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DICKENS, Charles. Conto de Natal. Adaptação de Isabel Vieira. São Paulo: Rideel, 2003. (Coleção Aventuras Grandiosas)
Capítulo
6 (Págs. 17–19)
Festa na
casa de Fred
Scrooge e o espírito continuaram a andar pela cidade. Ia
escurecendo e começava a nevar. Eles admiravam o esplêndido brilho do fogo nas
cozinhas, nas salas, em toda parte. Aqui, através da janela, viam-se os
preparativos para um jantar.
Ali, um grupo de crianças saía correndo de casa para receber os
tios e primos.
Adiante, ouviam-se as conversas calorosas das famílias reunidas.
De repente, sem aviso algum, Scrooge e o espírito acharam-se num charco
deserto, entre enormes penedos que pareciam sepulturas de gigantes. A vegetação
era paupérrima e a água estendia-se por tudo.
– Que lugar é este? – perguntou Scrooge.
– É onde vivem os mineiros que trabalham nas entranhas da terra –
explicou o espírito. – Mas nem por isso deixam de me festejar.
Na janela de uma cabana brilhava uma luz. Passaram através da
parede, feita de pedra e lama, e depararam com uma cena encantadora: um casal
de velhos rodeado pelos filhos, netos e bisnetos, junto de um belo fogo, todos
com suas melhores roupas, comemorando o Natal.
O espírito não se demorou ali. Ordenou a Scrooge que se agarrasse
bem à sua túnica e se dirigiu para o mar. Era indescritível o horror de Scrooge
ao ver distanciar-se a linha dos rochedos e ouvir o ruído das ondas. Distante
da costa, destacava-se um farol solitário. Mesmo nesse lugar isolado, os dois
guardas do farol improvisaram uma lareira e ergueram os copos num brinde.
O fantasma caminhou muito sobre as águas e pousou com seu
convidado num navio. O marinheiro do leme, os oficiais da guarda, todos os
homens da tripulação pareciam espectros sombrios nos seus postos. Uns cantavam
em voz baixa canções de Natal, outros recordavam natais passados e seus remotos
lares.
Não havia ali ninguém que nesse dia não tivesse palavras de
carinho para com os companheiros e não se lembrasse da família ausente, com a
certeza de também ser lembrado por ela.
Scrooge ouvia o rugir do vento e refletia sobre tudo aquilo,
quando o fio de seus pensamentos foi cortado por uma estrondosa gargalhada.
Surpreso, viu-se numa sala confortável e iluminada. Maior surpresa teve ao
reconhecer que o rapaz que dava aquelas gostosas risadas era o filho de sua
irmã.
– É a casa de Fred, meu sobrinho! – exclamou.
Jamais conheci ninguém que risse melhor do que esse rapaz, e se
você tiver notícia de alguém assim, leitor, apresente-me, porque quero cultivar
sua amizade.
Tal como a dor e as lágrimas, o riso e o bom humor são contagiosos.
Quando o sobrinho de Scrooge ria, todos ao redor faziam o mesmo.
– Ah! Ah! Ah! Ah! Meu tio disse que o Natal é uma tolice,
garanto!
– Que vergonha pensar assim! – exclamou a esposa de Fred, uma
jovem muito bonita e simpática, com uma covinha em cada face.
– É um tipo estranho – disse Fred. – Podia tentar ser mais
agradável, é verdade, mas quem sofre com seu mau humor é ele mesmo.
– Dizem que é muito rico. É verdade? – perguntou um dos
convidados.
– Sim, porém a riqueza não lhe serve para nada. Vive sem conforto
e não faz bem a ninguém. Ah! Ah! Ah!
– Não tenho paciência para aturá-lo! – disse a esposa de Fred.
– Eu tenho – replicou o marido. – Sinto pena dele. Não aceitou
vir jantar conosco e perdeu todas estas delícias, não é verdade?
Os amigos, que haviam acabado de comer e agora conversavam à
volta do fogo, concordaram. Fred deu outra gargalhada e continuou:
– Pena tio Scrooge não estar aqui, pois este alegre convívio lhe
faria bem.
Todos os anos, quer ele se zangue ou não, vou convidá-lo porque
tenho dó dele.
Pode zombar do Natal até morrer, mas eu o procurarei sempre com a
mesma alegria e lhe direi: “Como está, tio Scrooge? Venha jantar conosco”.
Depois do chá houve música e jogos. A mulher de Fred tocou uma ária
que fez Scrooge recordar de sua falecida irmã. Quando ouviu os compassos da
música, ele se emocionou pensando que, se a tivesse escutado mais vezes no
decorrer dos anos, teria sido mais feliz. Entusiasmou-se também com os jogos de
adivinhação, dos quais participavam umas vinte pessoas. Scrooge era bom nessas
brincadeiras.
Chegou a esquecer que não podiam ouvi-lo e gritava seus palpites
aos jogadores, alegre como uma criança.
O espectro estava tão feliz ao vê-lo que olhava para ele com
carinho, como se Scrooge fosse um menino. Porém, tinha chegado a hora de
partir.
– Ah, só mais um pouquinho, espírito! Deixe-me ver outro jogo!
O espírito não atendeu ao pedido, e Scrooge viu-se novamente
andando ao lado dele por muitos lugares. Visitaram hospitais, asilos, prisões.
Viajaram a terras longínquas, onde viram os habitantes reunidos. Entraram em
casas de pobres e Scrooge julgou-os ricos. Em todos os refúgios miseráveis onde
a soberba humana não impediu sua entrada, o espírito deixou bênçãos.
Scrooge estava achando a noite demasiado longa. Observou ainda
que, enquanto ele permanecia com a mesma aparência, o espectro ia envelhecendo.
– Minha vida neste mundo é muito breve. Termina esta noite –
disse o espírito do Natal presente.
– Esta noite?
– Sim, à meia-noite.
– Desculpe-me a pergunta – disse Scrooge. – Vejo algo debaixo do
seu manto e não consigo descobrir se são pés ou garras.
– Aqui estão! – mostrou o espírito, tirando das dobras do manto
duas crianças hediondas, esquálidas, enrugadas, esfomeadas, de mau semblante.
Scrooge recuou aterrado e, suspeitando que fossem parentes do
espírito, não teve coragem de expressar seu horror. Perguntou apenas:
– São seus filhos?
– São filhos do Homem. O garoto chama-se Ignorância, e a menina,
Miséria.
Você deve temê-los, pois em suas testas está escrito:
“condenação”.
O sino da igreja bateu meia-noite. Scrooge procurou o espírito,
mas ele havia desaparecido. Quando soou a última badalada, lembrou-se da
predição de Marley. Ergueu os olhos e deparou com um outro espectro, que
caminhava para ele envolto em vapor.
Para ler o Capítulo 7, acesse o seguinte link.
J.A.R. - H.C.
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