, p. 174), não há presentes trocados ou desembrulhados em Um Conto de Natal, senão apenas a boa vontade e o amor. Da avareza à benevolência, Scrooge se transforma sob o peso dos três fantasmas, para nos fazer ver que o melhor de que o ser humano é capaz somente resulta dos atributos de boa-vontade, amizade e companheirismo.
Para abrilhantar este Natal, postaremos os capítulos deste conto algo longo em nove trechos em sequência (o original contém, de fato, apenas cinco seções). Aqui vai a primeira parte, para uma leitura de reflexão e de prazer.
J.A.R. – H.C.
Referências:
Como sublinha o ensaísta norte-americano Les Standiford, em “O Homem que Inventou o Natal” (2010, p. 174), não há presentes trocados ou desembrulhados em Um Conto de Natal, senão apenas a boa vontade e o amor. Da avareza à benevolência, Scrooge se transforma sob o peso dos três fantasmas, para nos fazer ver que o melhor de que o ser humano é capaz somente resulta dos atributos de boa-vontade, amizade e companheirismo.
Para abrilhantar este Natal, postaremos os capítulos deste conto algo longo em nove trechos em sequência (o original contém, de fato, apenas cinco seções). Aqui vai a primeira parte, para uma leitura de reflexão e de prazer.
J.A.R. – H.C.
Referências:
STANDIFORD, Les. O Homem
que inventou o Natal. Tradução de Christian Schwarz e Liliana Negrello.
Curitiba, PR: Nossa Cultura, 2010.
DICKENS, Charles. Conto de
Natal. Adaptação de Isabel Vieira. São Paulo: Rideel, 2003. (Coleção Aventuras Grandiosas)
Capítulo
1 (Págs. 2-4)
Scrooge,
o avarento
Para começar, quero garantir que Marley estava morto. Sobre isso
não havia a menor dúvida. A certidão de óbito fora assinada pelo padre, pelo
escrivão, pelo agente funerário e pelo próprio Scrooge, seu único sócio, testamenteiro,
herdeiro e amigo. Marley não tinha parentes. Mas o fato de ser a única pessoa
importante para o defunto não impedira Scrooge de realizar um excelente negócio
na Bolsa de Valores no dia do enterro dele.
Insisto em repetir que Marley estava morto, pois disso depende a
compreensão da história. Se a plateia não estivesse convencida de que o pai de Hamlet
morre antes de começar a peça, ninguém estranharia seus passeios noturnos para
assustar o filho nos muros do castelo, em noites de tempestade.
Scrooge nunca tirou o nome do sócio da fachada da empresa.
Scrooge & Marley era uma firma conhecida. Havia quem não distinguisse um
sócio do outro. Às vezes, chamavam Scrooge de Marley. Ele não se importava com
isso e atendia por ambos os nomes.
O velho Scrooge era duro e avarento. Inflexível nos negócios,
arrancava o que podia dos clientes. Vivia retraído e solitário como uma ostra.
O frio que lhe ia na alma era visível até em suas feições: nariz grande, faces
enrugadas, olhos avermelhados e voz áspera. Sua cabeça parecia envolvida num
orvalho gelado. Por onde ele passava, deixava um rastro de frieza que
refrigerava seu escritório no verão e não se abrandava nem com as alegrias do
Natal.
Não havia notícia de que alguém um dia houvesse parado na rua
para dizer carinhosamente: “Caro Scrooge, como vai? Apareça lá em casa!” Nunca
um mendigo lhe pediu esmola, uma criança perguntou-lhe as horas ou alguém
pediu-lhe informações. Até os cães que guiavam os ceguinhos, quando o viam,
puxavam seus donos para o vão de uma porta, deixando-lhe o caminho livre, como
se pensassem: “Antes ser cego que ter o olhar terrível desse homem”.
Na véspera do Natal, Scrooge estava no escritório fazendo contas.
Eram três horas da tarde, mas na rua o frio e a neblina eram tão intensos que
parecia noite. Os candeeiros acesos nos escritórios vizinhos lançavam clarões
na atmosfera negra. O denso nevoeiro penetrava no interior das casas, chegando
a tapar os buracos das fechaduras, e dava aos prédios o aspecto de fantasmas.
Scrooge deixara aberta a porta da sala para poder vigiar seu
empregado, que trabalhava num cubículo frio e úmido. Junto de Scrooge ardia um
escasso fogo, mas o do ajudante era ainda menor. Ele não ousava buscar mais
carvão porque este era guardado junto de Scrooge. Se o fizesse, o patrão
ameaçaria despedir um funcionário tão esbanjador. Enrolado no cachecol, o
infeliz tiritava de frio, batendo os dentes.
De repente, ouviu-se uma voz alegre no ambiente:
– Boas-festas, tio, e que Deus o guarde!
A presença do sobrinho, entrando precipitadamente, com as faces
coradas e o olhar cintilando de alegria, irritou o velho, que resmungou:
– Tolice! Pura tolice!
– O Natal é uma tolice, tio? – replicou o rapaz. – É o que está
dizendo?
– Tolice, claro! Por que essa alegria? Você não é pobre?
– Sou, sim – disse o sobrinho, zombeteiro. – Então, como o
senhor, que é tão rico, explica sua tristeza?
– Ora, deixe-me em paz! – irritou-se Scrooge. – Por que eu
haveria de estar alegre? Natal é a época de fazer o balanço da firma e
descobrir que só tivemos prejuízo. Ficamos um ano mais velhos e nem um tostão
mais ricos. Isso é motivo para comemorar e dar presentes? Feliz Natal! –
debochou o tio. – Tenho vontade de assar junto com o bolo de Natal todo maluco
que desejar isso! E ainda espetá-lo num galho do pinheiro!
– Que horror, tio! – escandalizou-se o sobrinho.
– Por que não festeja o Natal a seu modo e esquece que eu existo?
– Porque o Natal é tempo de caridade e perdão – respondeu o
sobrinho.
– É a época do ano em que homens e mulheres abrem seus corações e
tratam todas as criaturas como iguais, tenham ou não dinheiro. Somos
companheiros da mesma jornada. É por isso, tio, que eu repito: Deus abençoe o
Natal!
O empregado aplaudia intimamente as palavras do rapaz. Estava
prestes a dizer o que pensava, quando Scrooge percebeu e esbravejou:
– Se ousar falar uma palavra, seu presente de Natal será a
demissão!
– Não se aborreça, meu tio. Bem, já vou indo. Só vim para
convidá-lo a jantar conosco amanhã…
Scrooge respondeu com um palavrão. Depois fez-lhe uma pergunta:
– Por que você se casou?
– Porque me apaixonei…
– Porque se apaixonou… – resmungou o velho, como se essa fosse a
única coisa mais ridícula que o Natal. – Passe bem e boa-tarde!
– Mas antes de eu casar o senhor também não ia à minha casa…
– Boa-tarde! – rosnou Scrooge.
– Feliz Natal e ótimo Ano-Novo, tio. Só queria que fôssemos
amigos.
– Boa-tarde! – concluiu Scrooge.
Apesar da frieza da recepção, o rapaz foi embora sem perder o bom
humor e ainda desejou boas-festas ao empregado, que agradeceu e retribuiu.
– Aqui temos outro doido… – murmurou Scrooge. – Mal ganha para o
sustento da família e vem falar em festas e em Natal alegre.
O empregado, que tinha acompanhado o sobrinho do patrão até a
porta, voltou com dois homens distintos e bem-trajados. Eles tiraram os chapéus
e cumprimentaram Scrooge, consultando uma lista.
– Scrooge & Marley – confirmou um deles. – Com quem tenho a
honra de falar? Com o Sr. Scrooge ou com o Sr. Marley?
– Marley morreu. Esta noite faz precisamente sete anos que está
morto.
– O sócio sobrevivente decerto terá a mesma generosidade do
falecido – disse o homem, exibindo a credencial que o autorizava a recolher
donativos.
Ao ouvir a abominável palavra generosidade, Scrooge franziu a
testa e afastou os papéis. O homem estendeu-lhe uma caneta e explicou:
– Nesta época do ano, Sr. Scrooge, é dever de todos nós ajudarmos
a diminuir o sofrimento dos pobres. Há milhares deles com frio e fome nas ruas.
– Não existem asilos? – perguntou Scrooge, afastando a caneta.
– Infelizmente, estão cheios.
– E a casa de correção? E a lei de repressão à mendicância?
– Continuam existindo, senhor, e não faltam condenados. Quanto
devo escrever nesta lista, em nome do Sr. Scrooge?
– Nada!
– Ah, compreendi. Deseja fazer uma doação anônima…
– Desejo que me deixem em paz – disse Scrooge. – Não gosto do
Natal e não vou contribuir para sustentar preguiçosos. Pago impostos para
manter as instituições a que me referi. Quem não tiver o que comer que se
recolha a elas.
– Não há lugar para todos, e muitos prefeririam morrer a recorrer
a um lugar desses, senhor.
– Pois que morram, então. Farão um benefício à humanidade,
ajudando a acabar com o excesso de população. Agora, com licença e boa-tarde!
Os homens se retiraram e Scrooge
esfregou as mãos, satisfeito da vida.
J.A.R. - H.C.
Para ler o Capítulo 2, acesse o seguinte link.
J.A.R. - H.C.
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