Natal
Natal frio. O vento sopra
desordenado,
a água gela nos poços,
e o nevoeiro cerrado
cega a vista e emperra os ossos.
O mar esfarrapa as ondas
nas
penedias.
As faias levam açoites:
noites rudes como os dias,
dias negros como as noites.
Pelas gargantas das serras
encarquilhadas,
tragando muros, lavouras,
gados, troncos, as levadas
despenham-se ameaçadoras.
Mês de Dezembro: horas brancas,
horas
de neve,
as plantas têm arrepios
e o orvalho, muito ao de leve,
chora dos ramos esguios.
Na igreja dá meia-noite,
repica
o sino…
Depois da missa do galo,
beija-se o pé ao menino,
e o povo corre a beijá-lo.
O altar flameja entre flores;
junto
ao bercinho,
sorrindo à gente que passa,
lá está guardando o seu ninho,
a Virgem cheia de graça.
Toca o órgão: que ternura
nos
olhos dela,
vendo o filhinho deitado
dentro da sua capela,
gordinho, branco, rosado!
Pobres e ricos do mundo,
todos
lá vão,
Levar-lhe velas e flores;
caem, fazendo oração,
de joelhos os pastores.
Na rua, meu Deus, que frio
e
que negrume!
Mas nos casebres de aldeia,
se há frio, que lindo lume,
se há fome, que boa ceia!
Crianças, de porta em porta,
sob
as goteiras,
Geladas – que desatino! –
andam cantando as janeiras,
em louvor ao Deus menino.
“Lá vai, lá vai, raparigas,
já
mal podeis
cantar, rouquinhas as vozes,
repletos os saquitéis,
De frutas, passas e nozes!”
Corre que Nossa Senhora
desce
do altar
e vai, em sonhos dourados,
dar o menino a beijar
aos presos e aos entrevados.
Leva-o nas dobras do manto,
chegado
ao peito,
por causa do temporal,
com todo o amor, todo o jeito
dum coração maternal.
Mas como a voz dum profeta,
o
vento norte,
por onde quer que ele passa,
entoa pragas de morte
e lamentos de desgraça.
E a Virgem sente aflitivos
pressentimentos,
e escuta vozes aziagas:
a dela nesses lamentos,
e as dos judeus nessas pragas.
Referência:
LÍRICA de Natal. São Paulo: Refaga, 1963. p. 33-35.
J.A.R. - H.C.
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